domingo, 19 de agosto de 2012

Dilma e o "kit de felicidade" do capital

Por Carlos Lopes, no jornal Hora do Povo:

Segundo o sr. Eike Batista, o Programa de Investimentos em Logística, cuja parte referente a rodovias e ferrovias foi lançado na quarta-feira, “é um kit da felicidade”.

Ele deve saber do que está falando – além de ser um dos mentores do programa, seu pai, Eliezer, foi homenageado, no evento de quarta-feira, como patrono “da tese de que o encurtamento de nossas distâncias econômicas é decisivo para o desenvolvimento”, ideia genial e inovadora que foi o mote da campanha de Washington Luiz ao governo de São Paulo em 1920.

Contas

Mas, nem tudo que faz a felicidade da tribo dos Batistas, faz a felicidade do povo brasileiro. Antes de entrarmos nos meandros dessa sabedoria infinita, é forçoso observar que alguém errou nas contas (se não foi o Mantega, deve ter sido algum marketeiro).

Anunciar um investimento de R$ 133 bilhões, “em 20 a 25 anos”, nas rodovias e ferrovias, significa investir, por ano, apenas R$ 6,7 bilhões (ou, em 25 anos, R$ 5,3 bilhões por ano) até o ano 2040. Ou seja, um quarto da verba para este ano do Ministério dos Transportes - ou um pouco mais que a metade da verba do DNIT, também para 2012.

Talvez percebendo essa dificuldade, o ministro Passos enfatizou que R$ 79,5 bilhões serão investidos nos primeiros cinco anos. Mesmo assim, anualmente, até 2018, isso equivaleria à verba atual do DNIT – ou 60% da verba anual do Ministério dos Transportes. Não é grande coisa.

O que faz o governo promover tanta fanfarra para um plano que, do ponto de vista dos objetivos, é tímido e já está, em boa parte, e de maneira muito melhor, incluído no PAC? Um plano que começará, na melhor das hipóteses, no início de 2014 - quando o problema atual do país uma quase vertiginosa queda no crescimento que ameaça, a curto prazo, liquidar a indústria e desempregar alguns milhões.

Barulho

Nos recusamos a acreditar que toda essa batucada seja apenas porque o governo não quer ou não sabe enfrentar os problemas reais e concretos do país. Não é possível que, ilusoriamente, o governo tenha transferido a solução para alguns picaretas, sob a fachada de aumento do “investimento privado”, quando está drenando para eles os recursos do investimento público.

Oferecimentos como o da quarta-feira vão atrair parasitas – daqui e de fora das fronteiras. Não o empresariado nacional ou empreendedores. Mas quando não se sabe distinguir o sr. Eike de um empresário...

Se o plano é dobrar a verba para as rodovias e ferrovias nos próximos cinco anos, excelente, ainda que seja pouco para as nossas necessidades. Mas não precisa proclamar que é a “primeira iniciativa estruturada para dotar o País de um sistema de transporte adequado”, porque não é. E quanto mais barulho, mais vai aparecer o aspecto de privatização do programa, pois não há como ressaltar outros.

Realmente, é difícil explicar que não é privatização a entrega de portos, hidrovias, aeroportos, ferrovias e rodovias a interesses privados, sobretudo se estrangeiros. É difícil porque a questão não é a palavra, nem ao menos as diferenças de forma. O problema é o perceptível conteúdo.

Resumidamente: o problema é a nada original ideia de que, para fomentar investimentos privados, deve-se entregar a alguns açambarcadores (inclusive, ou principalmente, externos), o investimento público já realizado, e, até mesmo, os recursos para investimentos públicos futuros. As pessoas identificam tal ideia com privatização. E têm razão.

A questão é prática: se isso desse certo, a taxa de investimento do Brasil seria maior que a da China, pois nenhum país entregou tanto investimento já realizado pela coletividade, quanto o nosso.

No entanto, em que a entrega da siderurgia, das telecomunicações ou de boa parte do setor elétrico aumentou o investimento no país? Pelo contrário, fez o investimento baixar até ao apagão elétrico e ao apagão telefônico. Por que os açambarcadores iriam investir, se o negócio era se aproveitar do investimento alheio, era lucrar com a apropriação do investimento público? Para isso, eles foram “atraídos”. Por que iriam gastar dinheiro, ao invés de ganhar dinheiro? Nem mesmo tiveram que desembolsar algum centavo, pois usaram dinheiro do BNDES...

