segunda-feira, 7 de maio de 2012

Jornalismo político perde os escrúpulos

Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:

O consórcio midiático capitaneado por Editora Abril, Rede Globo e Grupo Folha tem deixado claro que a cobertura que dispensará à CPI do Cachoeira será variada: diálogos e pensamentos obtidos graças a dons mediúnicos de jornalistas, elementos de ficção interessada, ilações as mais absurdas, inverdades a granel e, sobretudo, muita inversão dos fatos.


Em compensação, a reprodução fiel e equilibrada do conteúdo dos autos e dos acontecimentos – essa obsessão dos chatos - será, dispendiosa, deixada de lado. A palavra de ordem nos telejornais e jornalões é ocultar ao máximo o conluio entre crime organizado e imprensa, preservar os acusados pertencentes ao demotucanato e dar um jeito de envolver, com o máximo de publicização, aliados do governo federal. Foi o que se viu e leu, esta semana, no cada vez mais vergonhosamente tendencioso jornalismo político praticado no país.

Inversão de culpa

Assim agindo, essa mídia, após banalizar as denúncias de corrupção com tapiocas e caronas, quer agora fazer crer aos desavisados e às velhinhas de Taubaté que o mais grave caso documentado de crime organizado desta década, envolvendo, em seu epicentro, políticos do alto escalão do DEM, não passa de mais um dentre tantos “malfeitos” dos incorrigíveis petistas.

Ora, é apostar muito alto na ingenuidade de eleitores que, em sua maioria - como as três últimas eleições presidenciais deixaram claro -, demonstram ter mais confiança na própria capacidade de avaliação de suas opções eleitorais do que na palavra de comentaristas políticos, por mais irrepreensivelmente aparados que sejam os bigodes destes.

Dissidências
Extinguem-se, assim, as esperanças – de resto, ilusórias - de que a mídia nativa pudesse aproveitar o ensejo que a CPI lhe oferece para redimir-se das práticas tão distantes do bom jornalismo quanto próximas da ilegalidade golpista que caracterizaram sua ação na última década.

Mas seria impreciso afirmar que nada mudou na esfera midiática após o escândalo Cachoeira-Demóstenes-Veja. Por um lado, emissoras não filiadas a tal consórcio midiático – notadamente, a Rede Record – têm dado mostras de que pretendem cobrir o caso de forma condizente, doa a quem doer. Tanto o site R7 quanto a TV Record e, sobretudo, a Record News vêm fornecendo aquela que é, até o momento, a melhor, mais completa e menos parcial das coberturas acerca do caso, a anos-luz do jornalismo-carochinha ficionado por suas concorrentes.

Vozes contrárias
Outra decorrência da CPI – e da constatação de que sua cobertura pelos grandes veículos de mídia permaneceria preso a vicissitudes e partidarismos – é que várias publicações, nos bolsões minoritários da imprensa que vinham, há tempos, insistindo em praticar jornalismo de fato – Carta Capital à frente -, disseram adeus a qualquer eventual pudor corporativo e passaram a escancarar o envolvimento da mídia no esquema ora apurado pela CPI.

Acrescente-se a tal quadro a constatação de que tanto a nomeação de Brizola Neto ao Ministério do Trabalho quanto o enfrentamento do governo federal aos bancos - no sentido de que estes reduzam suas taxas de juros - têm sido motivo de reação corporativista do referido consórcio midiático, reação esta que fornece, uma vez mais, provas da subserviência da mídia corporativa ao capital financeiro em detrimento dos interesses dos cidadãos (“Um jornal a serviço do Brasil” é o dístico da Folha de S. Paulo. Resta saber a qual Brasil se refere).

Combate urgente
Tudo somado, a campanha eleitoral deste ano deve ser particularmente atribulada, pois se em campanhas anteriores a mídia corporativa já agia como partido político de oposição à aliança governista, este ano tal postura deve ser açulada pela reação às próximas revelações da CPI do Cachoeira e pelo incentivo em espécime que deve vir dos baús da banca contrariada.

Nada disto é positivo para a evolução da democracia brasileira e das práticas republicanas no país, mas, ao contrário do que acontecia em um passado não tão distante, ao menos se pode contar, agora, com um (difuso e minoritário, mas efetivo) poder de contrainformação, seja dos setores minoritários da mídia ou, com mais pujança, dos blogs e redes sociais.

Delineia-se um combate tão intenso quanto necessário.

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