quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Dilma e os riscos de mais privatização

Foto: Wilson Dias/ABr
Por Paulo Kliass, no sítio Carta Maior:

Há uma verdade na dinâmica da política que parece inquestionável. Sempre que a economia começa a apresentar sinais de dificuldade ou de debilidade, os dirigentes governamentais passam a se sentir incomodados e ameaçados. É claro que isso deve ser analisado com todas as nuances segundo o tipo de crise, a especificidade da conjuntura, a formação social considerada, etc. Mas o fato é que o receio de amplificação dos efeitos proporcionados pelo simples anúncio de números indesejados na economia deixa o núcleo do poder em situação de alerta. É a síndrome da perda da popularidade.
E aqui, agora, estamos tratando da divulgação em série de indicadores não muito alentadores a respeito da atividade econômica em nosso País. A primeira surpresa já veio lá do ano passado, quando o PIB cresceu apenas 2,7% - um desempenho muito fraco, principalmente quando comparado à performance apresentada por países vizinhos, pelos demais da América Latina e pelos similares dos BRICS. Primeiro ano de governo, herança de decisões adotadas pela equipe precedente, efeitos da crise financeira internacional. Enfim, muitos foram os argumentos apresentados pela Presidenta, em sua tentativa de se justificar perante a sociedade a respeito do ocorrido ao longo de 2011.

Baixa da SELIC e a oportunidade perdida

No entanto, quando a maioria esperava justamente uma mudança de rota a partir de tais resultados colhidos ao longo do primeiro ano de seu mandato em termos da economia, eis que Dilma inicia 2012 com a mesma lenga-lenga da ortodoxia conservadora: esforço fiscal para geração de superávit primário e contenção de despesas orçamentárias essenciais.

Apesar de ela ter revelado uma atuação importante no sentido de provocar a reversão da taxa oficial de juros (SELIC), isso só começou a ocorrer muito tarde, a partir de 1 de setembro de 2011. Os efeitos recessivos da continuidade da mais alta taxa de juros de mundo continuaram a se fazer presentes. E eram ainda mais potencializados pela conjuntura de crise financeira internacional, que mantinha um fluxo expressivo de recursos externos na direção de nossas praias, em busca da rentabilidade segura e elevada proporcionada pelo governo brasileiro.

Ao invés de aproveitar a oportunidade que se abriu com a redução da taxa SELIC e com o conseqüente impacto positivo provocado sobre as despesas financeiras da dívida pública, a opção do governo foi na linha de recuperar o espírito do “bom mocismo” frente ao capital, como nos tristes tempos de Lula, Palocci e Meirelles. Logo no início desse ano, apresentou um plano de cortes orçamentários de R$ 50 bi e reforçou o discurso de austeridade fiscal a todo custo. Com isso dissipou-se a visão otimista daqueles que achavam que os eventos negativos de 2011 eram passageiros e que em 2012 a economia iria mesmo se recuperar. Afinal, imaginava-se que Dilma e sua equipe econômica compunham o campo das correntes mais alinhadas com a perspectiva do desenvolvimentismo.

Frente a esse cenário de indefinição da crise internacional, da continuidade da recessão nos países mais industrializados e da política de contenção de gastos públicos no Brasil, ficaram seriamente comprometidas as possibilidades de se observar um crescimento econômico de maior envergadura em nosso País. As projeções para o crescimento do PIB deste ano foram sendo reduzidas a cada mês. Saíram do patamar de 4,5% anuais e foram baixando até os atuais 1,9%. Realmente muito pouco para as nossas necessidades e para o que seria se possível, caso a opção da Presidenta fosse realmente pelo desenvolvimento e não pela retração das atividades econômicas.

