quarta-feira, 4 de julho de 2012

"Uma Suiça" dentro do Brasil

Por Luiz Carlos Azenha, no blog Viomundo:

Como dizia aquela famosa atriz, a Kate Lira, “brasileiro é tão bonzinho”…

Vende de forma descontrolada o melhor minério de ferro do mundo.

Permite a montadoras que remetam um Bolsa Família e meio para as matrizes (U$ 14,6 bi) em pouco mais de três anos.

Autoriza um estrangeiro endinheirado a montar um enclave em território brasileiro do tamanho de uma Suiça.


E nada disso, infelizmente, é exagero.

No último dia 13 de junho, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados aprovou relatório substitutivo do deputado Marcos Montes (PSD-MG) que libera, quase sem limites, a compra de terras por empresas nacionais controladas pelo capital estrangeiro.

Gerson Teixeira, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra), acredita que se o governo Dilma não reagir vai se ver diante de outro Código Florestal, no qual alegadamente foi pego de surpresa pela bancada ruralista.

“Esse projeto sinaliza a abertura total das terras para capital estrangeiro, permitindo que empresas se apoderem da biodiversidade e de recursos naturais do Brasil de acordo com seus interesses”, afirmou Gerson, segundo nota publicada no site do Movimento dos Sem Terra (MST).

“O único limite objetivo previsto no anteprojeto diz respeito à proibição, já prevista na atual legislação, para que os estrangeiros adquiram ou arrendam área superior a ¼ da superfície dos municípios, sendo que, neste limite, pessoas da mesma nacionalidade não poderão deter mais de 40%”, informou a bancada do PT na Câmara, em sua análise do substitutivo aprovado.

Considerando que o maior município brasileiro, Altamira, no Pará, tem área de 160 mil km quadrados, o limite superior para aquele município seria de 40 mil km quadrados, ou seja, uma Suiça!

Na nota divulgada no site do MST, há um alerta: “Por se tratar de um projeto terminativo, basta passar nas comissões de Constituição e Justiça e de Finanças e Tributação para que seja votado no Senado Federal”.

O relatório do deputado Beto Faro (PT-PA), que foi tratorado pelo substitutivo de Marcos Montes, propunha limite máximo de 5 mil hectares.

O deputado do PSD argumentou, em defesa de seu projeto, que é preciso dar segurança jurídica a investidores, de acordo com texto publicado no site do partido:

Para Marcos Montes, esse é o momento do País captar recursos. “Essas aquisições de terras são, normalmente, para fins de empreendimentos de longo prazo como a questão das florestas, da cana de açúcar e isso é interiorizado; as extensões de terra são adquiridas mais no interior do país, em locais onde nós precisamos de mão de obra”, defendeu. De acordo com o parlamentar, o setor de florestas parou de investir devido à inquietação jurídica que ainda é muito grande, entre outros investimentos de quase R$ 40 bilhões, que gerariam cerca de 40 mil empregos no total.“Essas ações são para que a gente tenha menos conflito jurídico depois que foi estabelecida uma normativa da Advocacia-Geral da União (AGU) que criou uma situação muito inquietante naqueles empresários que já adquiriram e querem adquirir terras. Além disso, vai proporcionar a possibilidade do produtor rural arrendar as suas terras para diversas atividades e, mais do que isso, preservando a soberania nacional”, enfatizou.A normativa da AGU a que se refere o deputado limitou a venda de terras brasileiras a estrangeiros ou empresas brasileiras controladas por estrangeiros.

Em sua crítica ao texto aprovado, a bancada do PT observou que o projeto de Marcos Montes “veda a compra de terras por ONGs e Fundações estrangeiras e por Fundos soberanos. Todavia, as proibições têm validade apenas para discursos à medida que pela proposição, uma empresa com 0.1% de capital nacional, e o restante, estrangeiro, passa a ser considerada empresa brasileira estando, portanto, livre para a compra de imóveis rurais no país em quaisquer dimensões. Uma indagação ao ilustre autor do Relatório: qual a dificuldade para uma empresa ou ONG estrangeira usar um ‘laranja’ brasileiro com 0.1% de capital nacional e se transformar em empresa brasileira?”.

