Editorial do sítio Vermelho:
O caso das acusações de racismo contra a obra de Monteiro Lobato, que foi objeto de uma audiência de conciliação na noite de terça-feira (11) no Supremo Tribunal Federal (STF) permite duas reflexões.
A primeira diz respeito à verdadeira histeria que acomete a imprensa brasileira levando-a a considerar como “censura” e ver limitações à liberdade de expressão em qualquer atitude de exame do conteúdo de uma obra escrita. Não há – não houve – pedido de suspensão, proibição ou qualquer restrição à publicação e circulação do livro na denúncia levantada em outubro de 2010 pelo pesquisador Antonio Gomes da Costa Neto (que era então mestrando em relações raciais na Universidade de Brasília) e pelo movimento negro contra o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. O que houve foi um pedido para que fosse excluído do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e de outros programas do governo para a compra de livros e distribuição a estudantes e bibliotecas escolares.
O outro aspecto, pouco ressaltado mas central na proposta de conciliação apresentada ao STF pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) e pelo pesquisador, é o debate absolutamente necessário sobre a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira e das relações étnico-raciais, envolvendo medidas para sua concretização nas escolas públicas e privadas, e em todos os níveis – desde a educação fundamental até aos cursos de pós-graduação.
A legislação pela implantação desse ensino antirracista vai completar uma década. Foi em 9 de janeiro de 2003 que o presidente Lula alterou a lei 10.639, de 1996 (que regula as diretrizes e bases da educação nacional) para incluir nela a obrigatoriedade do ensino da “história e cultura afro-brasileira”. As diretrizes a respeito foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em março de 2004 e reguladas por uma resolução do CNE em junho do mesmo ano.
Desde então, contudo, sua aplicação é pífia: entre os cerca de dois milhões de professores brasileiros, apenas 69 mil receberam cursos de capacitação para o ensino das relações étnico-raciais. Isto é, apenas um em cada grupo de 30 professores; ou menos de 4% do total.
Foi contra esse descaso, esse número irrisório de mestres capacitados para o combate ao racismo, esse flagrante desrespeito à lei antirracista, que o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) e Antonio Gomes da Costa Neto levantaram a questão e a levaram ao STF.
Embora a audiência da terça-feira não tenha sido conclusiva, ela representou um avanço, na avaliação dos participantes – desde o ministro Luiz Fux, relator do caso, até os representantes do Ministério da Educação (MEC), da Advocacia-Geral da União, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do IARA e do pesquisador Antônio Gomes da Costa Neto. Avanço no sentido de haver ampla concordância sobre a necessidade da concreta implementação da lei que instituiu o ensino antirracista.
A proposta de conciliação feita pelo IARA ao STF apresentou duas alternativas: ou o livro de Lobato fica mantido fora dos programas oficiais de compra e distribuição de livros a bibliotecas e estudantes, ou se avança para o compromisso da implementação de medidas efetivas para a formação e capacitação de educadores sobre a temática racial, com garantia do Ministério da Educação de aplicação da lei em todos os níveis de ensino no país. “Apesar de todo o conjunto de normas existentes, elas não são obrigatórias, e muitos professores as acham desnecessárias, porque não veem racismo em Monteiro Lobato”, afirmou Antônio Costa Neto.
Este é um ponto fundamental – o combate ao racismo não se faz com a proibição de livros. Mesmo porque nenhum autor vive ou produz à margem das circunstâncias e contradições de seu tempo.
Caçadas de Pedrinho, publicado em 1933, reflete o racismo vigente e também a luta pela afirmação do povo brasileiro, na qual Lobato – apesar de suas deficiências – foi um campeão. Amigo da esquerda e do Partido Comunista do Brasil, seu sepultamento em 1948 foi um retrato do carinho que os moradores da cidade de São Paulo dedicavam a ele: a cidade parou, o comércio fechou, e seu féretro foi acompanhado por 200 mil pessoas numa São Paulo que não chegava a ter dois milhões de habitantes. Esta homenagem de um em cada dez paulistanos a um escritor (não a um político ou uma estrela das artes, dos espetáculos ou dos esportes) revela quanto ele estava afinado com os problemas, inquietações e contradições de seu tempo.
Uma dessas contradições mais cruéis – e que ainda se mantém – é o racismo, contra o qual aquele escritor democrata e avançado não foi um combatente de primeira linha, embora, apesar daquelas expressões racialmente ofensivas, tenha descrito personagens de pele negra, como Tia Anastácia de Caçadas de Pedrinho e outros livros, com visível simpatia e calor humano.
Daí o mérito da audiência iniciada no STF sobre a questão, e que prosseguirá no próximo dia 25: a obra de Lobato pode ser um instrumento pedagógico para a discussão do racismo em sala de aula e a luta contra ele. Mas para isso, além dos livros, é preciso também ter legiões de mestres preparados para esse combate.
O caso das acusações de racismo contra a obra de Monteiro Lobato, que foi objeto de uma audiência de conciliação na noite de terça-feira (11) no Supremo Tribunal Federal (STF) permite duas reflexões.
