Por Maurício Caleiro, no blog Cinema & Outras Artes:
A oportunidade histórica de se apresentar como uma
liderança capaz de oferecer uma alternativa de centro-esquerda à hegemonia do
receituário neoliberal – panaceia que ora destrói a economia europeia - foi
desperdiçada por Dilma Rousseff. Seu governo acaba de acentuar ainda mais, e de
forma irreversível, uma guinada conservadora.
Enquanto Lula herdara de Fernando Henrique um país
aos cacos, à beira da insolvência, com índices pornográficos de desemprego e
baixa atividade econômica, Dilma recebeu um Brasil renovado, recém reestruturado
socioeconomicamente - através da diminuição expressiva dos índices de miséria e
de pobreza e da ascensão de uma nova classe média – e com uma economia interna
vibrante, marcada por inclusão e aumento no consumo e por recordes de baixo
desemprego, a qual permitira que a crise mundial fosse aqui sentida (quase) como
“uma marolinha”.
Eleita, em tais condições, presidenta de um grande
país emergente, potência regional e um dos principais incentivadores do diálogo
Sul-Sul, muitos acreditavam que a nova mandatária, livre da “herança maldita”
tucana, estava fadada a aprimorar e expandir o legado de Lula, seja - como
prometera no discurso de posse - priorizando o muito que se há de fazer na Saúde
e na Educação, seja expurgando de vez as políticas de orientação neoliberal que,
voltadas à satisfação desse ente caprichoso chamado mercado, tanto mal já
causaram ao povo e à economia brasileiros. “Venho para consolidar a obra
transformadora do presidente Luis Inácio Lula da Silva”, anunciava a
candidata.
Decepção inicial
Já a partir do segundo mês
de governo, com a imposição de um duríssimo choque anticíclico – que o futuro
confirmaria não apenas desnecessário, mas deletério à saúde econômica do país –
tais alvissareiras possibilidades foram dando lugar a um retorno à primazia, no
interior da administração, do economicismo mais tacanho, de planilha. Este tem,
desde então - e de forma ainda mais intensa nos últimos meses - mantido o
governo permanentemente apavorado ante a iminência do agravamento da crise
econômica internacional, gerando o que Paulo Kliass, em imperdível artigo
na Carta Maior, chama de “síndrome da perda de popularidade”, a qual estaria
levando Dilma a agir da forma apressada e improvisada que temos
verificado.
Em seu texto, Kliass observa, em relação às pífias
consequências advindas do aperto macroeconômico acima referido: “Quando a
maioria esperava justamente uma mudança de rota a partir de tais resultados
colhidos ao longo do primeiro ano de seu mandato em termos da economia, eis que
Dilma inicia 2012 com a mesma lenga-lenga da ortodoxia conservadora: esforço
fiscal para geração de superávit primário e contenção de despesas orçamentárias
essenciais (…) Apesar de ela ter revelado uma atuação importante no sentido de
provocar a reversão da taxa oficial de juros (SELIC), isso só começou a ocorrer
muito tarde, a partir de 1 de setembro de 2011” (e, acrescento eu, não conseguiu
até agora que tal medida significasse uma redução realmente expressiva do spread que os grandes bancos, com exceção dos estatais,
cobram do cidadão comum, notadamente no que concerne a cartão de crédito e
cheque especial).
Como decorrência de tal contexto, no lugar do avanço
esperado, o que se observa nas áreas sociais desde o início do governo -
ressalvados os programas de renda mínima - é, além do agravamento das condições
de alguns campi das novas federais, do sucateamento das Defensorias Públicas e
da adoção de um programa de ajustes (que, levando dezenas de médicos a pedirem
demissão, prejudicou sobremaneira o funcionamento do SUS), é o absoluto desprezo
pelos servidores em geral e pelos professores universitários em particular, cuja
greve já supera inacreditáveis três meses, sob a intransigência irresponsável do
governo.
Direita, volver!