Também observa que “o §1º, do art. 3º da proposição, simplesmente habilita para a compra de terras no Brasil as companhias de capital aberto com ações negociadas em bolsa de valores em qualquer lugar do mundo. Ou seja, proíbe as ONGs, mas abre o território do Brasil para empresas que apostam na especulação mundo afora”.

A bancada do PT também critica o artigo que “veda o arrendamento por tempo indeterminado, mas sem fixar esse prazo que poderá ser de 300 anos, por exemplo”.

Não é difícil entender os motivos que levaram a bancada ruralista a aprovar a proposta de Marcos Montes.

Esta semana, o Estadão publicou reportagem de Márcia de Chiara:

Puxados pela disparada das cotações dos grãos, especialmente da soja, e pela queda nos juros, os preços médios das terras para o agronegócio no País subiram 50% em três anos, com aceleração maior nos últimos 12 meses. A tendência é as cotações continuarem em níveis elevados, apesar da desaceleração da agricultura, que afetou o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre. Entre março de 2011 e abril deste ano, a valorização média da terra no País foi de 16,5%, segundo pesquisa da Informa Economics FNP, consultoria especializada em agronegócio. A alta de preços é mais que o triplo da inflação acumulada no período, de 5,1%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Em abril deste ano, o preço médio de um hectare estava em R$ 6,7 mil. “É a maior cotação média registrada pela pesquisa, que começou a ser feita em 2002″, afirma Nadia Alcantara, gerente técnica da Informa Economics FNP.
Como o próprio deputado Marcos Montes notou, em sua entrevista, o projeto dele ”vai proporcionar a possibilidade do produtor rural arrendar as suas terras para diversas atividades”.

A entrada do capital estrangeiro, além de turbinar a valorização das terras, reforça a possibilidade de arrendamento dentro de padrões convidativos.

Mas, de acordo com a bancada do PT, “estamos tratando do controle de um recurso absolutamente estratégico para o presente e o futuro do nosso país: a terra e, derivadamente as florestas, os recursos naturais em geral e, do subsolo, em particular. Os movimentos especulativos com a terra conduzidos por diversas frações do grande capital internacional estão organicamente relacionados com os movimentos especulativos com os alimentos e os negócios nos mercados voluntários de carbono, alvo dos membros do G20 em torno de um aparato regulatório em escala global”.

A bancada do PT também observou que a proposta do deputado Beto Faro, atropelada pelos ruralistas, não rejeitava o investimento estrangeiro em terras brasileiras:

“…são previstos limites de áreas e outros controles para as operações de aquisição de terras por estrangeiros. Todavia [a proposta] delega ao Congresso Nacional a possibilidade de ampliação desse limite, observados os interesses maiores do país. Qualquer empreendimento estrangeiro sério em execução no Brasil, integrado às estratégias nacionais, jamais deixaria de ser apoiado por este parlamento em caso de necessidade de adicional de área para a expansão do projeto”.
O deputado Valmir Assunção (PT-BA), que defende os interesses de pequenos agricultores no Congresso, disse em entrevista ao Viomundo que, se aprovado o projeto de Marcos Montes, haverá concentração ainda maior na posse de terras no Brasil.

Deu como exemplos projetos que estão sendo desenvolvidos na Bahia. Na região de Barreiras, o próprio governo estadual incentiva os chineses a implantar um projeto de esmagamento de soja. No extremo Sul, as empresas Veracel, Suzano e Fibria produzem celulose. Na região de São Desidério há grande produção de algodão.

Segundo ele, a possibilidade de compra ilimitada de terras vai permitir que grandes empresas, que dispõem de capital, assumam controle ainda maior sobre a economia local.

Valmir Assunção também informou que desde outubro de 2011, quando começou o trabalho de preparação do relatório, o deputado Beto Faro (PT-PA) não conseguiu um posicionamento oficial do governo Dilma a respeito do tema.

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