sábado, 20 de outubro de 2012

Chávez e a derrota dos barões da mídia

Por Roberto Amaral, na CartaCapital:

A pergunta não pode ser outra: por que os jornalões brasileiros, se excedendo em face dos jornalões norte-americanos (suas matrizes ideológicas), mentem tanto com relação à Venezuela e ao chavismo? Se essa campanha de permanente e sistemática desinformação, pelo que não diz, mas principalmente pela infâmia e a calúnia quando fala, não atende aos interesses estratégicos e comerciais brasileiros, isto é, do empresariado brasileiro, a serviço de quem está nossa grande imprensa?

Cegos pelas suas paixões ideológicas, sua ideologia de classe, nosso baronato da imprensa monopolizada tem, sistematicamente, deixado de fazer aquilo que diz ser o objetivo de seus veículos: informar. Chávez, Judas a ser malhado permanentemente, é um dos temas que dão maior relevo ao fenômeno, no qual tudo vira editorial, e esvanece a investigação jornalística, sem contraditório. Esse trabalho sempiterno de manipulação da verdade, embora fuja mais ao controle nesses tempos de aldeia global conectada, tem sido efetivo na formação de uma classe média, como todos sabemos, ignorantíssima e reacionaríssima.

É irrelevante para nossos murdochs subdesenvolvidos (o país cresce, agora é ‘emergente’, mas eles, os barões da indústria mediática, continuam medíocres, subdesenvolvidos, no sentido mais pejorativo da palavra) que o processo político venezuelano dos últimos 16 anos se tenha transcorrido mediante seguidas eleições, ou seja, mediante o pronunciamento livre da soberania popular, eleições jamais acusadas dos vícios e das fraudes que permeiam, por exemplo, as eleições norte-americanas, de que é exemplo notável, indiscutível, a primeira eleição do Bush filho. Porque a norte-americana é uma democracia representativa de eleições indiretas, controladas ostensivamente pelo poder econômico, campeãs em abstenção, ou seja, desapartadas do povo. Aliás desde a farsa das primárias (alguém na face da Terra tinha dúvida de que Mitt Romney seria o candidato dos republicanos e Obama, o dos democratas?) o primeiro round dessas eleições é decidido na captação de recursos dos grandes conglomerados econômicos, dos quais a Casa Branca, por óbvio, se torna devedora/servidora, como bem demonstra a generosidade de Obama para com os banqueiros pegos em fraude.

Mas, voltemos à Venezuela, lembrando que nesses 16 anos de chavismo uma só vez a vida democrática e constitucional foi interrompida, exatamente quando a direita venezuelana, com apoio ostensivo da CIA, do Pentágono, do Departamento de Estado e sob a gerência do embaixador de Washington em Caracas, e em conluio com a imprensa local (aplaudida pela imprensa brasileira repetindo a imprensa dos EUA) intentou um golpe militar (saudado pelo Departamento de Estado em vergonhosa gafe diplomática), desbaratado pelo povo nas ruas.

Disso não se lembra nossa imprensa ‘liberal’, que (por que será?) não informa aos seus leitores que Capriles dominou quase 70% do espaço eleitoral, que o chanceler chileno, do governo conservador de Sebastián Piñera, destacou que as eleições venezuelanas constituíram “um exercício democrático impecável” (‘Dupla derrota da Casa Branca e do Pentágono’, Raúl Zibechoi, Programa de las Américas, 21.10.2012) nem informa que Jimmy Carter declarou que “Das 92 eleições que monitoramos [seu Centro de direitos humanos], eu diria que o processo eleitoral venezuelano é o melhor do mundo” (idem.). Nossos jornalões, quando não mentem, omitem as notícias que contrariam suas linhas editoriais, desinformando a opinião pública, deliberadamente.

Vejamos as principais características desse processo que o ex-presidente democrata classifica como “o melhor do mundo”, descritos pelo professor e constitucionalista Sérvulo Sérvulo, que acompanhou as eleições venezuelanas, a convite do Conselho Nacional Eleitoral (Valor, ed. de 9.10.12):

“[...] Na Venezuela as urnas eleitorais, com sistemas eletrônicos de última geração, foram consideradas seguras por todos: governo, oposição, especialistas, acompanhantes internacionais; elas garantem o sigilo e a destinação do voto, ao contrario do que ocorre no Brasil, onde as urnas são vulneráveis e o autor do voto não sabe para quem ele foi contado. Tampouco há, no pais de Bolívar, uma Justiça eleitoral semelhante à brasileira, que acumula funções normativas, executivas e judiciárias, julgando afinal o que ela própria decidiu e fez; na Venezuela as eleições são organizadas e realizadas pelo Conselho Nacional Eleitoral, um poder do Estado tão autônomo quanto o Executivo, o Legislativo e o judiciário; em caso de impugnação, suas decisões administrativas são submetidas ao judiciário comum.

