Por Cida de Oliveira, na Rede Brasil Atual:
O trabalho de psicólogos, assistentes sociais e demais profissionais que acompanham moradores de rua na região da 'Cracolândia', no centro de São Paulo, ficou mais difícil depois da ação policial deflagrada em janeiro passado. Sem saber em quais serviços podem realmente confiar, eles se distanciaram dos agentes, que trabalham para restabelecer os vínculos.
“Durante a ação, muitos queriam se internar para fugir da repressão e não para se tratar. Houve muito apoio para os encaminhamentos, mas um mês depois, quando muitos estavam de volta às ruas, tudo ficou mais difícil. Houve quebra de confiança”, avalia o psicólogo Bruno Ramos Gomes, integrante do Fórum Intersetorial de Drogas e Direitos Humanos de São Paulo e da ONG Centro de Convivência É de Lei.
Gomes foi um dos palestrantes da manhã de hoje (30) no seminário A 'Cracolândia' muito além do crack, realizado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo. “Um usuário de serviço de saúde chegou a comentar que as relações entre essa população também ficaram menos solidária depois da ação”, diz.
Segundo ele, essa desconfiança é preocupante dada a precariedade de serviços disponíveis, a fragilidade das políticas e a falta de articulação entre o pouco que existe. Ou seja, serviço de assistência social não dialoga com o de saúde e ambos não se comunicam com os religiosos, apesar de todos atuarem no mesmo território.
“Por isso muita gente desiste de se cuidar”, lamenta. Na sua opinião, a situação só vai começar a melhorar quando União, estado e município atuarem na organização de políticas que levem em consideração as necessidades daqueles que vivem na cracolândia. “E mais do que isso, precisam ouvir essas pessoas, saber quem são, o que querem, o que precisam. E não impor políticas pensadas por quem tem entendimento superficial da questão.”
“Durante a ação, muitos queriam se internar para fugir da repressão e não para se tratar. Houve muito apoio para os encaminhamentos, mas um mês depois, quando muitos estavam de volta às ruas, tudo ficou mais difícil. Houve quebra de confiança”, avalia o psicólogo Bruno Ramos Gomes, integrante do Fórum Intersetorial de Drogas e Direitos Humanos de São Paulo e da ONG Centro de Convivência É de Lei.
Gomes foi um dos palestrantes da manhã de hoje (30) no seminário A 'Cracolândia' muito além do crack, realizado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo. “Um usuário de serviço de saúde chegou a comentar que as relações entre essa população também ficaram menos solidária depois da ação”, diz.
Segundo ele, essa desconfiança é preocupante dada a precariedade de serviços disponíveis, a fragilidade das políticas e a falta de articulação entre o pouco que existe. Ou seja, serviço de assistência social não dialoga com o de saúde e ambos não se comunicam com os religiosos, apesar de todos atuarem no mesmo território.
“Por isso muita gente desiste de se cuidar”, lamenta. Na sua opinião, a situação só vai começar a melhorar quando União, estado e município atuarem na organização de políticas que levem em consideração as necessidades daqueles que vivem na cracolândia. “E mais do que isso, precisam ouvir essas pessoas, saber quem são, o que querem, o que precisam. E não impor políticas pensadas por quem tem entendimento superficial da questão.”
Dias de Pinheirinho
A defensora pública Daniela Skromov Albuquerque, que atuou na região durante a ação da polícia militar, relatou diversas faces do desrespeito aos direitos humanos. “Sem ordem judicial, a polícia invadiu um casarão às 5 horas, quando todos ocupantes descansavam, tirando todos à força, quebrando o braço de gente, agredindo essa população tratada como descartável, ‘matável’, sem voz”, relata, associando o episódio ao Pinheirinho, em São José dos Campos, “onde pelo menos ali a polícia agiu com mandado”.