A pressa em reverter o baixo PIB de 2012
Esse quadro apresenta um alto risco do governo apresentar um conjunto de medidas impelido exclusivamente pela pressa. Com a aceleração do calendário político e o desgaste provocado pela passividade registrada até então, compreende-se a vontade de reverter a conjuntura pessimista e sair com a chamada “agenda positiva”. Porém, como diz a sabedoria popular, a pressa é inimiga da perfeição. O governo não tem como alegar que não sabia das dificuldades na esfera da economia e que foi pego de surpresa – oh! azar - pelas más notícias. Não, de modo algum! O que se fez foi uma opção política pelo imobilismo, uma decisão de não tomar nenhuma atitude mais incisiva e deixar a bola rolando, na esperança de as coisas entrassem nos trilhos lá na frente. Triste e equivocada ilusão.

Aliás, é no mínimo curioso constatar a mudança de postura da Presidenta no equacionamento desse tipo de questão. Ela sempre foi apresentada como a “gerontona” e com um perfil mais técnico e voltado para a obtenção de resultados para as políticas públicas. Porém, em vários quesitos ela não tem correspondido a tal figurino, deixando importantes decisões serem empurradas para debaixo do tapete. Assim foi com a greve e com as justas reivindicações salariais dos professores das universidades federais e demais carreiras dos funcionários públicos. O governo foi enrolando a negociação, recusando-se a reconhecer a legitimidade das reivindicações e das entidades. E, agora, quase três meses depois do início do movimento encontra-se com um enorme abacaxi para descascar. Entre o elogio de FHC e a crítica das centrais sindicais, seus apoiadores não sabem muito por onde caminhar.

O mesmo ocorreu com as obras previstas para Copa do Mundo em 2014. Era público e notório o atraso de boa parte dos projetos em execução – desde os estádios até os empreendimentos paralelos previstos para as cidades-sede, a exemplo dos sistemas de transporte urbano e dos aeroportos. Quando começaram a pipocar artigos e estudos sobre a inviabilidade de serem concluídos nos prazos previstos, a reação do governo foi imediata e insensata: privatizar os aeroportos de Brasília, Guarulhos e Viracopos. Uma loucura! O modelo de concessão desse serviço público à iniciativa privada foi considerado bastante polêmico e pouco eficiente. A empresa pública federal encarregada da gestão dos aeroportos – a Infraero – foi incorporada como sócia minoritária nas empresas constituídas na linha da famosa fórmula da “parceria público-privada”. Ou seja, a continuidade de nossa prática tupiniquim de assegurar o máximo retorno para o setor privado, cabendo ao Estado o ônus e todos os riscos da empreitada.

O ritmo de andamento das obras do PAC vai, também, na mesma toada. Lentidão, pouca cobrança de metas executadas e as conseqüências previsíveis das contenções de recursos orçamentários. A ponto de muitos se permitirem questionar se seriam efetivamente considerados como projetos prioritários pelo governo. Afinal, que prioridade é essa em que os projetos demoram a sair do papel e os canteiros de execução não avançam de acordo com as exigências do País?

Rodovias e ferrovias: R$ 133 bi para o setor privado
Agora, a realidade parece confirmar aquilo que os assessores econômicos de Dilma talvez não quisessem considerar há meses. A economia vai mal, muito abaixo do possível e pode comprometer mais uma vez a janela de oportunidade que se abria para o Brasil com a crise financeira internacional. E de repente surge a “óbvia idéia milagrosa”: atrair o setor privado para retomar os níveis de investimento, oferecendo a ele - mais uma vez - o filé mignon dos serviços públicos. Depois da recusa em receber os representantes sindicais, Dilma abre a pompa do cerimonial para acolher em Palácio “la crème de la crème” dos representantes do grande capital.

O mote do convescote foi o anúncio de mais um pacotaço de benesses dirigido às grandes corporações empresariais. Nada mais, nada menos do que a bagatela de R$ 133 bi a serem distribuídos generosamente, a juros subsidiados e facilidades diversas, para os investimentos em setores estratégicos de nossa infra-estrutura. E vejam que se trata apenas de uma parte de um conjunto mais amplo de bondades para o setor privado e de maldades para a maioria do povo brasileiro. Essa primeira etapa do anúncio refere-se apenas a rodovias e ferrovias. Mais à frente virão os portos, hidrovias e outros aeroportos.