Algum leitor acaso estará lembrado das trapalhadas que caracterizaram a apuração das eleições norte-americanas que, graças à fraude, deram ao segundo Bush a primeira eleição, um processo que compreendia e compreende (em face da diversidade de legislação e procedimento a que cada Estado tem direito) também o voto em cédulas de papel e a apuração manual?

Antes do pleito, nossa imprensa tonitruou, autoritária, que Capriles venceria e, se acaso perdesse, seria graças à fraude (ora, eleições na Venezuela da ‘ditadura’ chavista haveriam de ser necessariamente fraudulentas); outros setores reacionários admitiam a vitória de Chávez, mas essa seria por margem tão pequena que lhe retiraria qualquer legitimidade para governar, a não ser perpetrando um golpe. Todas essas elucubrações dos nossos palpiteiros de encomenda (frequentemente intitulados ‘formadores de opinião’) foram desmentidas pelos fatos: não houve fraude, Chávez venceu com mais de 11 pontos sobre Capriles, as eleições não foram contestadas e a oposição aceitou o resultado. O candidato derrotado chegou mesmo a manter cordial conversa com o presidente reeleito.

E agora, Murdochs?

O que move as cordas que dirigem a militância reacionária de nossa imprensa – ainda impressionando os ainda incautos— é o caráter do regime bolivariano, a saber, a opção pelas massas, que explica as eleições e reeleições na America do Sul de presidentes desatentos ao catecismo anti-popular do neoliberalismo: Venezuela, Equador, Brasil, Uruguai, Argentina e Bolívia. Todos, em doses diferentes, detestados pela Sociedade Interamericana de Imprensa (segundo Paulo Henrique Amorim a Sociedad Interamericana del Golpe), atenta às recomendações da CIA.

Que Chávez seja detestado pela CIA, que já tentou depô-lo, é compreensível, porque os interesses norte-americanos vêm sendo por ele justamente contrariados. O golpismo está na programação genética da política externa dos EUA. Até nós sabemos, com as costas lanhadas. Mas, que temos nós a reclamar, se o governo da Venezuela, democrático, nos apóia politicamente e abre sua economia para as empresas brasileiras? Insuportável, na realidade, é que a Venezuela tenha à frente de seu governo um não-branco, ademais de quadro estranho ao establhisment; é insuportável a sobrevivência política e popular de um governo nacionalista (vá lá a palavra anatematizada), que, ao invés de submeter-se aos interesses dos EUA, privilegia os seus, promove a defesa de suas riquezas – postas a serviço de seu povo— e sua soberania. É insuportável que ao invés de governar para os 1% que constituem sua perversa e corrupta classe dominante – forânea, alienígena, com o umbigo e o coração em Miami-— governe com vistas ao conjunto da população e privilegie os interesses dos mais pobres.

Esse Chávez reeleito para um quarto mandato, apesar da oposição da imprensa venezuelana e apesar dos muitos milhões que Washington desperdiçou na campanha do principal candidato oposicionista (havia outros cinco além de Capriles), distribuiu com seu povo os lucros da PDVSA que, antes, lucros, os quais, antes iam para os bolsos insaciáveis de meia dúzia de famílias e altos funcionários;cortou pela metade a pobreza, duplicou o número de alunos nas universidades e assegurou saúde pública, aposentadoria e cuidados médicos para milhões de venezuelanos que recebem atenção governamental pela primeira vez, porque pela primeira vez têm vez e hora os deserdados, o ‘povinho’ de cor que põe as mãos na graxa ou na terra, ‘povinho’ (aqui o termo corrente é ‘povão’), a plebe que sua e veste macacão, mora distante dos bairros grã-finos e vai para o trabalho de ônibus ou trem.

Essa emergência das massas é tão profunda que parece superar aquela que levou Lula à presidência. Pensando bem, o ódio é compreensível.

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