Por Emir Sader, no sítio da Carta Maior:
Quando se pergunta a esses economistas de plantão como está o Brasil, eles imediatamente auscultam a Bolsa de Valores nos seus Ipads, como um médico faz um exame cardiológico. O vai e vem da Bolsa seria o tique- taque da saúde da economia e do próprio país, para a mentalidade mercantil que orienta esses economistas.
Se a Bolsa de Valores faz parte do país – mesmo se de forma um tanto contraditória, na medida em que atrai capitais especulativos -, a situação do país real tem que ser auscultada em outro lado e com outros métodos.
Os avanços mais significativos do Brasil na última década se deram no plano da sua democratização social. Uma política econômica que articula estreitamente desenvolvimento econômico com extensão do mercado interno de consumo popular, que prioriza a expansão dos direitos econômicos e sociais e não os ajustes fiscais, tem permitido ao país mais desigual do continente mais desigual, apresentar uma imagem social menos desigual, menos injusta, com menos pobreza e menos miséria do que marcou tradicionalmente a nossa sociedade.
Esses avanços se chocam com estruturas políticas que mantem suas características tradicionais de instrumentos de poder das velhas elites políticas, que aparecem como freios para que a democratização social se expresse em estruturas políticas – tanto parlamentares, como jurídicas e do aparato-estatal – concordes com esses avanços.
Se alguém conseguisse fazer o exercício mirabolante de imaginação e fizesse abstração dos enormes avanços nos direitos sociais dos milhões de brasileiros que estão tendo seus direitos sociais atendidos, parece que seguimos vivendo em governos anteriores – os do Sarney ou do FHC, por exemplo. Governos em que as heranças da ditadura se faziam sentir de forma direta, seja no pessoal político, nas estruturas jurídicas, nas formas de funcionamento do Estado, nas representações parlamentares.
Até onde essas estruturas são compatíveis com a democratização do Brasil? O Congresso é impermeável, pela sua representação eleita pelo financiamento privado de campanhas, que produzem fortes lobbies corporativos, a projetos de democratização das arcaicas e monopolizadas estruturas do campo brasileiro e, ao contrário, ameaça consolidá-las com a aprovação de um Código Rural que aponta para retrocessos maiores ainda.
É impermeável à aprovação de um Marco Regulatório dos meios de comunicação, que permita romper com o monopólio privado de algumas famílias que pretendem formar a opinião pública nacional e partir dos seus próprios interesses e opiniões. E, como diz o Lula, não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da imprensa.
O Congresso, eleito com os privilégios das campanhas privadas, que traduzem as desigualdades econômicas e sociais para as campanhas eleitorais e para o Congresso, tampouco procederá à reforma democrática do sistema eleitoral, que supõe, em primeiro lugar, o financiamento público das campanhas.
O Judiciário tem se mostrado insensível e incapaz de promover a justiça no Brasil, burocrático, passível de corrupção, inadequado para a promoção da justiça e a extensão dos direitos para a grande maioria da população, que o país urgentemente precisa.
O aparato de Estado foi feito para reproduzir as relações dominantes, marcadas pela exclusão social, pelo monopólio das elites tradicionais, que sempre se apropriaram desse aparato para promover seus interesses e reproduz a sociedade desigual e fragmentada que temos.
O governo Lula avançou pelas beiradas, pelas brechas, com o instinto do ensaio e erro do ex-presidente, valendo-se das imensas precariedades herdadas – recessão econômica, exclusão social, concentração de renda, desarticulação do Estado. Retomou-se a expansão econômica, estreitamente articulada com a expansão do mercado interno de consumo popular e a extensão dos direitos sociais. Pela primeira vez a situação social da grande maioria pobre da nossa sociedade melhora. Porém, mesmo para obter esses resultados e dar-lhes continuidade, o governo enfrenta grandes obstáculos, que tantas vezes inviabilizam, mudam a natureza dos projetos ou tiram toda sua eficácia, porque se trata de um Estado – em todas suas estruturas, administrativas, financeiras, jurídicas – que não está feito para promover políticas de inclusão da grande maioria da população.
Nesse marco, a imensa democratização social levada a cabo pelos governos Lula e Dilma não encontra correspondência em processos de democratização política que, por exemplo, permitissem renovar radicalmente as representações politicas no Congresso, que tiveram mudanças menores, sem refletir as transformações sociais no Brasil contemporâneo. O bloqueio do financiamento público de campanha, feito exatamente pelos partidos que se beneficiam dos recursos privados, que os elegem e reelegem, falseando a representação popular, condena o Parlamento à desmoralização atual e ao bloqueio das iniciativas mais progressistas que necessitamos – no plano dos meios de comunicação, do meio ambiente, da política agrária, na reforma do Estado, na democratização do Judiciário, na transparência do funcionamento de todas as instituições públicas, na conquista de direitos ligados à mulher, entre tantas outras.
Sem democratização do Estado, do sistema de representação política, de formação de opinião pública, das relações econômicas e sociais no campo, haverá limites fundamentais para que o Brasil siga, nesta década, a trajetória que vinha trilhando na década passada. Inclusive no poder que o Estado necessita para impulsionar o crescimento econômico que o pais urgentemente precisa, mais além dos interesses corporativos e de busca especulativa de lucros – sem produzir nem bens, nem empregos – do grande capital privado.
Os maiores avanços democráticos que o Brasil teve nestes anos vieram de iniciativas especificas. A Comissão da Verdade, a aprovação do direito ao casamento dos homossexuais e o reconhecimento jurídico e político das políticas de cotas nas universidades. São iniciativas muito importantes, mas que precisam de reformas democráticas do Estado e do sistema político, para fazer do Brasil um país socialmente justo, democraticamente forte e economicamente soberano.
