Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
A reportagem que faz a manchete da edição de segunda-feira (27/8) do jornal O Estado de S. Paulo oferece uma oportunidade interessante para a análise das escolhas da imprensa tradicional, que supostamente ainda concentra a agenda dos assuntos públicos.
“Homicídios caem em São Paulo, após 4 meses de alta”, diz o título, no alto da primeira página. Os números apresentados junto à manchete são impactantes: queda de 24,5% em julho, comparados os números aos do mês anterior.
Segundo o jornal, o relatório completo seria divulgado ao longo do dia pela Secretaria de Segurança, o que significa que a assessoria do governo tomou a iniciativa de antecipar alguns dados para um dos dois grandes diários da capital.
Agora, vejamos como foi composta essa “reportagem” que, na verdade, é a transcrição direta de material fornecido pela assessoria de imprensa oficial.
Todo jornalista mais ou menos experiente sabe que não tem grande importância comparar dados de fatos sociais mês a mês quando algumas circunstâncias sazonais afetam as ocorrências. Portanto, comparar julho a junho tem apenas efeito publicitário e pouca relevância jornalística, pois o mais correto seria comparar o mesmo mês a cada ano, ou períodos equivalentes, como os trimestres.
Perguntem às vítimas
Na primeira página do Estadão, a redução do número de homicídios em São Paulo teria sido de quase 25%, o que efetivamente gera um noticiário positivo para o governo paulista e para a prefeitura da capital. Mas, segundo a reportagem interna, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, a queda foi de 13%.
Outra questão: observando-se o gráfico publicado nas páginas internas, percebe-se que os números da violência não caíram. Ao contrário: comparando-se mês a mês, o ano de 2012 teve mais assassinatos nos primeiros sete meses em relação ao mesmo período de 2011, tanto na capital quanto no estado de São Paulo.
O interessante é que o jornalão compra pelo valor de face a avaliação das autoridades de que a queda em julho passado, em comparação com o mês anterior, representa uma mudança importante na tendência. Qualquer acontecimento fortuito – como, por exemplo, a interrupção de jogos do campeonato brasileiro de futebol durante as Olimpíadas – pode ter interferido nesses números.
A tese do governo paulista, aparentemente aceita pela imprensa, é de que o estouro da criminalidade nos últimos meses havia sido “apenas uma bolha”.
Ora, essa linguagem estatística aplicada a um problema social tão grave chega a ser um desrespeito com as famílias das centenas de paulistanos – principalmente jovens do sexo masculino – que são assassinados em São Paulo todos os meses. Vá alguém dizer à mãe de uma dessas linhas estatísticas que seu filho foi vítima de “uma bolha de violência”.
Lá em cá
Toda tentativa de análise fria de eventos sociais implica grande risco para o jornalismo, por causa da complexidade inerente aos fatos. Isso era lição básica de jornalismo. Outra preocupação básica do jornalismo de qualidade seria o cuidado de submeter a intensa crítica tudo que vem de fontes oficiais. As duas lições foram esquecidas pelo Estadão na edição de segunda-feira (27).
Observe-se que, em outra seção do mesmo jornal, na área do noticiário internacional, há uma reportagem de página inteira dedicada ao mesmo tema, porém os números se referem à fronteira do México com os Estados Unidos. Ali, mais precisamente na localidade mexicana de Ciudad Juárez, as autoridades comemoram a redução dos assassinatos relacionados à guerra dos cartéis de drogas.
Uma ação integrada das forças armadas do México, que contou com financiamento dos Estados Unidos e ajuda de autoridades colombianas, foi a principal causa da redução brusca da violência, mas o jornal cita também que o fato de um dos cartéis ter dominado a região, eliminando os concorrentes, pode ter influenciado nas estatísticas.
De qualquer maneira, há claras distinções entre os dois fenômenos, mas alguns números são curiosos: no auge da guerra do narcotráfico, quando o estado de Chihuahua, onde fica Ciudad Juárez, se transformou numa região sem lei, as estatísticas chegavam a passar de 300 mortos por mês.
No estado de São Paulo, a média mensal é superior a 350 mortes e supostamente estamos vivendo em paz.
No texto da primeira página, o Estadão faz uma pequena concessão à verdade dos fatos, observando que houve um aumento no total de homicídios em todo o estado, de 2.390 no primeiro semestre de 2011 para 2.530, no mesmo período deste ano.
“A taxa de homicídios, de 10,3 casos por 100 mil habitantes, ainda indica uma epidemia de violência”, conclui a chamada de manchete.
Esse é o fato. O resto é propaganda oficial, que o jornalão engole sem discutir.