Foram pagos para levar o nosso patrimônio. Por que iriam investir?

No caso do programa de quarta-feira, 80% dos investimentos (“65% a 80%”) vão vir do BNDES. Mas o dinheiro do BNDES não será apenas para investimento, adverte o sr. Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), que deverá gerir o programa. O dinheiro será também para “manutenção”, ou seja, para custeio ou capital de giro.

Os beneficiários da entrega poderão tomar esse dinheiro a uma taxa módica: TJLP (atualmente em 5,5% ao ano) + 1% (para as ferrovias) ou + 1,5% (para as rodovias). Terão de 3 anos (rodovias) a 5 anos (ferrovias) de carência e 20 anos para pagar o empréstimo. Logo, poderão fazê-lo com os ganhos que obtiverem nas rodovias e ferrovias.

Riscos

Pelo que o governo divulgou, ao contrário de seus empréstimos atuais em logística, o BNDES não cobrará a Taxa de Risco de Crédito (até 4,18% a.a.) nem a Taxa de Intermediação Financeira para grandes empresas (0,5% a.a.).

O ministro Mantega, ao argumentar que não se tratava de uma privatização, mas de uma “parceria público-privada” (PPP), resumiu bem a essência do programa: “é o setor público que vai fazer os investimentos”.

Enquanto isso, o parceiro privado cuida da bilheteria. Porém, Mantega não esclareceu por que o governo pode pagar o investimento, mas não pode operar o empreendimento.

Já o sr. Bernardo Figueiredo, disse algo críptico: “a rentabilidade do investidor que construir as ferrovias não será tão alta porque ele não terá riscos”.

Uma conclusão econômica muito peculiar. O “investidor” usará o dinheiro do BNDES. O governo, através da VALEC, comprará “a capacidade integral de transporte da ferrovia”, para depois revendê-la a usuários. Segundo o governo, essa seria a forma de evitar monopólios privados e assegurar tarifas baixas. Em outras palavras: a forma de evitar o monopólio privado é o governo garantir, com seu dinheiro, os lucros do monopólio privado. Se o preço da capacidade comprada pelo governo for maior que aquele da venda de parcelas dessa capacidade a usuários, o Tesouro, naturalmente, bancará a diferença. A hipótese que não existe é o “investidor” arcar com algum prejuízo. Logo, segundo o sr. Figueiredo, “a rentabilidade do investidor não será tão alta porque ele não terá riscos”...

Pedágio

Porém, riscos vão existir – só que eles serão transferidos para o Estado, tornando o “investidor” imune a eles.

No caso das rodovias, o pedágio começará a ser cobrado logo que 10% da obra fique pronta.

Em suma, trata-se de um capitalismo de parasitas, que mama nas tetas do Estado sem qualquer dó – e sem oferecer nada em troca. Por falar nisso, onde está o “mercado”?

5 comentários:

  1. Sinto calarios ao ler tais posts!!!
    Acho que todos os blogueiros "sujos" deveriam marretar isso, até a Dilma parar de COPIAR o que a vida inteira condenamos: A PRIVATARIA TUCANALHA!!!

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  2. Obrigado, Miro, pelos esclarecimentos que estamos recebendo através de teu blog. Fiquei estarrecida com a perspectiva de ver novamente implantada no nosso país essa entrega do patrimônio público.
    É inacreditável para quem lutou tanto pela eleição de Dilma Roussef.

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  3. A blogosfera parece dividida nesta questão. É certo que os tucanalhas estão a provocar quando dizem que a Dilma está privatizando à moda tucana, mas em verdade o "kit felicidade" do capital é um fato incontestável. Faz lembrar aquele ditado popular: quem muito se abaixa o c* aparece.

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  4. Realmente ainda não se consegue entender a diferença entre privatização e concessão. Não se sabendo, opta-se por descer o pau.
    Como vemos pelos comentários, o texto do sr. Carlos Lopes desinforma.

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