A primeira diz respeito à verdadeira histeria que acomete a imprensa brasileira levando-a a considerar como “censura” e ver limitações à liberdade de expressão em qualquer atitude de exame do conteúdo de uma obra escrita. Não há – não houve – pedido de suspensão, proibição ou qualquer restrição à publicação e circulação do livro na denúncia levantada em outubro de 2010 pelo pesquisador Antonio Gomes da Costa Neto (que era então mestrando em relações raciais na Universidade de Brasília) e pelo movimento negro contra o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. O que houve foi um pedido para que fosse excluído do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e de outros programas do governo para a compra de livros e distribuição a estudantes e bibliotecas escolares.
O outro aspecto, pouco ressaltado mas central na proposta de conciliação apresentada ao STF pelo Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) e pelo pesquisador, é o debate absolutamente necessário sobre a obrigatoriedade do ensino da cultura afro-brasileira e das relações étnico-raciais, envolvendo medidas para sua concretização nas escolas públicas e privadas, e em todos os níveis – desde a educação fundamental até aos cursos de pós-graduação.
A legislação pela implantação desse ensino antirracista vai completar uma década. Foi em 9 de janeiro de 2003 que o presidente Lula alterou a lei 10.639, de 1996 (que regula as diretrizes e bases da educação nacional) para incluir nela a obrigatoriedade do ensino da “história e cultura afro-brasileira”. As diretrizes a respeito foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em março de 2004 e reguladas por uma resolução do CNE em junho do mesmo ano.
Desde então, contudo, sua aplicação é pífia: entre os cerca de dois milhões de professores brasileiros, apenas 69 mil receberam cursos de capacitação para o ensino das relações étnico-raciais. Isto é, apenas um em cada grupo de 30 professores; ou menos de 4% do total.
Foi contra esse descaso, esse número irrisório de mestres capacitados para o combate ao racismo, esse flagrante desrespeito à lei antirracista, que o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) e Antonio Gomes da Costa Neto levantaram a questão e a levaram ao STF.
Embora a audiência da terça-feira não tenha sido conclusiva, ela representou um avanço, na avaliação dos participantes – desde o ministro Luiz Fux, relator do caso, até os representantes do Ministério da Educação (MEC), da Advocacia-Geral da União, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), do IARA e do pesquisador Antônio Gomes da Costa Neto. Avanço no sentido de haver ampla concordância sobre a necessidade da concreta implementação da lei que instituiu o ensino antirracista.
A proposta de conciliação feita pelo IARA ao STF apresentou duas alternativas: ou o livro de Lobato fica mantido fora dos programas oficiais de compra e distribuição de livros a bibliotecas e estudantes, ou se avança para o compromisso da implementação de medidas efetivas para a formação e capacitação de educadores sobre a temática racial, com garantia do Ministério da Educação de aplicação da lei em todos os níveis de ensino no país. “Apesar de todo o conjunto de normas existentes, elas não são obrigatórias, e muitos professores as acham desnecessárias, porque não veem racismo em Monteiro Lobato”, afirmou Antônio Costa Neto.
Este é um ponto fundamental – o combate ao racismo não se faz com a proibição de livros. Mesmo porque nenhum autor vive ou produz à margem das circunstâncias e contradições de seu tempo.
Caçadas de Pedrinho, publicado em 1933, reflete o racismo vigente e também a luta pela afirmação do povo brasileiro, na qual Lobato – apesar de suas deficiências – foi um campeão. Amigo da esquerda e do Partido Comunista do Brasil, seu sepultamento em 1948 foi um retrato do carinho que os moradores da cidade de São Paulo dedicavam a ele: a cidade parou, o comércio fechou, e seu féretro foi acompanhado por 200 mil pessoas numa São Paulo que não chegava a ter dois milhões de habitantes. Esta homenagem de um em cada dez paulistanos a um escritor (não a um político ou uma estrela das artes, dos espetáculos ou dos esportes) revela quanto ele estava afinado com os problemas, inquietações e contradições de seu tempo.
Uma dessas contradições mais cruéis – e que ainda se mantém – é o racismo, contra o qual aquele escritor democrata e avançado não foi um combatente de primeira linha, embora, apesar daquelas expressões racialmente ofensivas, tenha descrito personagens de pele negra, como Tia Anastácia de Caçadas de Pedrinho e outros livros, com visível simpatia e calor humano.
Daí o mérito da audiência iniciada no STF sobre a questão, e que prosseguirá no próximo dia 25: a obra de Lobato pode ser um instrumento pedagógico para a discussão do racismo em sala de aula e a luta contra ele. Mas para isso, além dos livros, é preciso também ter legiões de mestres preparados para esse combate.
Esquecem-se tb. da batalha travada por Monteiro Lobato com a questão da pesquisa do petróleo em solo nacional, do qual foi um árduo defensor e por cuja causa chegou a ser preso.
ResponderExcluirContinuo a achar que devemos ser cautelosos nessas questões, para não cairmos no outro extremo. Isso tb. é mto perigoso.