Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:
Quando quiser, e se um dia achar conveniente, o ministro Marco Aurélio Garcia - assessor internacional da Presidência da República desde o governo Lula - poderá escrever um dos livros mais interessantes destes tempos em que a América Latina deixou de ser o terreno baldio dos EUA.
Garcia, ou simplesmente MAG, como é tratado pelos mais próximos, participou diretamente ou testemunhou todos - repita-se, todos - os principais episódios da construção inconclusa da nova agenda regional, destinada a devolver aos povos latino-americanos o comando de seu destino histórico e geopolítico.
Ao lado de Samuel Pinheiro Guimarães e do ex-embaixador Celso Amorim, ele compôs o trio que definitivamente reposicionou a política externa brasileira no século 21.
E o fez para bem longe daquilo que ficou conhecido como 'a diplomacia dos pés descalços'.
Em 31 de janeiro de 2002, o então chanceler do governo FHC, Celso Lafer, submeteu-se ao humilhante ritual de tirar os sapatos no aeroporto de Miami. Uma imposição da segurança ianque, se quisesse ingressar no país.
Se essa condição um dia fosse imposta a MAG, o que aconteceria?
Alguma dúvida?
Nem 'eles', nem os seus assemelhados nativos, as tem.
Discreto sem nunca ser acanhado, MAG sabe a hora certa de ser contundente com os poderes e os poderosos que nutrem justificados temores em relação a ele.
Professor aposentado do Departamento de História da Unicamp, esse gaucho que lecionou também em universidades de Paris e Santiago, ocupou a vice -presidência da UNE nos anos 60 e, coisa que poucos sabem, exerceu um mandato de vereador em Porto Alegre.
Em 2001, seu texto elegante e articulado, que mais tarde ordenaria dezenas de discursos internacionais do Presidente Lula, ajudaria a alavancar um site ainda em fraldas: Carta Maior, da qual foi um prestigiado colunista.
Seu nome se tornou uma espécie de carimbo presente nos principais capítulos da luta política da esquerda brasileira nas últimas décadas.
Ecumênico nesse campo, com bom trânsito entre as variadas correntes políticas, de suas convicções mais fundas apenas Lula costuma às vezes ironizar: ' Ele não diz nada, mas batizou o filho de Leon...'
MAG coordenou o Programa de Governo do Presidente Lula nas eleições de 1994, 1998 e 2006.
Exerceu a mesma coordenação sobre o Programa de Governo da Presidente Dilma Rousseff, na eleição de 2010.
Na luta pela reeleição de Lula, antecedida da tentativa de impeachment contra o presidente com base na 'denúncia' do chamado 'mensalão', foi ele quem comandou a campanha vitoriosa.
O cerco conservador era absoluto.
Muitos dentro do próprio PT defendiam genuflexões à mídia.
Alguns, os mais afoitos, avocavam-se a prerrogativa de promover expedições 'pacificadoras' junto a donos de corporações que vergastavam o partido e o Presidente diuturnamente.
Traziam promessas de 'trégua' que nunca se confirmaram.
Ao contrário.
Reinava um clima de 'agora ou nunca'.
Insuficiente porém para dobrar a altivez política de MAG.
Em meio à beligerância ostensiva, às vésperas do primeiro turno, o então colunista de Veja, Diogo Mainardi, que dispensa apresentações, solicitou-lhe por e-mail uma entrevista exclusiva.
“Eu gostaria de entrevistá-lo por cerca de quatro minutos para um podcast da Veja. O assunto é a imprensa. Eu me comprometo a não cortar a entrevista,”, assegurava a solicitação que chegou à mesa de MAG.
A resposta, também por email, condensa a conhecida capacidade maguiana de associar mordacidade e contundente elegância:
“Sr. Diogo Mainardi,
Há alguns anos – da data não me lembro – o senhor dedicou-me uma coluna com fortes críticas. Minha resposta não foi publicada pela Veja, mas sim, a sua resposta à minha resposta -- aliás, republicada em um de seus livros. Desde então decidi não falar com a sua revista. Seu sintomático compromisso em não cortar minhas declarações não é confiável. Meu infinito apreço pela liberdade de imprensa não vai ao ponto de conceder-lhe uma entrevista”.