“Homicídios caem em São Paulo, após 4 meses de alta”, diz o título, no alto da primeira página. Os números apresentados junto à manchete são impactantes: queda de 24,5% em julho, comparados os números aos do mês anterior.
Segundo o jornal, o relatório completo seria divulgado ao longo do dia pela Secretaria de Segurança, o que significa que a assessoria do governo tomou a iniciativa de antecipar alguns dados para um dos dois grandes diários da capital.
Agora, vejamos como foi composta essa “reportagem” que, na verdade, é a transcrição direta de material fornecido pela assessoria de imprensa oficial.
Todo jornalista mais ou menos experiente sabe que não tem grande importância comparar dados de fatos sociais mês a mês quando algumas circunstâncias sazonais afetam as ocorrências. Portanto, comparar julho a junho tem apenas efeito publicitário e pouca relevância jornalística, pois o mais correto seria comparar o mesmo mês a cada ano, ou períodos equivalentes, como os trimestres.
Perguntem às vítimas
Na primeira página do Estadão, a redução do número de homicídios em São Paulo teria sido de quase 25%, o que efetivamente gera um noticiário positivo para o governo paulista e para a prefeitura da capital. Mas, segundo a reportagem interna, na comparação com o mesmo mês do ano anterior, a queda foi de 13%.
Outra questão: observando-se o gráfico publicado nas páginas internas, percebe-se que os números da violência não caíram. Ao contrário: comparando-se mês a mês, o ano de 2012 teve mais assassinatos nos primeiros sete meses em relação ao mesmo período de 2011, tanto na capital quanto no estado de São Paulo.
O interessante é que o jornalão compra pelo valor de face a avaliação das autoridades de que a queda em julho passado, em comparação com o mês anterior, representa uma mudança importante na tendência. Qualquer acontecimento fortuito – como, por exemplo, a interrupção de jogos do campeonato brasileiro de futebol durante as Olimpíadas – pode ter interferido nesses números.
A tese do governo paulista, aparentemente aceita pela imprensa, é de que o estouro da criminalidade nos últimos meses havia sido “apenas uma bolha”.
Ora, essa linguagem estatística aplicada a um problema social tão grave chega a ser um desrespeito com as famílias das centenas de paulistanos – principalmente jovens do sexo masculino – que são assassinados em São Paulo todos os meses. Vá alguém dizer à mãe de uma dessas linhas estatísticas que seu filho foi vítima de “uma bolha de violência”.
Lá em cá
Toda tentativa de análise fria de eventos sociais implica grande risco para o jornalismo, por causa da complexidade inerente aos fatos. Isso era lição básica de jornalismo. Outra preocupação básica do jornalismo de qualidade seria o cuidado de submeter a intensa crítica tudo que vem de fontes oficiais. As duas lições foram esquecidas pelo Estadão na edição de segunda-feira (27).
Observe-se que, em outra seção do mesmo jornal, na área do noticiário internacional, há uma reportagem de página inteira dedicada ao mesmo tema, porém os números se referem à fronteira do México com os Estados Unidos. Ali, mais precisamente na localidade mexicana de Ciudad Juárez, as autoridades comemoram a redução dos assassinatos relacionados à guerra dos cartéis de drogas.
Uma ação integrada das forças armadas do México, que contou com financiamento dos Estados Unidos e ajuda de autoridades colombianas, foi a principal causa da redução brusca da violência, mas o jornal cita também que o fato de um dos cartéis ter dominado a região, eliminando os concorrentes, pode ter influenciado nas estatísticas.
De qualquer maneira, há claras distinções entre os dois fenômenos, mas alguns números são curiosos: no auge da guerra do narcotráfico, quando o estado de Chihuahua, onde fica Ciudad Juárez, se transformou numa região sem lei, as estatísticas chegavam a passar de 300 mortos por mês.
No estado de São Paulo, a média mensal é superior a 350 mortes e supostamente estamos vivendo em paz.
No texto da primeira página, o Estadão faz uma pequena concessão à verdade dos fatos, observando que houve um aumento no total de homicídios em todo o estado, de 2.390 no primeiro semestre de 2011 para 2.530, no mesmo período deste ano.
“A taxa de homicídios, de 10,3 casos por 100 mil habitantes, ainda indica uma epidemia de violência”, conclui a chamada de manchete.
Esse é o fato. O resto é propaganda oficial, que o jornalão engole sem discutir.
Lembram daquele filme, Tropa de Elite 1 quando um "grandão" da PM do Rio manda jogar o cadáver "no vizinho" pra melhorar as "estatísticas de homicídios no local.......
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