Por Emiliano José
Quais são os limites do trabalho jornalístico? Que direitos tem a fonte, qualquer que seja ela? É obrigação do profissional de comunicação a observância dos direitos humanos ou não? A ele é dado o direito de humilhar o preso, de abusar de sua suposta superioridade intelectual? Qual a linha divisória entre o jornalismo e a atividade policial? Essas perguntas, entre tantas, surgiram recentemente como conseqüência de matéria jornalística de uma repórter entrevistando e humilhando de maneira grosseira um jovem negro, preso, acusado de ser um estuprador.
A jornalista, na entrevista, ultrapassou largamente os limites éticos minimamente razoáveis, e não digo apenas limites éticos da profissão, mas aqueles que regem as relações humanas civilizadas. Não se admite que nenhum cidadão possa ser tratado de forma tão desrespeitosa por ninguém, e menos ainda uma pessoa em condições tão desfavoráveis, já que preso.
Gozado que não se veja isso quando se trata de presos brancos, de maior poder aquisitivo, protegidos por seus advogados. O mínimo de isonomia cobraria que todos fossem tratados da mesma maneira, de acordo com a lei, que ninguém fosse desrespeitado em seus direitos.
Quem quer que tenha assistido à matéria, terá ficado enojado pela arrogância da menina branca, pretensamente culta, microfone quase enfiado pela goela do jovem negro, querendo cobrar dele um conhecimento que ele não tinha, ironizando sua ausência de conhecimentos médicos, e querendo quase que obrigá-lo a confessar o estupro, veementemente negado por ele, quase às lágrimas.
Já disse em outro artigo, em outro momento, polícia é polícia, jornalista é jornalista. As atividades, legítimas as duas, não podem se confundir, e se há confusão, se elas se interpenetram, dá nisso: em desrespeito aos direitos humanos.
Não creio que se deva olhar esse episódio de modo isolado. Há críticas sérias a um tipo de jornalismo que vem crescendo no país, sobretudo televisivo, onde se associam a visão racista da sociedade, a raiva contra jovens negros, um acentuado viés policialesco, a defesa de uma pena de morte que não está na legislação, a tolerância com grupos de extermínio e com a tortura, tudo isso devidamente espetacularizado, e em combinação com a própria polícia.
Insisto: polícia tem uma missão indispensável na sociedade, como o jornalismo, mas são atividades bastante diversas e não podem conviver como se fossem a mesma coisa, como tem ocorrido em tantos programas diários de televisão, que substituem antigos jornais, que se compraziam com a morte, com os assassinatos, com o sangue vertendo de suas páginas.
A cobertura policial, para além naturalmente de contribuir, se puder, com o trabalho responsável de reportagem, para esclarecer crimes, deve servir como instância de vigilância do trabalho da polícia que deve estar fundado sempre na lei, inclusive na observância dos direitos humanos. O uso da força, por parte da polícia, não deve ser a rotina. E o preso, já que guardado pelo Estado, deve ter seus direitos respeitados.
Não pode ser humilhado por ninguém, muito menos pela imprensa, que deveria ser guardiã atenta de direitos, e não algoz de seres humanos, como alguns programas o fazem com alguma dose de sadismo e completo desrespeito às normas constitucionais.
Não penso que punições isoladas resolvam o problema. Nem demonizações singulares. Creio que uma discussão responsável sobre as funções do jornalismo se impõe. O jornalismo impresso, penso, de há muito, tomou mais consciência de sua missão civilizatória, e tem contribuído para uma relação saudável com a polícia – e por saudável, entenda-se também a crítica a abusos que ela porventura cometa.
Os programas voltados para a espetacularização do crime, para o desrespeito aos direitos dos presos, para o estímulo à violência, para a valorização da sordidez humana, estes, imagino precisam rever suas práticas. Não se trata apenas de punir esta ou aquela repórter, mas de uma reviravolta de concepção. Jornalismo existe, também, para educar a sociedade para a não-violência. E não para fomentá-la. Para semear a paz. Não o ódio. Simples assim.
* Artigo publicado originalmente na edição desta segunda-feira, 18, no jornal A Tarde.
Quais são os limites do trabalho jornalístico? Que direitos tem a fonte, qualquer que seja ela? É obrigação do profissional de comunicação a observância dos direitos humanos ou não? A ele é dado o direito de humilhar o preso, de abusar de sua suposta superioridade intelectual? Qual a linha divisória entre o jornalismo e a atividade policial? Essas perguntas, entre tantas, surgiram recentemente como conseqüência de matéria jornalística de uma repórter entrevistando e humilhando de maneira grosseira um jovem negro, preso, acusado de ser um estuprador.