Explica-se o, digamos, 'desconforto' dos meios & dos mainards com a presença constante e ativa desse espírito altivo nos circuitos que decidem a política externa brasileira, desde 2003.
Derrubá-lo daí foi sempre o troféu cobiçado pelo conservadorismo local e forâneo.
A trajetória de MAG diz muito sobre essa obsessão fracassada.
MAG era o Secretário de Relações Internacionais do PT, em 1990, quando foi criado o Foro de São Paulo.
Seu objetivo estratégico: promover a nucleação de todos os grupos de esquerda da América Latina e Caribe.
Para quê?
Para lançar as sementes de uma integração latinoamericana e caribenha oposta à agenda regional secularmente subordinada aos impérios.
Remonta daí a sua imbatível rede de relacionamento com lideranças e forças regionais que hoje estão no poder, exercem cargos relevantes na estrutura do Estado, ocupam cadeiras nos Legislativos, comandam partidos, dirigem organizações sociais.
Seu papel como ponte itinerante nesse diálogo agigantou-se no governo Lula, quando assumiu missões decisivas, em momentos graves e estratégicos da vida regional.
A maioria delas exitosas para decepção do conservadorismo que o mantém sob permanente suspicácia.
Os interlocutores da constelação de governos e lideranças progressistas da AL e Caribe sabem com quem estão falando quando o telefone toca e é MAG que chama.
Perspicaz e fraterno, dono de um coração que rivaliza em generosidade com o tamanho de suas convicções, MAG coleciona amigos na grande pátria latinoamericana e caribenha que ajuda a delinear.
Dos prováveis aos mais improváveis.
A um Humala de perfil algo endurecido, candidato ainda engomado pela farda militar, MAG surpreendeu um dia ao sugerir: 'O senhor deveria se fazer acompanhar sempre de sua esposa; ela é muito inteligente --e muito bonita'.
De fato.
A carismática Nadine Heredia acabou se transformando em uma coadjuvante decisiva na renhida final das eleições peruanas de 2011, vencidas por Humala.
Hoje sua figura é cada vez mais popular. Com índices de aprovação superiores aos do marido, seu protagonismo suscita especulações de uma candidatura em 2016, se obstáculos jurídicos forem superados.
A eventual ascensão dessa nova estrela regional não surpreenderá MAG.
Como não o surpreendeu a do velho amigo Maduro, na Venezuela, bem como a de outras lideranças da grande constelação em cujos bastidores a sua presença sempre brilhou.
De volta de uma missão a Cuba, para onde fora enviado pela Presidenta Dilma em manifestação de alto zelo com a saúde do presidente Chávez, MAG submeteu-se a exames cardiológicos rotineiros no último sábado.
O cuidado preventivo diante da dura agenda de viagens que teria pela frente, antes e depois do Carnaval, desdobrou-se em uma cirurgia cardíaca.
MAG recebeu duas pontes de safena nesta 5ª feira. E passa bem.
Manifestações de toda a América Latina e Caribe evocam a sua rápida volta à estrada
Um caminho que ele conhece melhor que ninguém.
Um caminho que ainda não está pronto.
Mas que sem dúvida está sendo construído.
E que tem no acrônimo 'MAG' a marca da pavimentação de trechos históricos, até então considerados intransponíveis.
Quando quiser, e se um dia achar conveniente, o ministro Marco Aurélio Garcia - assessor internacional da Presidência da República desde o governo Lula - poderá escrever um dos livros mais interessantes destes tempos em que a América Latina deixou de ser o terreno baldio dos EUA.
Garcia, ou simplesmente MAG, como é tratado pelos mais próximos, participou diretamente ou testemunhou todos - repita-se, todos - os principais episódios da construção inconclusa da nova agenda regional, destinada a devolver aos povos latino-americanos o comando de seu destino histórico e geopolítico.
Ao lado de Samuel Pinheiro Guimarães e do ex-embaixador Celso Amorim, ele compôs o trio que definitivamente reposicionou a política externa brasileira no século 21.
E o fez para bem longe daquilo que ficou conhecido como 'a diplomacia dos pés descalços'.