Porém, o ponto culminante da guinada conservadora do
governo Dilma, o qual enterra de vez as esperanças de que pudesse contribuir
para a constituição de uma alternativa ao neoliberalismo - obstáculo principal
aos avanços sociais e à efetivação de uma agenda politicamente avançada - deu-se
na semana que passou, com o anúncio de um megaprograma privatista para obras de
infraestrutura (rodovias, portos e aeroportos), pelo qual o governo desembolsa,
só na primeira fase, referente a estradas, R$133 bilhões à iniciativa privada.
Como observa Kliass, “Se os recursos existem e estão
disponíveis, não há razão para oferecê-los graciosamente ao setor privado. O
Estado brasileiro teria todas as condições de iniciar os projetos necessários,
bastando para isso a sinalização da vontade política por parte da Presidenta”. O
governo Dilma prefere, no entanto, ignorar as graves implicações
político-ideológicas de tal decisão e se coloca mais uma vez contra o Estado (e
seus servidores) enquanto protagonista da economia nacional, apostando, como
forma de aprimorar a infraestrutura - mas talvez ainda mais de criar empregos e
fermentar a economia – numa espécie de aggiornamento neoliberal do New
Deal de Roosevelt, o que é, por si, uma contradição em termos.
Diferenças mínimas
Deve-se reconhecer , para o bem do debate, que, como
argumentam muitos defensores do governo, as privatizações (ao estilo FHC) e as
concessões (à moda Dilma) não constituem exatamente a mesma coisa, já que as
primeiras são para sempre, enquanto as últimas duram várias décadas. Mas,
excetuada essa diferença de duração, não há como negar que se trata, nos dois
casos, de uma operação privatizante, que segue uma lógica caracteristicamente
privatista, ao transferir do Estado para a iniciativa privada a tarefa de
executar grandes obras de infraestrutura – e de auferir, para sempre em um caso,
durante um longuíssimo período em outro, lucros com isso.
Convém apontar, ainda, que
tanto privatizações tucanas quanto “concessões” petistas têm em comum uma
original contribuição ao receituário neoliberal à brasileira, na constatação de
que grande parte do capital demandado por tais obras advém de dinheiro público –
ou seja, o povo paga para construir e pagará para usufruir, mas o lucro ficará
com a iniciativa privada. Trata-se do “governo pagar pra capitalista administrar
mal, cobrar caro e lucrar sobre um bem que é do povo brasileiro”, como resume “na
lata” a blogueira Maria Frô.
Tão importante quanto
assinalar essas coincidências, digamos, operacionais entre privatizações tucanas
e “concessões” petistas, é atentar para o fato de que a lógica política que
orienta ambas é muito similar e, obediente aos preceitos do Consenso de
Washington, deriva da mesma ideologia neoliberal que apregoa o protagonismo do
mercado como agente econômico e que, se tanto, tolera a limitação do Estado à
função reguladora. O retrocesso que um governo dito de centro-esquerda promove
ao sucumbir a tal ideologia orientadora de políticas oficiais – a mesma que a
oposição à direita que nas urnas derrotou cultivava – é imensurável. Mas não
quero me estender neste tema. Tudo o que eu tinha a dizer sobre a agenda
privatista do governo Dilma e suas diferenças – ou ausência delas – em relação
às privatizações tucanas já o fiz em outro post (link).
Traição eleitoral
Dilma fez toda uma campanha eleitoral condenando as
privatizações e os políticos que as promoveram, ao mesmo tempo em que reiterava
o compromisso com um Estado atuante e promotor do desenvolvimento do país. Eram
críticas fortes, contundentes, que não deixavam margem à dúvida: transferir ao
setor privado a administração de áreas estruturais do país, e ainda por cima
fazê-lo com dinheiro público, era uma prática condenável do passado, que sua
administração não cometeria. Não há, nos discursos de campanha, nenhuma
referência à possibilidade de que viesse a adotar um modelo temporário de
privatização, que a novilíngua petista prefere chamar de concessão mas que, como
já aludido acima, significa, na prática o retorno de um modelo privatista, e com
duração assegurada por longas décadas.
