Por Marcelo Semer, no blog Sem Juízo:
Algo de novo na Justiça sobre os anos de chumbo.
Foram três decisões seguidas reconhecendo oficialmente a tortura do regime militar.
Algo de novo na Justiça sobre os anos de chumbo.
Foram três decisões seguidas reconhecendo oficialmente a tortura do regime militar.
O juiz Guilherme Madeira Dezem mandou inscrever em certidão de óbito a tortura nas dependências do Doi-Codi, como causa da morte de João Batista Franco Drumond, no episódio conhecido como a Chacina da Lapa (conheça aqui a decisão).
Por decisão da juíza Cláudia de Lima Menge, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Doi-Codi, se viu condenado a indenizar em cem mil reais a família do torturado Luis Eduardo da Rocha Merlino.
E ontem, em uma inédita decisão em segunda instância, Ustra foi derrotado no Tribunal de Justiça de São Paulo. Por três votos a zero, o TJ manteve a sentença do juiz Guilherme Santini Teodoro, que o declarava judicialmente torturador.
Ironia das ironias, a defesa de Ustra utilizou como último argumento, a própria existência da Comissão da Verdade, tanto combatida pelos torturadores, para tentar excluir a competência da justiça. Não foi bem sucedida.
Os desembargadores entenderam, de forma unânime, que uma coisa não impedia a outra. Como também decidiram que a lei da anistia não alcança processos cíveis.
Ainda falta um longo percurso até que a responsabilidade criminal também seja reconhecida, principalmente em face da decisão do STF de 2010 que deu fôlego à interpretação mais extensiva da anistia.
Mas o movimento na Justiça está demonstrando que o acórdão do Supremo não colocou, como pretendia, um ponto final na discussão.
Pouco depois de votada, a decisão foi confrontada por uma bem fundamentada sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu inadmissível a autoanistia concedida pelo país, ainda na ditadura, para impedir o julgamento de crimes contra a humanidade.
Nos últimos meses, o Ministério Público Federal vem procedendo a oitiva de testemunhas de inúmeros casos de sequestros, cuja permanência teria evitado por si só a prescrição, para municiar ações penais.
O primeiro denunciado, Major Curió, teve a seu favor uma decisão da Justiça Federal que rejeitou a acusação.
Mas já há indícios que a tramitação pode não ser tão segura para os torturadores.
Na mesma sentença em que Ustra foi condenado a pagar danos morais à família da vítima, a juíza Cláudia Menge, afirmou que mesmo a anistia no âmbito criminal não estava imune a discussões, justamente com base na decisão da OEA “em que o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia, enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados imprescritíveis”.
Quem conhece o funcionamento do sistema judiciário, sabe que a jurisprudência é uma formação demorada e progressiva.
Vai se alterando com o tempo e os sinais de sua mudança em geral se manifestam, primeiro, nas instâncias inferiores.
Foi assim com o reconhecimento da “sociedade de fato”, de companheiros não casados, que impulsionou a instituição da união estável.
A decretação de ilegalidade nas restrições de cobertura em planos de saúde também é contribuição da primeira instância, como mais recentemente vem acontecendo com a admissão do casamento homoafetivo.
Mesmo a existência de uma decisão plenária do Supremo, como se deu no caso da anistia, não é impeditiva para a renovação da jurisprudência.
No caso da Lei dos Crimes Hediondos, por exemplo, o STF demorou quinze anos para reconhecer sua inconstitucionalidade, e o fez depois de ter decidido em plenário, por larga maioria, exatamente em sentido contrário.
A Lei de Imprensa também vinha sendo aplicada no país havia décadas, inclusive pelo próprio STF, quando o tribunal decidiu reconhecer que ela nem sequer havia sido recebida pela Constituição de 1988.
A compreensão dos exatos contornos e limites das normas constitucionais muitas vezes demora a surgir de forma mais nítida.
Decisões que pareciam improváveis no começo do processo de redemocratização hoje já não se mostram tão dissonantes.
