Por Valério Cruz Brittos e Anderson David Gomes dos Santos, no Observatório da Imprensa:
É curioso observar que, quando se trata de “deturpação pela grande mídia”, o primeiro alvo de ataques costuma ser não os grupos empresariais proprietários de meios de comunicação, mas os jornalistas que produziram as respectivas matérias. Este artigo não pretende fazer uma defesa escancarada e sem críticas à profissão, mas abordar que o conteúdo informativo produzido é apenas o final de uma cadeia produtiva que precisa ser mais considerada. Há vários estudos sobre a mudança nas rotinas de produção jornalística, porém devido à separação que ainda persiste entre a produção acadêmica e a sociedade, mesmo para movimentos sociais, poucos conseguem reconhecer a produção de informação realizada pelos jornalistas enquanto trabalho e o quanto este também foi modificado nas últimas décadas.
Do mesmo jeito que em outros setores industriais, a automatização também entrou nas redações, o que fez com que houvesse uma redução de pessoal e, consequentemente, uma precarização da atividade profissional. É cada vez mais comum, especialmente nas universidades, ouvir que um jornalista deve saber trabalhar bem em qualquer meio de comunicação, independente de “aptidão”. Há, inclusive, grupos empresariais que resolvem juntar as redação de impresso e internet ou rádio e internet, de forma a cortar custos, mesmo que se trate, ou deveria se tratar, de diferentes formas de se transmitir uma informação.
Para citar um exemplo mais prático, basta lembrar que há correspondentes internacionais trabalhando sozinhos para TVs brasileiras em outros países. Acumulam-se várias atividades em torno de si: produzir, fazer a reportagem (entrevista, texto e gravar os vídeos), e pré-editar. Ou seja, uma pessoa só sendo o produtor da matéria, o repórter, o cinegrafista e o editor. A matéria vem ao Brasil e aqui pode ou não ser reeditada.
O ponto forte
Um dos casos bem interessantes para se abordar é o do concurso “Passaporte SporTV”, que contrata profissionais recém-formados e deixa claro que o intuito é ter alguém que possa trabalhar nas diferentes esferas de produção de notícia, podendo alimentar o site e os programas desta emissora de TV, fechada durante um ano. É um período de “experiência”.
Esta “multiplicidade de atividades” acaba por prejudicar, inclusive, profissionais mais antigos, que precisam se readaptar aos novos tempos de notícias a serem dadas de forma rápida e na maior quantidade possível, principalmente no caso da Internet; em que os erros, quando são corrigidos, já espalharam o seu rastro pela sociedade. Afinal, quem tende a olhar uma mesma matéria por duas vezes?
Quando vemos problemas, “manipulações” e coisas do tipo em notícias e reportagens, especialmente quando se trata de movimentos sociais, caso de protestos estudantis e greves de trabalhadores, por exemplo, há de se pensar que há toda uma cadeia de valores a ser percorrida para que a informação seja transmitida daquele jeito e não de outro. O ponto mais forte desta cadeia é o que se chama de “linha editorial” do grupo empresarial. Por mais que as grandes empresas de comunicação no Brasil tentem propagar uma impossível neutralidade no passar das informações, há assuntos que podem e que não podem ser divulgados. Só para citar um exemplo, infelizmente comum, poucas são as emissoras de TV que tratam de processos por questões trabalhistas contra as concorrentes. O motivo é simples: também há problemas trabalhistas nas outras.
Redações multitarefas
Este assunto expõe ainda um grande problema da situação atual da profissão: a precarização. Os jornalistas de redação têm que conviver, em sua maioria, com uma rotina muito cansativa, com alguns casos em que sequer há o respeito do mínimo de onze horas entre as duas jornadas de trabalho e/ou a carga horária de trabalho semanal (cinco ou seis horas por dia), por um salário cujo piso é baixo e diferente em cada estado, partindo de R$ 1.100 (Sergipe) a R$ 2.437 (Alagoas).
Além disso, a produção da notícia, de forma geral, vai além do jornalista, fotógrafo e/ou cinegrafista. Editores, chefes de redação, diretores de jornalismo e, quiçá, a alta cúpula da empresa; são várias as formações socioculturais envolvidas. Por mais que opiniões político-ideológicas possam ser bem parecidas, todos veem o mundo conforme a sua formação social, que é única. Daí que não se pode imaginar que não haverá mudanças num texto ou reportagem ao longo deste “tortuoso” caminho.
