Por Paulo Moreira Leite, na coluna Vamos combinar:
Há dois motivos para se prestar atenção à política da Islândia mas a maioria das pessoas só costuma prestar atenção num deles.
A primeira ministra é Jóhanna Sigorarddóttir, primeira chefe de governo assumidamente homossexual do planeta. Mãe de dois filhos, divorciada, quando a união entre pessoas do mesmo sexo foi legalizada a primeira ministra oficializou o casamento com uma escritora.
O outro motivo para se prestar atenção na Islândia é político. Seu presidente, o socialista Olafur Ragnar Grimsson, que foi reeleito ontem com mais de 52,7% dos votos, é uma das personalidades mais relevantes da crise econômica mundial.
Enquanto os demais governos europeus caem como dominó, repudiados por eleitores que se recusam a pagar a conta de uma crise criada pelo cassino financeiro, Grimsson recebeu o quinto mandato consecutivo. Sua margem de votos equivale a uma vitória em primeiro turno.
A razão é simples. Recusando-se a sacrificar a população em nome da saúde dos bancos, em duas ocasiões Grimsson vetou uma lei que pretendia obrigar o país a pagar a conta pelos prejuízos do cassino financeiro de 2008, que levou o principal banco do país à falência.
Governos muito mais poderosos e influentes, da Inglaterra e da Holanda, cobravam a conta a população dos 400.000 habitantes da Islândia. Abrigo de um sistema de bem-estar social típico dos países nórdicos, com uma boa renda per capta e uma das sociedades mais equilibradas do planeta, nas décadas anteriores a Islandia fora transformada num paraíso neo-liberal, abandonando a atividade industrial tradicional, em torno da pesca, para se transformar num paraíso financeiro e fiscal sob encomenda para grandes bancos europeus.
A ideia para enfrentar a crise depois da quebra de 2008 era o modelito dos fanáticos do mercado, aplicado na Grécia, na Espanha, em Portugal e Itália: cortar investimentos sociais e aumentar impostos, elevando o desemprego e aumentando as receitas dos bancos.
Com seu veto, Grimsson abriu caminho para um referendo sobre o tema – venceu a proposta de não pagar a dívida e arrumar a economia, com prioridade a investimentos que gerassem empregos e crescimento. Seus adversários levantaram o previsível espantalho da crise sem fim mas se deram mal, como demonstra a votação de ontem.
Essa trajetória inovadora explica a reação preventiva dos mercados quando, no final de 2011, então primeiro ministro grego Georges Papandreou resolveu fazer um referendo sobre o plano de austeridade imposto pela União Europeia. Papandreou foi obrigado a renunciar ao cargo em menos de uma semana. O capítulo seguinte da história nós sabemos: o país foi entregue a um homem de confiança do Goldman Sachs, que, após duas eleições apertadas e pouco conclusivas, transferiu o governo para um candidato conservador.
A cena atual na Grécia é previsível: o pacote de austeridade é tão rico em sacrifícios e pobre em perspectivas reais que dias depois da vitória, quando fez campanha a seu favor, o novo governo já pede uma revisão de suas condições. A comparação com a Islândia mostra que há opção.
Você já deve ter lido um bom número de articulistas que se queixam que faltam governantes duros, com coragem de pedir sacrifícios da população. Eles gostam de acusar esses governos de populistas. É puro xingatório de quem apoia políticas que não tem voto — mas prefere se esconder atrás de um conceito político que já teve momentos de maior prestígio no passado.
O sucesso único de Grimsson mostra o contrário. Não faltam autoridades dispostas a servir aos interesses financeiros e entregar a população à própria sorte. São uma unanimidade – ou quase.
A reeleição de Grimsson apenas confirma uma lição óbvia das democracias: a população rejeita políticos que viram as costas na hora da dificuldade.
Há dois motivos para se prestar atenção à política da Islândia mas a maioria das pessoas só costuma prestar atenção num deles.
A primeira ministra é Jóhanna Sigorarddóttir, primeira chefe de governo assumidamente homossexual do planeta. Mãe de dois filhos, divorciada, quando a união entre pessoas do mesmo sexo foi legalizada a primeira ministra oficializou o casamento com uma escritora.
O outro motivo para se prestar atenção na Islândia é político. Seu presidente, o socialista Olafur Ragnar Grimsson, que foi reeleito ontem com mais de 52,7% dos votos, é uma das personalidades mais relevantes da crise econômica mundial.
Enquanto os demais governos europeus caem como dominó, repudiados por eleitores que se recusam a pagar a conta de uma crise criada pelo cassino financeiro, Grimsson recebeu o quinto mandato consecutivo. Sua margem de votos equivale a uma vitória em primeiro turno.
A razão é simples. Recusando-se a sacrificar a população em nome da saúde dos bancos, em duas ocasiões Grimsson vetou uma lei que pretendia obrigar o país a pagar a conta pelos prejuízos do cassino financeiro de 2008, que levou o principal banco do país à falência.
Governos muito mais poderosos e influentes, da Inglaterra e da Holanda, cobravam a conta a população dos 400.000 habitantes da Islândia. Abrigo de um sistema de bem-estar social típico dos países nórdicos, com uma boa renda per capta e uma das sociedades mais equilibradas do planeta, nas décadas anteriores a Islandia fora transformada num paraíso neo-liberal, abandonando a atividade industrial tradicional, em torno da pesca, para se transformar num paraíso financeiro e fiscal sob encomenda para grandes bancos europeus.
A ideia para enfrentar a crise depois da quebra de 2008 era o modelito dos fanáticos do mercado, aplicado na Grécia, na Espanha, em Portugal e Itália: cortar investimentos sociais e aumentar impostos, elevando o desemprego e aumentando as receitas dos bancos.
Com seu veto, Grimsson abriu caminho para um referendo sobre o tema – venceu a proposta de não pagar a dívida e arrumar a economia, com prioridade a investimentos que gerassem empregos e crescimento. Seus adversários levantaram o previsível espantalho da crise sem fim mas se deram mal, como demonstra a votação de ontem.
Essa trajetória inovadora explica a reação preventiva dos mercados quando, no final de 2011, então primeiro ministro grego Georges Papandreou resolveu fazer um referendo sobre o plano de austeridade imposto pela União Europeia. Papandreou foi obrigado a renunciar ao cargo em menos de uma semana. O capítulo seguinte da história nós sabemos: o país foi entregue a um homem de confiança do Goldman Sachs, que, após duas eleições apertadas e pouco conclusivas, transferiu o governo para um candidato conservador.
A cena atual na Grécia é previsível: o pacote de austeridade é tão rico em sacrifícios e pobre em perspectivas reais que dias depois da vitória, quando fez campanha a seu favor, o novo governo já pede uma revisão de suas condições. A comparação com a Islândia mostra que há opção.
Você já deve ter lido um bom número de articulistas que se queixam que faltam governantes duros, com coragem de pedir sacrifícios da população. Eles gostam de acusar esses governos de populistas. É puro xingatório de quem apoia políticas que não tem voto — mas prefere se esconder atrás de um conceito político que já teve momentos de maior prestígio no passado.
O sucesso único de Grimsson mostra o contrário. Não faltam autoridades dispostas a servir aos interesses financeiros e entregar a população à própria sorte. São uma unanimidade – ou quase.
A reeleição de Grimsson apenas confirma uma lição óbvia das democracias: a população rejeita políticos que viram as costas na hora da dificuldade.
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