As palavras do mega-empresário Eike Batista - especialista em abocanhar áreas públicas para apropriação e acumulação privadas - não poderiam ser mais eloqüentes. No entender do bilionário, encantado com a novidade, o pacote anunciado por Dilma revela-se como um verdadeiro “kit felicidade”.

Ora, aqui resta pouco a acrescentar. A Presidenta optou, mais uma vez, pela privatização dos serviços públicos. Sempre haverá quem, no afã de justificar o injustificável, venha com a surrada desculpa da “diferença essencial” entre concessão e privatização. Conversa prá boi dormir.

Quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) estabeleceu a concessão de exploração de poços de petróleo para as empresas privadas, ele foi – corretamente, aliás! – acusado de promover a privatização do setor. Agora, quando Dilma pretende conceder a exploração de ferrovias, rodovias e portos ao capital privado – eh, bem, nesse caso - trata-se tão somente de concessão. Nada como um dia após o outro!

É sabido que os processos de privatização comportam diferentes modalidades de transferências entre o setor público e o setor privado. A mais evidente de todas é a alienação do patrimônio do Estado para o setor privado, em geral a venda de uma empresa estatal. Mas outras medidas fazem parte da mesma essência, tais como: i) a transferência de gestão sem transferência de propriedade; ii) as inúmeras formas de parceria público-privada; iii) as concessões de exploração de serviços públicos; iv) a concessão de exploração de minérios e do subsolo; entre tantas outras formas dessa complexa relação entre o público e o privado. O destino oferecido pelo governo para a operacionalização do transporte ferroviário e rodoviário encaixa-se perfeitamente nessa moldura.

Privatização com recursos públicos

Porém, o anúncio da Presidenta não veio acompanhado do mais importante: os detalhes das modalidades operacionais. E é justamente aí que reside o pulo do gato, onde mora o perigo. Alguns elementos já vieram a público: os contratos de concessão poderão chegar a 30 anos, os juros serão francamente subsidiados pelo Tesouro Nacional, as empresas serão majoritariamente controladas pelo capital privado. No entanto, quase nada foi dito acerca das políticas de tarifas a serem cobradas, das penalidades em caso de ruptura das obrigações por parte das empresas, das contrapartidas exigidas do setor privado, do destino do patrimônio construído, das obrigações de investimento ao longo do período, etc. Imagine-se o cenário de uma ferrovia em 2042, quando deverá ser renovado o contrato de concessão de exploração do serviço. Uma loucura!

Ou esse tipo de transporte não será mais usado daqui a 3 décadas ou então ninguém duvide da capacidade do grupo privado obter a renovação do contrato. E o que dizer da renovação da eventual concessão de um importante porto exportador em 2037?

O receio da perda de popularidade pela economia em baixa e o desejo de parecer confiável aos olhos do grande capital levaram Dilma a cometer mais esse equívoco profundo em sua política de governo. Nesses momentos de agradar ao empresariado, o discurso da falta de recursos some de cena. Aquilo que sempre é negado aos setores mais necessitados (saúde, educação, previdência social, salários do funcionalismo, entre outros) agora aparece em abundância extrema para os representantes das elites, sob a forma de mais de uma centena de bilhões de reais. Os investimentos em infra-estrutura são essenciais para o desenvolvimento do Brasil - isso é inegável. No entanto, a opção por privatizar esse tipo de serviço público só faz aprofundar ainda mais o ciclo iniciado por FHC com telefonia, eletricidade, petróleo, sistema financeiro, saneamento e outras áreas estratégicas. Em troca de alguns míseros pontos percentuais de crescimento no PIB de 2012, o governo arrisca o comprometimento estratégico e o futuro do País, retirando a capacidade do poder público de influenciar setores essenciais da atividade econômica.