O paulatino reconhecimento do valor da dignidade humana e a gradativa valorização dos tratados internacionais começam a provocar consequências que prometem se espalhar ao longo dos anos. Principalmente quando os fatos trazidos pela comissão nacional começarem a vir à tona.
A verdade tende a ser um importante componente de reconstrução da justiça.
Por decisão da juíza Cláudia de Lima Menge, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Doi-Codi, se viu condenado a indenizar em cem mil reais a família do torturado Luis Eduardo da Rocha Merlino.
E ontem, em uma inédita decisão em segunda instância, Ustra foi derrotado no Tribunal de Justiça de São Paulo. Por três votos a zero, o TJ manteve a sentença do juiz Guilherme Santini Teodoro, que o declarava judicialmente torturador.
Ironia das ironias, a defesa de Ustra utilizou como último argumento, a própria existência da Comissão da Verdade, tanto combatida pelos torturadores, para tentar excluir a competência da justiça. Não foi bem sucedida.
Os desembargadores entenderam, de forma unânime, que uma coisa não impedia a outra. Como também decidiram que a lei da anistia não alcança processos cíveis.
Ainda falta um longo percurso até que a responsabilidade criminal também seja reconhecida, principalmente em face da decisão do STF de 2010 que deu fôlego à interpretação mais extensiva da anistia.
Mas o movimento na Justiça está demonstrando que o acórdão do Supremo não colocou, como pretendia, um ponto final na discussão.
Pouco depois de votada, a decisão foi confrontada por uma bem fundamentada sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu inadmissível a autoanistia concedida pelo país, ainda na ditadura, para impedir o julgamento de crimes contra a humanidade.
Nos últimos meses, o Ministério Público Federal vem procedendo a oitiva de testemunhas de inúmeros casos de sequestros, cuja permanência teria evitado por si só a prescrição, para municiar ações penais.
O primeiro denunciado, Major Curió, teve a seu favor uma decisão da Justiça Federal que rejeitou a acusação.
Mas já há indícios que a tramitação pode não ser tão segura para os torturadores.
Na mesma sentença em que Ustra foi condenado a pagar danos morais à família da vítima, a juíza Cláudia Menge, afirmou que mesmo a anistia no âmbito criminal não estava imune a discussões, justamente com base na decisão da OEA “em que o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia, enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados imprescritíveis”.
Quem conhece o funcionamento do sistema judiciário, sabe que a jurisprudência é uma formação demorada e progressiva.
Vai se alterando com o tempo e os sinais de sua mudança em geral se manifestam, primeiro, nas instâncias inferiores.
Foi assim com o reconhecimento da “sociedade de fato”, de companheiros não casados, que impulsionou a instituição da união estável.
A decretação de ilegalidade nas restrições de cobertura em planos de saúde também é contribuição da primeira instância, como mais recentemente vem acontecendo com a admissão do casamento homoafetivo.
Mesmo a existência de uma decisão plenária do Supremo, como se deu no caso da anistia, não é impeditiva para a renovação da jurisprudência.
No caso da Lei dos Crimes Hediondos, por exemplo, o STF demorou quinze anos para reconhecer sua inconstitucionalidade, e o fez depois de ter decidido em plenário, por larga maioria, exatamente em sentido contrário.
A Lei de Imprensa também vinha sendo aplicada no país havia décadas, inclusive pelo próprio STF, quando o tribunal decidiu reconhecer que ela nem sequer havia sido recebida pela Constituição de 1988.
A compreensão dos exatos contornos e limites das normas constitucionais muitas vezes demora a surgir de forma mais nítida.
Decisões que pareciam improváveis no começo do processo de redemocratização hoje já não se mostram tão dissonantes.
O paulatino reconhecimento do valor da dignidade humana e a gradativa valorização dos tratados internacionais começam a provocar consequências que prometem se espalhar ao longo dos anos. Principalmente quando os fatos trazidos pela comissão nacional começarem a vir à tona.
A verdade tende a ser um importante componente de reconstrução da justiça.
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