Daniela destacou as chamadas “procissões do crack”, em que a polícia obrigava os moradores de rua a caminharem por horas durante a noite, sem ter onde chegar, só para impingir cansaço e mais humilhação. Falou ainda de uma menina que, depois de obrigada a abrir a boca, levou um tiro de bala de borracha, o que motivou o primeiro registro de um boletim de ocorrência de tortura por esse tipo de aparato. Desde então, segundo a defensora, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) proibiu o uso de balas de borracha e bombas de efeito moral na ação. “Mas o gás pimenta pode”, ironiza.
A defensora pública Daniela Skromov Albuquerque, que atuou na região durante a ação da polícia militar, relatou diversas faces do desrespeito aos direitos humanos. “Sem ordem judicial, a polícia invadiu um casarão às 5 horas, quando todos ocupantes descansavam, tirando todos à força, quebrando o braço de gente, agredindo essa população tratada como descartável, ‘matável’, sem voz”, relata, associando o episódio ao Pinheirinho, em São José dos Campos, “onde pelo menos ali a polícia agiu com mandado”.
Daniela destacou as chamadas “procissões do crack”, em que a polícia obrigava os moradores de rua a caminharem por horas durante a noite, sem ter onde chegar, só para impingir cansaço e mais humilhação. Falou ainda de uma menina que, depois de obrigada a abrir a boca, levou um tiro de bala de borracha, o que motivou o primeiro registro de um boletim de ocorrência de tortura por esse tipo de aparato. Desde então, segundo a defensora, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) proibiu o uso de balas de borracha e bombas de efeito moral na ação. “Mas o gás pimenta pode”, ironiza.
'Cracolândia' e Nova Luz
O esgotamento das fronteiras imobiliárias da avenida Paulista, Nova Faria Lima, Berrini e Água Espraiada, que leva grandes corporações, o mercado financeiro e as grandes construtoras a se voltarem para o Centro foi discutido pelo urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Polis.
“A região bem localizada e com infraestrutura de transporte público está na mira do projeto Nova Luz, que cria mecanismos que permite a uma empresa desapropriar imóveis para outros grupos”, explica. “A luta por essa terra é conveniente para os investidores. E o poder público se encarrega de abrir novos caminhos para a obtenção de lucros a partir dessa terra.”
Nessa lógica segregatória e desigual na distribuição da terra urbana, segundo ele, é preciso retirar a velha casca que desvaloriza essa terra, tirar o que atrapalha – no caso os moradores de rua, usuários de crack. “O poder público é esteio dessa máquina, que coloca à disposição seu aparato institucionalizado, como Polícia Militar, batalhão de choque, assistentes sociais”.
Para Nakano, trata-se de uma coalizão hegemônica, em que é muito difícil resistir à altura. “Problema urbano se resolve com transferência de terra urbana”, aponta. “Há empresas que estão formando bancos de terra, coisa que o poder público não faz para a construção de moradias, para proporcionar bairros dignos para populações de baixa renda.”
O esgotamento das fronteiras imobiliárias da avenida Paulista, Nova Faria Lima, Berrini e Água Espraiada, que leva grandes corporações, o mercado financeiro e as grandes construtoras a se voltarem para o Centro foi discutido pelo urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Polis.
“A região bem localizada e com infraestrutura de transporte público está na mira do projeto Nova Luz, que cria mecanismos que permite a uma empresa desapropriar imóveis para outros grupos”, explica. “A luta por essa terra é conveniente para os investidores. E o poder público se encarrega de abrir novos caminhos para a obtenção de lucros a partir dessa terra.”
Nessa lógica segregatória e desigual na distribuição da terra urbana, segundo ele, é preciso retirar a velha casca que desvaloriza essa terra, tirar o que atrapalha – no caso os moradores de rua, usuários de crack. “O poder público é esteio dessa máquina, que coloca à disposição seu aparato institucionalizado, como Polícia Militar, batalhão de choque, assistentes sociais”.
Para Nakano, trata-se de uma coalizão hegemônica, em que é muito difícil resistir à altura. “Problema urbano se resolve com transferência de terra urbana”, aponta. “Há empresas que estão formando bancos de terra, coisa que o poder público não faz para a construção de moradias, para proporcionar bairros dignos para populações de baixa renda.”
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