sábado, 23 de junho de 2012

Um dia de luto para a democracia

Por José Dirceu, em seu blog:

O Senado paraguaio encenou o último ato do golpe de Estado no Paraguai nesta sexta. Foram 39 votos a favor da condenação do presidente Fernando Lugo ante 4 senadores que se opuseram ao verdadeiro circo montado pelo Legislativo no país. O vice-presidente Federico Franco foi recebido no Congresso às 19h50 (hora de Brasília) para assumir o poder.


Em menos de 48 horas, Lugo foi acusado e julgado “culpado” em um processo inconstitucional e descabido, por um Legislativo que ignorou todos os preceitos democráticos e passou por cima, inclusive, da UNASUL que tentou até o último momento reverter o quadro.

Já no começo da tarde, uns dos advogados de Lugo, o advogado Emílio Camacho afirmava: “O que está acontecendo aqui não é um julgamento, é uma condenação. É a execução de uma sentença”. O procurador-geral da República, Enrique García, por sua vez, apontou que o processo contra Lugo "violou princípios e garantias constitucionais".

Ficou a cargo de Adolfo Ferreiro, advogado de Lugo, argumentar em prol do presidente no Senado. Uma defesa histórica, em que Ferreiro mostrou claramente, nos poucos minutos que dispôs, que o julgamento não respeitava o processo constitucional. Os parlamentares mal lhe concederam a prorrogação para a defesa e um prazo razoável para fazê-la.

Tristeza e indignação

Mais de 20 mil paraguaios permaneceram diante do Congresso. Eles protestaram contra o resultado e foram fortemente reprimidos pela polícia que jogou gás lacrimôgenio contra os manifestantes. Confusão, tristeza e muita indignação expressaram o sentimento do povo paraguaio, roubado em seus mais legítimos direitos democráticos.

O presidente Lugo, em declaração à imprensa, agora há pouco, deu o alerta aos paraguaios: “Que o sangue dos justos não seja derramado nunca mais por causa dos interesses mesquinhos em nosso país”. Em um discurso de estadista, Lugo se despediu da condição de mandatário do país, mas não de sua atuação como cidadão. “Este cidadão continuará respondendo sempre aos chamados dos compatriotas”, afirmou.

Sobre o golpe que acabou de receber, Lugo afirmou: “foram transgredidos todos os princípios de defesa, de maneira covarde e espero que seus executores estejam cientes da gravidade de seus feitos. Como sempre atuei de acordo com a lei, ainda que ela tenha sido retorcida como um galho fraco, me submeto à decisão do Congresso e estou disposto a responder sempre como ex-mandatário”.

Leiam a íntegra do seu discurso:

“Muito obrigado por estarem interessados na mensagem que vou transmitir.

Hoje não é Fernando Lugo que recebe um golpe, não é Fernando Lugo que está sendo destituído. É a história paraguaia, sua democracia que foi ferida profundamente. Foram transgredidos todos os princípios de defesa, de maneira covarde e espero que seus executores estejam cientes da gravidade de seus feitos. Como sempre atuei de acordo com a lei, ainda que ela tenha sido retorcida como um galho fraco, me submeto à decisão do Congresso e estou disposto a responder sempre como ex-mandatário. Faço um chamado profundo para que qualquer manifestação seja feita de forma pacífica. Que o sangue dos justos não seja derramado nunca mais por causa dos interesses mesquinhos em nosso país.

Quase quatro anos exercendo a presidência, hoje me despeço como presidente da República. Mas não me despeço como cidadão paraguaio. Hei de servir a esta nação onde for necessário, como eu havia jurado. Fernando Lugo não responde às classes políticas, nem à máfia, nem ao narcotráfico. Este cidadão continuará respondendo sempre aos chamados dos compatriotas, os mais humildes. Temos o dever de solidariedade com nossa história.

Depois de quase quatro anos, este cidadão paraguaio quer agradecer profundamente a todos os paraguaios e paraguaias que deram seu tempo e seu trabalho para consolidar a democracia que vive este país. Em primeiro lugar, aos colaboradores e colaboradoras deste governo, às Forças Armadas, aos comandantes, às forças públicas, a todos os movimentos sociais, campesinos e indígenas, homens e mulheres que apoiaram e continuam apoiando este país.

Não quero deixar de agradecer também aos companheiros da imprensa, independentemente de compartilhar ideias e projetos. Estamos aí, consolidando a democracia e a história paraguaia.

Esta noite, saio pela porta maior da Pátria. Pela porta do coração de meus compatriotas. Aos companheiros, companheiras, cidadãos e cidadãs, que hoje estão nas praças, pelos caminhos, pelos assentamentos, pelos campos, pelas cidades, pelos sindicatos. Aos paraguaios e paraguaias de bom coração, que sonham com um Paraguai diferente, simplesmente lhes digo que sempre poderão seguir contando com Fernando Lugo.

Muito obrigado a todos e a todas pelo apoio constante e muita força.
Viva o Paraguai.

Obrigado senhores.”


*****

A voz da Unasul 

Agora, vamos aguardar a manifestação dos chanceleres da Unasul. Nesta tarde, eles chegaram a afirmar que poderão interromper a cooperação com o país. Algo que será avaliado nos próximos dias. O presidente do Paraguai é o atual presidente do bloco. Confira a íntegra da nota da Unasul:

"Os chanceleres e representantes dos países da Unasul, junto com o secretário-geral da organização, viajaram à República do Paraguai em cumprimento do mandato dos chefes e chefas de Estado da Unasul reunidos na cidade do Rio de Janeiro, em 21 de junho de 2012, com o objetivo de conhecer 'in situ' todos os aspectos da situação política do país.

Para isso, mantiveram reuniões com o presidente Fernando Lugo.

Adicionalmente, se reuniram com o vice-presidente Federico Franco, com dirigentes políticos de diversos partidos e autoridades legislativas, de quem lamentavelmente não obtiveram respostas favoráveis às garantias processuais e democráticas que lhes solicitaram.

Os chanceleres reafirmam que é imprescindível o pleno respeito às cláusulas democráticas do Mercosul, da Unasul e da Celac.

Os chanceleres consideram que as ações em curso poderiam ser compreendidas nos artigos 1, 5 e 6 do Protocolo Adicional do Tratado Constitutivo da Unasul sobre Compromisso com a Democracia, configurando uma ameaça de ruptura à ordem democrática, ao não respeitar o devido processo.

Os governos da Unasul avaliarão em que medida será possível continuar a cooperação no marco da integração sul-americana.

A missão de chanceleres reafirma sua total solidariedade ao povo paraguaio e o respaldo ao presidente constitucional Fernando Lugo."

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