Claro que o intuito não é dizer que todos os jornalistas têm uma forte preocupação social. Infelizmente, a preparação universitária e os “exemplos” na vida profissional, com redações formadas por pessoas cada vez mais novas e com multitarefas, não se apresentam como garantia de um trabalho que “honre” a formação básica em Comunicação Social, antes de qualquer habilitação específica.
Poder político
Na Academia, caminha-se para a separação das habilitações, com graduação específica em Jornalismo, seguindo as definições de um grupo de pesquisadores e profissionais experientes formado pelo Ministério da Educação nos últimos anos. A questão é que se hoje já se tem uma forte preocupação em educar para o mercado, numa segmentação voltada a atender à prática profissional, talvez isso piore. Uma boa formação com demais disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, como Antropologia, Filosofia e Sociologia, ajuda, ao menos, a instigar outras preocupações no lidar com um fato ou pessoa antes e durante o produzir informação. Preocupar-se com o Outro, não apenas em cumprir o roteiro de pautas, é fundamental, por mais que as estruturas de poder da profissão nem sempre permitam isso.
O principal ponto deste texto foi mostrar, portanto, que é bom ter muito cuidado ao apontar a culpa para outro trabalhador, quando, na verdade, o problema é na Indústria Cultural, que carrega a ideologia da classe dominante. Por mais que estejamos cheios de exemplos ruins de atitudes profissionais, caso da jornalista do Brasil Urgente-BA e de tantos outros programas policiais – feitos até, em alguns casos, por pessoas que mal têm formação jornalística –, ou nas “tradicionais” matérias que envolvem pessoas com ideologia um pouco mais à esquerda.
A “luta” não deve ser entre os trabalhadores, todos com precarização profissional, baixos salários e condições de trabalho cada vez mais insalubres, mas contra quem permite que isso ocorra: esferas de poder político constituídas e os grupos empresariais, sejam comunicacionais ou não.
* PS: Este texto foi escrito no final de junho. O professor Valério Cruz Brittos, que se recuperava de um sério problema de saúde por conta de uma pneumonia, acabou por falecer no fim do mês seguinte. Jornalista, formado em Comunicação Social na Universidade Federal de Pelotas, trabalhou na profissão por alguns anos, cobrindo, dentre outros assuntos, a eleição de Fernando Collor de Mello para presidente da República como repórter político da sucursal de Brasília do jornal Zero Hora.
Do mesmo jeito que em outros setores industriais, a automatização também entrou nas redações, o que fez com que houvesse uma redução de pessoal e, consequentemente, uma precarização da atividade profissional. É cada vez mais comum, especialmente nas universidades, ouvir que um jornalista deve saber trabalhar bem em qualquer meio de comunicação, independente de “aptidão”. Há, inclusive, grupos empresariais que resolvem juntar as redação de impresso e internet ou rádio e internet, de forma a cortar custos, mesmo que se trate, ou deveria se tratar, de diferentes formas de se transmitir uma informação.
Para citar um exemplo mais prático, basta lembrar que há correspondentes internacionais trabalhando sozinhos para TVs brasileiras em outros países. Acumulam-se várias atividades em torno de si: produzir, fazer a reportagem (entrevista, texto e gravar os vídeos), e pré-editar. Ou seja, uma pessoa só sendo o produtor da matéria, o repórter, o cinegrafista e o editor. A matéria vem ao Brasil e aqui pode ou não ser reeditada.
O ponto forte
Um dos casos bem interessantes para se abordar é o do concurso “Passaporte SporTV”, que contrata profissionais recém-formados e deixa claro que o intuito é ter alguém que possa trabalhar nas diferentes esferas de produção de notícia, podendo alimentar o site e os programas desta emissora de TV, fechada durante um ano. É um período de “experiência”.
Esta “multiplicidade de atividades” acaba por prejudicar, inclusive, profissionais mais antigos, que precisam se readaptar aos novos tempos de notícias a serem dadas de forma rápida e na maior quantidade possível, principalmente no caso da Internet; em que os erros, quando são corrigidos, já espalharam o seu rastro pela sociedade. Afinal, quem tende a olhar uma mesma matéria por duas vezes?