Quando se pergunta a esses economistas de plantão como está o Brasil, eles imediatamente auscultam a Bolsa de Valores nos seus Ipads, como um médico faz um exame cardiológico. O vai e vem da Bolsa seria o tique- taque da saúde da economia e do próprio país, para a mentalidade mercantil que orienta esses economistas.
Se a Bolsa de Valores faz parte do país – mesmo se de forma um tanto contraditória, na medida em que atrai capitais especulativos -, a situação do país real tem que ser auscultada em outro lado e com outros métodos.
Os avanços mais significativos do Brasil na última década se deram no plano da sua democratização social. Uma política econômica que articula estreitamente desenvolvimento econômico com extensão do mercado interno de consumo popular, que prioriza a expansão dos direitos econômicos e sociais e não os ajustes fiscais, tem permitido ao país mais desigual do continente mais desigual, apresentar uma imagem social menos desigual, menos injusta, com menos pobreza e menos miséria do que marcou tradicionalmente a nossa sociedade.
Esses avanços se chocam com estruturas políticas que mantem suas características tradicionais de instrumentos de poder das velhas elites políticas, que aparecem como freios para que a democratização social se expresse em estruturas políticas – tanto parlamentares, como jurídicas e do aparato-estatal – concordes com esses avanços.
Se alguém conseguisse fazer o exercício mirabolante de imaginação e fizesse abstração dos enormes avanços nos direitos sociais dos milhões de brasileiros que estão tendo seus direitos sociais atendidos, parece que seguimos vivendo em governos anteriores – os do Sarney ou do FHC, por exemplo. Governos em que as heranças da ditadura se faziam sentir de forma direta, seja no pessoal político, nas estruturas jurídicas, nas formas de funcionamento do Estado, nas representações parlamentares.
Até onde essas estruturas são compatíveis com a democratização do Brasil? O Congresso é impermeável, pela sua representação eleita pelo financiamento privado de campanhas, que produzem fortes lobbies corporativos, a projetos de democratização das arcaicas e monopolizadas estruturas do campo brasileiro e, ao contrário, ameaça consolidá-las com a aprovação de um Código Rural que aponta para retrocessos maiores ainda.
É impermeável à aprovação de um Marco Regulatório dos meios de comunicação, que permita romper com o monopólio privado de algumas famílias que pretendem formar a opinião pública nacional e partir dos seus próprios interesses e opiniões. E, como diz o Lula, não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da imprensa.
O Congresso, eleito com os privilégios das campanhas privadas, que traduzem as desigualdades econômicas e sociais para as campanhas eleitorais e para o Congresso, tampouco procederá à reforma democrática do sistema eleitoral, que supõe, em primeiro lugar, o financiamento público das campanhas.
O Judiciário tem se mostrado insensível e incapaz de promover a justiça no Brasil, burocrático, passível de corrupção, inadequado para a promoção da justiça e a extensão dos direitos para a grande maioria da população, que o país urgentemente precisa.
O aparato de Estado foi feito para reproduzir as relações dominantes, marcadas pela exclusão social, pelo monopólio das elites tradicionais, que sempre se apropriaram desse aparato para promover seus interesses e reproduz a sociedade desigual e fragmentada que temos.
O governo Lula avançou pelas beiradas, pelas brechas, com o instinto do ensaio e erro do ex-presidente, valendo-se das imensas precariedades herdadas – recessão econômica, exclusão social, concentração de renda, desarticulação do Estado. Retomou-se a expansão econômica, estreitamente articulada com a expansão do mercado interno de consumo popular e a extensão dos direitos sociais. Pela primeira vez a situação social da grande maioria pobre da nossa sociedade melhora. Porém, mesmo para obter esses resultados e dar-lhes continuidade, o governo enfrenta grandes obstáculos, que tantas vezes inviabilizam, mudam a natureza dos projetos ou tiram toda sua eficácia, porque se trata de um Estado – em todas suas estruturas, administrativas, financeiras, jurídicas – que não está feito para promover políticas de inclusão da grande maioria da população.
Nesse marco, a imensa democratização social levada a cabo pelos governos Lula e Dilma não encontra correspondência em processos de democratização política que, por exemplo, permitissem renovar radicalmente as representações politicas no Congresso, que tiveram mudanças menores, sem refletir as transformações sociais no Brasil contemporâneo. O bloqueio do financiamento público de campanha, feito exatamente pelos partidos que se beneficiam dos recursos privados, que os elegem e reelegem, falseando a representação popular, condena o Parlamento à desmoralização atual e ao bloqueio das iniciativas mais progressistas que necessitamos – no plano dos meios de comunicação, do meio ambiente, da política agrária, na reforma do Estado, na democratização do Judiciário, na transparência do funcionamento de todas as instituições públicas, na conquista de direitos ligados à mulher, entre tantas outras.
Sem democratização do Estado, do sistema de representação política, de formação de opinião pública, das relações econômicas e sociais no campo, haverá limites fundamentais para que o Brasil siga, nesta década, a trajetória que vinha trilhando na década passada. Inclusive no poder que o Estado necessita para impulsionar o crescimento econômico que o pais urgentemente precisa, mais além dos interesses corporativos e de busca especulativa de lucros – sem produzir nem bens, nem empregos – do grande capital privado.
Os maiores avanços democráticos que o Brasil teve nestes anos vieram de iniciativas especificas. A Comissão da Verdade, a aprovação do direito ao casamento dos homossexuais e o reconhecimento jurídico e político das políticas de cotas nas universidades. São iniciativas muito importantes, mas que precisam de reformas democráticas do Estado e do sistema político, para fazer do Brasil um país socialmente justo, democraticamente forte e economicamente soberano.
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