segunda-feira, 26 de novembro de 2012

"Mensalão" e a história mal contada

Por Marcos Coimbra, na revista CartaCapital:

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e os comentaristas da “grande imprensa” estão tão satisfeitos uns com os outros e tão felizes com a história que montaram sobre o “mensalão” que nem sequer se preocupam com seus furos e inconsistências.

Para os cidadãos comuns, é daquelas que só fazem sentido quando não se tem muito interesse e basta o que os americanos chamam de big picture. Quando, por preguiça ou preconceito, ficam satisfeitos com o que acham que sabem, mesmo que seja apenas uma “impressão geral”.

A história faz água por todos os lados.

Se fosse preciso apresentá-la de forma simplificada (e dispensando as adjetivações raivosas típicas dos comentaristas de direita), ela conta que José Dirceu e José Genoino criaram um “esquema” entre 2004 e 2005 para desviar recursos públicos, comprar votos no Congresso e assim “perpetuar o PT no poder”. Para secundá-los, teriam montado uma “quadrilha”.

Mas, e se alguém quisesse entendê-la melhor? Se perguntasse, por exemplo, em que sentido a noção de recursos públicos é usada? Se fosse além, tentando perceber o que os responsáveis pelo plano fariam com os votos que pagassem? Se solicitasse uma explicação a respeito de nosso sistema político, para compreender a que esse apoio serviria?

Em qualquer lugar do mundo, a ideia de “desvio” implica a caracterização inequívoca da origem pública e da destinação privada do dinheiro. Alguém, indivíduo ou grupo, precisa ganhar – ou querer ganhar – valores surrupiados do Tesouro. S­enão, o caso muda de tipificação e passa a ser de incompetência.

A história do “mensalão” não faz sentido desde o primeiro postulado. Só com imensa forçação de barra se podem considerar públicos os recursos originados da conta de propaganda do Visanet, como demonstra qualquer auditoria minimamente correta.

A tese da compra de apoio parlamentar é tão frágil quanto a anterior. O que anos de investigações revelaram foi que a quase totalidade dos recursos movimentados no “mensalão” se destinou a ressarcir despesas partidárias, eleitorais ou administrativas, do PT.

Todos sabemos – pois os réus o admitiram desde o início – que a arrecadação foi irregular e não contabilizada. Que houve ilegalidade no modo como os recursos foram distribuídos. Só quem vive no mundo da lua ou finge que lá habita imagina, no entanto, que práticas como essas são raras em nosso sistema político. O que não é desculpa, mas as contextualiza no mundo real, que existia antes, existiu durante e continua a existir depois que o “mensalão” veio à tona.

A parte menos importante desses recursos, aquela que políticos de outros partidos teriam recebido “vendendo apoio”, é a peça-chave de toda a história que estamos ouvindo. É a única razão para condenações a penas absurdamente longas.

Não há demonstração no processo de que Dirceu e Genoino tivessem comprado votos no interesse do governo. Simplesmente não é assim que as coisas funcionam no padrão brasileiro de relacionamento entre o Executivo e o Congresso. Que o digam todos os presidentes desde a redemocratização.

Os dois líderes petistas queriam votos para aprovar a reforma da Previdência Social? A reforma tributária? É possível, mas nada comprova que pagassem parlamentares para que o Brasil se modernizasse e melhorasse.

A elucubração mais absurda é de que tudo tinha o objetivo escuso de “assegurar a permanência do PT no poder” (como se esse não fosse um objetivo perfeitamente legítimo dos partidos políticos!).

Os deputados da oposição que ficaram do lado do governo nessas votações são uma resposta à fantasia. Votaram de acordo com suas convicções, sem dar a mínima importância a lendas sobre “planos petistas maquiavélicos”.

E o bom senso leva a outra pergunta. Alguém, em sã consciência, acha que o resultado da eleição presidencial de 2006 estava sendo ali jogado? Que a meia dúzia de votos sendo hipoteticamente “comprados” conduziria à reeleição?

O que garante a continuidade de um governo é o voto popular, que pouco tem a ver com maiorias congressuais. E a vitória de Lula mostra quão irrelevante era o tal “esquema do mensalão”, pois veio depois do episódio e apesar do escândalo no seu entorno.

Os ministros da Suprema Corte, a PGR e seus amigos se confundiram. A vez de comprar votos na Câmara para permanecer no poder tinha sido outra. Mais exatamente acontecera em 1997, quando, sob sua benevolente complacência, a emenda da reeleição foi aprovada.

3 comentários:

  1. Corroborando essa visão, ter maioria no Congresso só ajuda algum partido a se 'perpetuar no poder' se utilizar essa maioria só para aprovar projetos de grande interesse social, o que não foi bem o caso na aludida Reforma da Previdência. E se houve outros projetos de interesse social que tenham sido aprovados sob esse suposto sistema, o próprio interesse social seria um fator justificador, e não algo negativo a se reprovar. Mas o que nunca se viu no mundo é um sistema de corrupção no qual os supostos corruptores não enriquecem - como de fato não ocorreu com Dirceu e Genoíno, que tiveram desde o início seus sigilos quebrados. A mídia tucana e os procuradores e ministros tucanos não acharam nada que levasse a crer que tivesse havido o necessário enriquecimento ilícito dos acusados, sem o qual a denúncia de corrupção se esvazia por inteiro. Como bem diz o Marcos Coimbra, muitos buracos tem essa estória. Como o tribunal e o julgamento foram de exceção, tudo isso vira 'detalhes inoportunos'.

    ResponderExcluir
  2. O que é incrível é os Ministros e Ministras do STF (excetuando: Gilmar, Marco Aurélio e Celso Mello, pois a esses não interessavam a verdade e sim a condenação do PT), não terem feito um raciocínio tão claro quanto o exposto nesse artigo. Mesmo antes de lê esse artigo eu já trilhava esse mesmo raciocínio. Compraram o que? Por que? Por que o PT pagou o empréstimo do BMG em juízo, com a homologação da autoridade que comandava o processo de execução da dívida, se o STF diz que referido empréstimo foi fraudulento? Por que os recursos da Visanet, onde o BB tem um percentual tão pequeno de participação (acho que 4 ou 6%), empresa de administração de Cartões de Crédito onde vários bancos privados estão agregados, foi considerada pública? São tantas as perguntas! Por que os senhores Ministros e Ministras não viram o que vemos com tanta evidência? Estou pasmo e vou continuar sem entender!

    ResponderExcluir

  3. Collor quer que CPI do Cachoeira peça indiciamento de Gurgel e da mulher
    Discurso no Senado nesta segunda-feira 26
    em http://www.viomundo.com.br/politica/collor-quer-que-cpi-do-cachoeira-peca-indiciamento-de-gurgel-e-a-mulher.html/comment-page-1#comment-398365
    #############################
    … Muito bem, senador Collor de Mello: procurador-geral da República – sobretudo *”quando comprovadamente prevaricador!” -, nem aqui nem na Conchinchina, é ser inimputável!…
    *segundo o senador Collor de Mello!

    … Discurso com ‘H’ maiúsculo!…

    Parabéns, senador Collor de Mello!

    Felicidades!

    A nação e a história agradecem o seu destemido e substanciado pronunciamento!

    [... 'Cadê' os parlamentares do PT e dos outros partidos ditos de esquerda, excetuando "o ingênuo" PSOL alinhado à DIREITONA?!...]

    BRASIL (QUASE-)NAÇÃO
    Bahia, Feira de Santana
    Messias Franca de Macedo

    ResponderExcluir

Comente: