O Brasil deu mais um passo na tentativa de erradicar o trabalho escravo em seu território. Em 22 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou em 2° turno a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001, que prevê o confisco de propriedade onde for flagrado trabalho escravo. A matéria aguardava votação na Casa desde agosto de 2004, quando foi analisada pela primeira vez.
Por ser uma emenda constitucional, a chamada PEC do Trabalho Escravo necessitava da aprovação de três quintos do total de 513 deputados federais. Ao final, 360 votaram a favor da PEC e 29 contra [veja infográfico]. Todos os líderes de partido, assim como os dirigentes da bancada do governo e da minoria, orientaram pela aprovação da emenda.
A proposta voltará agora ao Senado, seu local de origem, pois o texto foi modificado pelos deputados para incluir a expropriação de propriedades urbanas no caso de flagrante por trabalho escravo.
Avanço
A aprovação da PEC na Câmara foi considerada uma vitória para movimentos sociais e organizações que lutam contra o trabalho escravo no Brasil.
“Quem tem interesse em ver erradicado o trabalho escravo está satisfeito com essa aprovação, que ao mesmo é uma derrota para a bancada ruralista”, afirma o jornalista Leonardo Sakamoto, da ONG Repórter Brasil e integrante do Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo.
Para o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), a demora de oito anos para aprovar evidencia o atraso do país em relação ao tema.
“Cento e vinte e quatro anos depois da primeira abolição [em 1888] nós ainda tentamos acabar com essa vergonha que é o trabalho escravo no Brasil”, afirma.
Principal entrave para a aprovação da PEC, a bancada ruralista tentou, no dia da aprovação da emenda, esvaziar o plenário para evitar o quórum necessário. “Todo tipo de manobra foi implementada na Câmara para evitar essa votação. Felizmente a força e a organização da sociedade brasileira e dos movimentos sociais conseguiram derrotar a resistência do atraso que queria impedir a aprovação dessa PEC”, destaca Molon.
Outro fator determinante, para Sakamoto, foi o fato de a votação ocorrer em um ano eleitoral, quando haverá a realização de pleitos municipais.
“Ninguém quer ser visto como o parlamentar que é contra a erradicação do trabalho escravo no Brasil. Então todo mundo votou a favor, por acreditar nisso ou por medo das urnas”, analisa.
Mais de 3,1 mil propriedades foram fiscalizadas por denúncias de trabalho escravo desde 1995, de onde foram resgatadas cerca de 42 mil pessoas, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
“Ultimamente houve um recrudescimento de casos, e não somente no campo, mas na cidade. É difícil fechar os olhos”, salienta Frei Xavier, da coordenação da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo.
Senado
No Senado, a expectativa é de que a tramitação seja mais rápida e tranqüila do que ocorreu na Câmara.
“Nosso desejo é de que a PEC 438 seja votada ainda esse ano no Senado, e que até o fim do ano seja promulgada para mudar a nossa Constituição”, diz Molon.
Nem mesmo a presença de senadores ligados ao agronegócio deverá atrapalhar o andamento da PEC. Assim como ocorreu na Câmara, segundo Frei Xavier, o mais provável é que a maioria dos senadores apoie a PEC, temendo uma eventual associação entre sua imagem e o trabalho escravo.
“Acho que ninguém vai querer ficar responsável por um retrocesso dessa natureza”, avalia.
Mudança de conceito
Todos os deputados que disseram não à PEC dizem rechaçar a prática, mas argumentam que falta clareza sobre o conceito de trabalho escravo. Com a derrota na Câmara, a estratégia dos ruralistas, agora, deverá ser a tentativa de mudar o artigo 149 do Código Penal, que define a escravidão contemporânea. Segundo o texto, este crime se caracteriza em “reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”.
“Não vamos aceitar qualquer mudança no conceito de trabalho escravo. Quem acha que [o conceito] não é claro é quem tem interesse no trabalho escravo”, diz Leonardo Sakamoto.
Frei Xavier lembra que, um dia depois da aprovação da PEC na Câmara, os deputados da bancada ruralista já afirmavam, na CPI do Trabalho Escravo, a necessidade de alterar o artigo 149. Nesse sentido, ele defende uma mobilização permanente em torno do tema.
“Vamos ter que enfrentar novas batalhas para defender o avanço do conceito brasileiro, que é reconhecido pela OIT [Organização Internacional do Trabalho] e pela ONU [Organização das Nações Unidas], e do qual não podemos abrir mão”, assegura.
Medidas estruturais
A aprovação da PEC é considerada estratégica para combater a prática do trabalho escravo, mas outras iniciativas são necessárias, como a implementação do 2º Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Lançado em 2008, o plano é composto por 66 ações, como proibição de acesso a crédito por empregadores que utilizam mão-de-obra escrava e criação de estruturas de atendimento para trabalhadores estrangeiros libertados.
Aumento de fiscalização e punição para os envolvidos também são apontados como medidas importantes. O mais urgente para Frei Xavier, no entanto, é apostar em soluções estruturais para combater as más condições de vida que facilitam o aliciamento. A falta de perspectivas, por exemplo, faz com que muitas pessoas resgatadas não tenham alternativa senão voltar a exercer um trabalho degradante.
“Onde está a reforma agrária nas áreas em que há aliciamento, onde está a educação no campo?”, questiona Frei Xavier. “Temos que lutar por políticas de inclusão e atendimento das demandas das populações que caem na armadilha do trabalho escravo por falta de alternativas”, completa.
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