Se os recursos existem e estão disponíveis, não há razão para oferecê-los graciosamente ao setor privado. O Estado brasileiro teria todas as condições de iniciar os projetos necessários, bastando para isso a sinalização da vontade política por parte da Presidenta. Se os representantes do capital privado estiverem interessados em investir, eles serão muito bem vindos a acompanhar a iniciativa pública com seus próprios recursos. É necessário ter muita cautela com toda e qualquer forma de privatização. Afinal, os sucessivos escândalos nas áreas de telecomunicações e energia elétrica demonstram que os critérios de eficiência da gestão privada de serviços públicos nem sempre redundam em melhoria da qualidade e tarifas mais reduzidas. E que as agências reguladoras tendem a defender os interesses das empresas reguladas, em detrimento dos usuários. A prioridade, nesse caso, é sempre o retorno máximo sob a ótica do lucro privado. Você aí perguntou algo a respeito do atendimento às necessidades da população? Ora, mas isso é apenas um detalhe secundário da operação...

3 comentários:

  1. Total. Onde é que eu assino? Desse jeito, a presidenta não emplaca 2014.

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  2. Miro, a mais de um ano venho postando comentários e apontando os rumos do erro do Gov. Dilma, talvez eu seja leigo em economia macro e até leigo em por assim dizer Nova Política, más sempre estive na linha de frente, na base nas vitórias que os trabalhadores e a esquerda conseguiu. São tantos erros que não poderiam de alguma forma ter consequências como podemos sentir agora, Não há na realidade ganho nenhum em aspécto salarial para o trabalhador, porque não há? Porque quando um governo levado ao porder pelos trabalahadores não os ouve é porque o governo acha que não precisa mais dele, Quando ele pega o passivo do suor dos trabalhadores e entrega a categoria patronal nessa magnitude, da sinais de fraquesa e destroi sua base. Hoje dinheiro fácil e com juros baixos é só para grandes conglomerados, as empresas nde comunicação textualizaram o governo e ele passou a ser a caixa de ressonância da grande mídia com mêdo de enfrent-la, a policia passoa a ser uma polícia política, a maioria dos ministros passaram a ser ministros exoticos, mais preocupados com pontualidades e costumes pessoais da população, ao que deveriam e conhecer os costumes, entende-los e interagir ao obvio da sociedade, passou a incitar minorias numa guerra que não haverá vencedores, pois só o tempo e educação mudam as pessoas, não é possível um governo laíco e democrático propor a uma sociedade radicalidades sexuais, religiosas e comportamentais sem consulta e sem o mínimo estudo. Hoje temos exercito americamo no rio São Francisco MG, temos uma sociedade acuada pela violência, Pela a falta de justiça para quem precisa de justiça, temos categorias de funcionários públicos que se transformaram em elites tal qual a disparidade de reconhecimento de exelencia de sua prestação de serviço em detrimento da maioria, temos um governo com uma preocupação exessiva com a representação de genero quanto aos cargos, isso tudo traduz a fatiação causada por uma espécie de qualisão sem nenhum aspécto político ou programático, apenas representação na assembléia e no congresso em que a catimba transforma o governo refem de tudo, até do próprio partido, o que o povo realmente pode esperar do atual governo, sinceramente não sei, ideológicamente perdeu a referência e está perdendo o povo, pesquisa é muito relativa e não são confiáveis são reflexos da boa propaganda enganosa, os bajuladores de hoje foram os algozes do povo ontem. No meu entrestecimento carrego a culpa pelo engano de minhas lutas e a tristeza ou até frustração de não ser mais necessário a conjuntura do poder que ajudeia a erger e que hoje nos dá rastairas pelo fato de que aprendemos a nos proteger dos inimigos e dos amigos aprendemos apenas a servir como amigos expondo nossa vunerabilidade a receber golpes dioturnamente. Em fim decepção.

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  3. Altamiro, li artigo no site Viomundo sobre o Senador Delcidio do Amaral (PT/MS) e o Senador Gim Argello (PTB/DF). Os dois estão com um projeto para PRIVATIZAR a EMBRAPA. Isso é uma traição ao povo brasileiro. Querem entregar a EMBRAPA e todo o conhecimento adquirido durante décadas às empresas transnacionais Monsanto, Bayer, e outras.
    .
    http://www.viomundo.com.br/denuncias/sinpaf-projeto-que-privatiza-embrapa-avanca-no-congresso.html?replytocom=365292#respond

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