quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O STF e a suprema caricatura

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Por Lula Miranda, no sítio Carta Maior:

Recebi, via e-mail [como muitos, imagino], uma fotografia do ministro Joaquim Barbosa, relator da Ação Penal 470 em julgamento no Supremo, de costas no plenário, associando-o ao Batman. Essa mensagem, imantada com o brilho reluzente e enganador do verniz das aparências, parece simbolizar e sintetizar uma espécie de redenção do povo brasileiro, que estaria, finalmente, vingado de toda a corrupção e de todas as mazelas da política brasileira por esse novo paladino, “o vingador” – aquele que (re)surge das trevas para nos redimir. Mas, se formos um pouco além das aparências na análise dessa caricata imagem, ela poderá de fato nos ensinar algo: que a fantasia pode mascarar a realidade. E algo mais: que a luz ainda não iluminou, de fato, as trevas. Pobre da sociedade que educa o seu povo através de grotescas caricaturas.

Antes do começo do julgamento no Supremo, confiava plenamente na justiça e lisura dos ministros - e do julgamento em si. Afinal, estavam ali reunidos supostamente os melhores magistrados e juristas do país, “homens e mulheres de alta autoridade moral e reconhecido saber”, que iriam se debruçar, com a devida atenção e denodo, sobre os autos do processo; analisar com prudência magna, e de modo imparcial, as acusações do procurador e as alegações dos advogados de defesa; debater com seus pares da Corte e assim certamente chegar a um consenso e, por fim, a um veredito. Far-se-ia justiça então.

Mas com os holofotes e a pressão desmedida da grande mídia, e do paradoxalmente silencioso estrépito da chamada “opinião pública” (forjada por essa mesma mídia), percebe-se nitidamente que alguns ministros abandonaram os autos e a verdade factual, deixaram a toga de lado e vestiram, não sem um certo garbo, diga-se, a fantasia de paladinos da justiça, de “super-heróis”. Dessa vez, sem acusar desconforto algum com a fria lâmina da navalha dos jornalistas e dos grandes veículos a lhes ameaçar o pescoço, como na ocasião da aceitação da denúncia [lembre-se da frase proferida numa conversa informal pelo ministro Lewandowsky : “A imprensa acuou o Supremo... Todo mundo votou com a faca no pescoço ”].

Algo se perdeu no caminho da busca pela Justiça. O que parece estar ocorrendo é uma espécie de “justiçamento”. Tudo para agradar as galerias – sim, como nos tempos da Roma antiga. Os justos, os que deviam clamar pelo império da lei, calam-se. A imprensa manietou o Supremo.

Desgraçadamente vivemos tempos sombrios, de homens medíocres. Vivemos numa “sociedade do espetáculo” - na qual o que importa são as aparências, o verniz, o aplauso fácil, ligeiro, o “ibope” aferido no calor do momento, o jargão grandiloquente. Vivemos num mundo de verdades tão absolutas quanto aparentes; vivemos numa sociedade caricata - daí talvez compararem o eminente ministro com o “homem morcego”, o “cavaleiro das trevas”. Seria risível, não fosse trágico. Não é digno de cavalheiros fazer graça com a desgraça alheia. Porque o que está em jogo é a dignidade e a vida de dezenas de cidadãos (algo que não pode ser negociado assim, como numa feira, “de baciada”, às dezenas) – quer gostemos ou não, indivíduos inocentes até prova em contrário. E esse não é um mero axioma ou “detalhe”; é princípio basilar do Estado de Direito.

Esse histórico julgamento no Supremo está acontecendo de maneira açodada/apressada num aparente cálculo para colidir com o calendário eleitoral e assim causar algum prejuízo, nas eleições de outubro para prefeito e vereador, aos candidatos do PT e nos partidos da base aliada.

Por que tanta pressa em julgar nesse momento, passados 7 anos, acelerando os trâmites e os debates? Por que essa celeridade e atropelo justo agora? Quem assiste ao julgamento pela TV tem a nítida impressão que ali se encena um espetáculo teatral, cujo roteiro e final é por todos previamente conhecido. Alguns ministros sequer prestaram atenção nas alegações das defesas dos réus ou acompanham atentamente os votos dos seus pares; meros indícios tornam-se provas cabais; algumas argumentações e alegações do relator desrespeitam princípios básicos do direito! Ah, a prostituta das provas...

Não se trata de querer defender o indefensável. Não se apresse você também em me condenar ou as minhas palavras e ideias. Quem cometeu crime(s) deve pagar – na forma da lei. Por isso merece um julgamento justo, imparcial, sem “faca no pescoço”, sem “subjetividades” que incriminam. Não devemos nos inclinar para nenhum lado da balança que define o equilíbrio e simboliza a Justiça.

Em qual escaninho da justiça ficou o suposto “mensalão mineiro”, a aparente origem de todo esse esquema escuso de financiamento de campanhas, mas que envolvia outras agremiações partidárias [PSDB e PFL (atual DEM) à frente] – estas inatacáveis, pois filhas legítimas da casa-grande?

Por que o Supremo [e também os jornalistas e os órgãos de imprensa] em vez de jogar para as galerias e apenas condenar, em alguns casos de modo precipitado e sem a devida prova, somente uns poucos graúdos e muitos mequetrefes pelos seus supostos crimes, não condena também, e principalmente, aí sim, toda essa prática deletéria e criminosa de “caixa 2” ou as/os “caixinhas” dos partidos políticos [de todos eles – a exceção, talvez, do PSol e do PSTU] e propõe, em caráter de urgência, a discussão de uma reforma política ao Congresso e ao país? Seria talvez mais honesto. Para assim se tentar coibir essa prática, tão usual e conhecida por todos (hipocrisia à parte), dos arrecadadores ou “operadores” dos partidos políticos que se instalam nas empresas, autarquias e fundações públicas, tal qual cupins, para extorquir/achacar empresários e assediar e intimidar funcionários de carreira, carcomendo assim a estrutura da coisa pública e a integridade dos homens. Dessa forma, aí sim, o Supremo estaria, de modo soberano, cumprindo o seu papel de melhorar as instituições e a sociedade.

Caso contrário, ao final desse triste “espetáculo”, perceberemos constrangidos, que todos nós, os bem intencionados, a que tudo aplaudimos, de pé e entusiasticamente, fomos, sem o saber, cúmplices inocentes da criminosa hipocrisia com a qual nos enganamos desde sempre. Hipocrisia, lastro bastardo dessa falsa moral com a qual nos embriagamos e nos fartamos.

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