Quando vemos problemas, “manipulações” e coisas do tipo em notícias e reportagens, especialmente quando se trata de movimentos sociais, caso de protestos estudantis e greves de trabalhadores, por exemplo, há de se pensar que há toda uma cadeia de valores a ser percorrida para que a informação seja transmitida daquele jeito e não de outro. O ponto mais forte desta cadeia é o que se chama de “linha editorial” do grupo empresarial. Por mais que as grandes empresas de comunicação no Brasil tentem propagar uma impossível neutralidade no passar das informações, há assuntos que podem e que não podem ser divulgados. Só para citar um exemplo, infelizmente comum, poucas são as emissoras de TV que tratam de processos por questões trabalhistas contra as concorrentes. O motivo é simples: também há problemas trabalhistas nas outras.
Redações multitarefas
Este assunto expõe ainda um grande problema da situação atual da profissão: a precarização. Os jornalistas de redação têm que conviver, em sua maioria, com uma rotina muito cansativa, com alguns casos em que sequer há o respeito do mínimo de onze horas entre as duas jornadas de trabalho e/ou a carga horária de trabalho semanal (cinco ou seis horas por dia), por um salário cujo piso é baixo e diferente em cada estado, partindo de R$ 1.100 (Sergipe) a R$ 2.437 (Alagoas).
Além disso, a produção da notícia, de forma geral, vai além do jornalista, fotógrafo e/ou cinegrafista. Editores, chefes de redação, diretores de jornalismo e, quiçá, a alta cúpula da empresa; são várias as formações socioculturais envolvidas. Por mais que opiniões político-ideológicas possam ser bem parecidas, todos veem o mundo conforme a sua formação social, que é única. Daí que não se pode imaginar que não haverá mudanças num texto ou reportagem ao longo deste “tortuoso” caminho.
Claro que o intuito não é dizer que todos os jornalistas têm uma forte preocupação social. Infelizmente, a preparação universitária e os “exemplos” na vida profissional, com redações formadas por pessoas cada vez mais novas e com multitarefas, não se apresentam como garantia de um trabalho que “honre” a formação básica em Comunicação Social, antes de qualquer habilitação específica.
Poder político
Na Academia, caminha-se para a separação das habilitações, com graduação específica em Jornalismo, seguindo as definições de um grupo de pesquisadores e profissionais experientes formado pelo Ministério da Educação nos últimos anos. A questão é que se hoje já se tem uma forte preocupação em educar para o mercado, numa segmentação voltada a atender à prática profissional, talvez isso piore. Uma boa formação com demais disciplinas das Ciências Humanas e Sociais, como Antropologia, Filosofia e Sociologia, ajuda, ao menos, a instigar outras preocupações no lidar com um fato ou pessoa antes e durante o produzir informação. Preocupar-se com o Outro, não apenas em cumprir o roteiro de pautas, é fundamental, por mais que as estruturas de poder da profissão nem sempre permitam isso.
O principal ponto deste texto foi mostrar, portanto, que é bom ter muito cuidado ao apontar a culpa para outro trabalhador, quando, na verdade, o problema é na Indústria Cultural, que carrega a ideologia da classe dominante. Por mais que estejamos cheios de exemplos ruins de atitudes profissionais, caso da jornalista do Brasil Urgente-BA e de tantos outros programas policiais – feitos até, em alguns casos, por pessoas que mal têm formação jornalística –, ou nas “tradicionais” matérias que envolvem pessoas com ideologia um pouco mais à esquerda.
A “luta” não deve ser entre os trabalhadores, todos com precarização profissional, baixos salários e condições de trabalho cada vez mais insalubres, mas contra quem permite que isso ocorra: esferas de poder político constituídas e os grupos empresariais, sejam comunicacionais ou não.
* PS: Este texto foi escrito no final de junho. O professor Valério Cruz Brittos, que se recuperava de um sério problema de saúde por conta de uma pneumonia, acabou por falecer no fim do mês seguinte. Jornalista, formado em Comunicação Social na Universidade Federal de Pelotas, trabalhou na profissão por alguns anos, cobrindo, dentre outros assuntos, a eleição de Fernando Collor de Mello para presidente da República como repórter político da sucursal de Brasília do jornal Zero Hora.
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