A jornalista, na entrevista, ultrapassou largamente os limites éticos minimamente razoáveis, e não digo apenas limites éticos da profissão, mas aqueles que regem as relações humanas civilizadas. Não se admite que nenhum cidadão possa ser tratado de forma tão desrespeitosa por ninguém, e menos ainda uma pessoa em condições tão desfavoráveis, já que preso.
Gozado que não se veja isso quando se trata de presos brancos, de maior poder aquisitivo, protegidos por seus advogados. O mínimo de isonomia cobraria que todos fossem tratados da mesma maneira, de acordo com a lei, que ninguém fosse desrespeitado em seus direitos.
Quem quer que tenha assistido à matéria, terá ficado enojado pela arrogância da menina branca, pretensamente culta, microfone quase enfiado pela goela do jovem negro, querendo cobrar dele um conhecimento que ele não tinha, ironizando sua ausência de conhecimentos médicos, e querendo quase que obrigá-lo a confessar o estupro, veementemente negado por ele, quase às lágrimas.
Já disse em outro artigo, em outro momento, polícia é polícia, jornalista é jornalista. As atividades, legítimas as duas, não podem se confundir, e se há confusão, se elas se interpenetram, dá nisso: em desrespeito aos direitos humanos.
Não creio que se deva olhar esse episódio de modo isolado. Há críticas sérias a um tipo de jornalismo que vem crescendo no país, sobretudo televisivo, onde se associam a visão racista da sociedade, a raiva contra jovens negros, um acentuado viés policialesco, a defesa de uma pena de morte que não está na legislação, a tolerância com grupos de extermínio e com a tortura, tudo isso devidamente espetacularizado, e em combinação com a própria polícia.
Insisto: polícia tem uma missão indispensável na sociedade, como o jornalismo, mas são atividades bastante diversas e não podem conviver como se fossem a mesma coisa, como tem ocorrido em tantos programas diários de televisão, que substituem antigos jornais, que se compraziam com a morte, com os assassinatos, com o sangue vertendo de suas páginas.
A cobertura policial, para além naturalmente de contribuir, se puder, com o trabalho responsável de reportagem, para esclarecer crimes, deve servir como instância de vigilância do trabalho da polícia que deve estar fundado sempre na lei, inclusive na observância dos direitos humanos. O uso da força, por parte da polícia, não deve ser a rotina. E o preso, já que guardado pelo Estado, deve ter seus direitos respeitados.
Não pode ser humilhado por ninguém, muito menos pela imprensa, que deveria ser guardiã atenta de direitos, e não algoz de seres humanos, como alguns programas o fazem com alguma dose de sadismo e completo desrespeito às normas constitucionais.
Não penso que punições isoladas resolvam o problema. Nem demonizações singulares. Creio que uma discussão responsável sobre as funções do jornalismo se impõe. O jornalismo impresso, penso, de há muito, tomou mais consciência de sua missão civilizatória, e tem contribuído para uma relação saudável com a polícia – e por saudável, entenda-se também a crítica a abusos que ela porventura cometa.
Os programas voltados para a espetacularização do crime, para o desrespeito aos direitos dos presos, para o estímulo à violência, para a valorização da sordidez humana, estes, imagino precisam rever suas práticas. Não se trata apenas de punir esta ou aquela repórter, mas de uma reviravolta de concepção. Jornalismo existe, também, para educar a sociedade para a não-violência. E não para fomentá-la. Para semear a paz. Não o ódio. Simples assim.
* Artigo publicado originalmente na edição desta segunda-feira, 18, no jornal A Tarde.
E engraçado que quando se trata de
ResponderExcluirbullyng a classe média protege bem seus filhinhos.Seus filhinhos podem fazer bullying à vontade. Estão na Rolha de hoje o Pondé e a Advogada Janaína Paschoal criticando a criminalização do bullying.
Esses programas policialescos deveriam ser extintos. Representam um mal à sociedade, uma vez que não respeitam minimamente a dignidade humana. São verdadeiros lixos-televisivos. Compartilho a seguir o endereço para uma postagem no meu blog sobre o assunto.
ResponderExcluirhttp://impressoesmundanas.blogspot.com.br/2012/05/programas-policiais-o-circo-de-horrores.html