Portanto agora, ao recorrer, com dinheiro público, a
uma política privatista de longo prazo, Dilma Rousseff trai os seus compromissos
de campanha e a confiança de muitos daqueles que acreditaram em sua palavra. O
desprezo que demonstra pelos aspectos político-ideológicos de suas medidas, além
de permitir a seus adversários tucanos se refastelarem em gozações e
provocações, coloca, com sua guinada rumo ao conservadorismo, a centro-esquerda
e seu programa político em uma situação extremamente desconfortável. Cría
cuervos...
Votei na Dilma Roussef para afastar o obscurantismo religioso apresentado pela campanha do Zé Chirico. Nunca achei o Lula um cara de "esquerda", mas sim, um bom negociador, que dada diferentes circunstâncias nas quais se metia, mudava o discurso para agradar a plateia. Seu governo foi reformista, mas um reformismo mequetrefe, dentro dos limites impostos pela atual fase de domínio do capital financeiro. Lula deu uma arrumada na bagunça e a Dilma, se quisesse, poderia fazer um governo mil vezes melhor, pois a priori, não tinha mais "a herança maldita" para enterrar. Meu apoio ao PT se restringe, unicamente, à política externa, que acho quase irretocável. De resto, a orientação é claramente neoliberal, com um pouquinho de intervenção estatal para atenuar problemas estruturais. Mas tudo dentro dos limites, senão os pitbulls do capital financeiro vão morder. Obediência ao capital e nem um centavo para os professores e demais trabalhadores que se encontram em greve!
ResponderExcluirDizer que existe apenas "diferença de duração" entre as Privatizações de FHC e as Concessões de Dilma é um mero artifício ideológico do incomodado articulista. A prática do PSDB entregou bens públicos por pouco e em troca de nada. Não permitirá retomá-los em caso de desvios e má administração. E as ditas agências reguladoras são o jogo de cena que são. Sem contar que se constituiu numa negociata de compadres, como denunciado no livro Privataria Tucana.
ResponderExcluirPlenamente, de acordo com o post.
ResponderExcluirEstou seguro que a Presidenta Dilma Roussef, se contentará com as obras do Minha Casa, Minha Vida,e só.
Por isso digo e repito, em 2014 ou 2018, "Vote Márcio Pochmann para Presidente".
O sonho acabou. Falta a nossa querida presidenta profundidade intelectual, estofo cultural, um conceito univerval mais abrangente, portanto, a esperança será cada vez mais pela volta de Lula para recomeçarmos de onde paramos ou, se quisermos avançar de verdade, eleger alguém realmente de esquerda e corajoso, como fizeram Venezuela, Argentina, Equador, Bolivia ou Uruguai. Que tal Stédile?
ResponderExcluirMuito cedo para este tipo de conclusão. Afinal há limites que o capital impõe e que não será nenhum elegível que irá quebrar.
ResponderExcluirAgora confundir concessão com privatização é dureza. Um dicionário cairia bem as vezes...
Votaram na Dilma e elegeram o programa do Serra, ou quase todo. Isso eu tenho orgulho de dizer que não fiz.
ResponderExcluirSempre desconfiei deste blogueiro, agora tenho certeza que é de direita. Usa os mesmos argumentos que os tucanos usam, dizendo que a Dilma é "privatista".Ô meu, desculpe, mas dizer que é a mesma coisa, diferença só de tempo; e não ver que existe uma diferença enorme entre "privataria tucana" e parcerias com o setor privado. Ou ele acha que a esquerda tem que estatizar tudo ?
ResponderExcluirNo caso da concessão de serviço público, "há cláusulas pré-definidas que podem ser alteradas unilateralmente pelo Poder Concedente, sem que caiba, de forma legítima, irresignação por parte do concessionário quanto a tais alterações".
ResponderExcluirPrivatização ou desestatização é o processo de venda de uma empresa ou instituição do setor público - que integra o patrimônio do Estado - para o setor privado, geralmente por meio de leilões públicos.
wikpedia
Concessão x Privatização
Tem kilometros de diferença
Mas quanto será investido nessa concessão e por quanto tempo prestarão o serviço. Deve se questionar se as agencias que regularão esses serviços públicos funcionarão corretamente.
Acredito que a presidenta vai saber lidar com os professores e os demais funcionários públicos, está muito cedo para julga-la conforme esse bom texto a cima. Portanto é cedo fazer tais afirmações