Em 31 de janeiro de 2002, o então chanceler do governo FHC, Celso Lafer, submeteu-se ao humilhante ritual de tirar os sapatos no aeroporto de Miami. Uma imposição da segurança ianque, se quisesse ingressar no país.
Se essa condição um dia fosse imposta a MAG, o que aconteceria?
Alguma dúvida?
Nem 'eles', nem os seus assemelhados nativos, as tem.
Discreto sem nunca ser acanhado, MAG sabe a hora certa de ser contundente com os poderes e os poderosos que nutrem justificados temores em relação a ele.
Professor aposentado do Departamento de História da Unicamp, esse gaucho que lecionou também em universidades de Paris e Santiago, ocupou a vice -presidência da UNE nos anos 60 e, coisa que poucos sabem, exerceu um mandato de vereador em Porto Alegre.
Em 2001, seu texto elegante e articulado, que mais tarde ordenaria dezenas de discursos internacionais do Presidente Lula, ajudaria a alavancar um site ainda em fraldas: Carta Maior, da qual foi um prestigiado colunista.
Seu nome se tornou uma espécie de carimbo presente nos principais capítulos da luta política da esquerda brasileira nas últimas décadas.
Ecumênico nesse campo, com bom trânsito entre as variadas correntes políticas, de suas convicções mais fundas apenas Lula costuma às vezes ironizar: ' Ele não diz nada, mas batizou o filho de Leon...'
MAG coordenou o Programa de Governo do Presidente Lula nas eleições de 1994, 1998 e 2006.
Exerceu a mesma coordenação sobre o Programa de Governo da Presidente Dilma Rousseff, na eleição de 2010.
Na luta pela reeleição de Lula, antecedida da tentativa de impeachment contra o presidente com base na 'denúncia' do chamado 'mensalão', foi ele quem comandou a campanha vitoriosa.
O cerco conservador era absoluto.
Muitos dentro do próprio PT defendiam genuflexões à mídia.
Alguns, os mais afoitos, avocavam-se a prerrogativa de promover expedições 'pacificadoras' junto a donos de corporações que vergastavam o partido e o Presidente diuturnamente.
Traziam promessas de 'trégua' que nunca se confirmaram.
Ao contrário.
Reinava um clima de 'agora ou nunca'.
Insuficiente porém para dobrar a altivez política de MAG.
Em meio à beligerância ostensiva, às vésperas do primeiro turno, o então colunista de Veja, Diogo Mainardi, que dispensa apresentações, solicitou-lhe por e-mail uma entrevista exclusiva.
“Eu gostaria de entrevistá-lo por cerca de quatro minutos para um podcast da Veja. O assunto é a imprensa. Eu me comprometo a não cortar a entrevista,”, assegurava a solicitação que chegou à mesa de MAG.
A resposta, também por email, condensa a conhecida capacidade maguiana de associar mordacidade e contundente elegância:
“Sr. Diogo Mainardi,
Há alguns anos – da data não me lembro – o senhor dedicou-me uma coluna com fortes críticas. Minha resposta não foi publicada pela Veja, mas sim, a sua resposta à minha resposta -- aliás, republicada em um de seus livros. Desde então decidi não falar com a sua revista. Seu sintomático compromisso em não cortar minhas declarações não é confiável. Meu infinito apreço pela liberdade de imprensa não vai ao ponto de conceder-lhe uma entrevista”.
Explica-se o, digamos, 'desconforto' dos meios & dos mainards com a presença constante e ativa desse espírito altivo nos circuitos que decidem a política externa brasileira, desde 2003.
Derrubá-lo daí foi sempre o troféu cobiçado pelo conservadorismo local e forâneo.
A trajetória de MAG diz muito sobre essa obsessão fracassada.
MAG era o Secretário de Relações Internacionais do PT, em 1990, quando foi criado o Foro de São Paulo.
Seu objetivo estratégico: promover a nucleação de todos os grupos de esquerda da América Latina e Caribe.
Para quê?
Para lançar as sementes de uma integração latinoamericana e caribenha oposta à agenda regional secularmente subordinada aos impérios.
Remonta daí a sua imbatível rede de relacionamento com lideranças e forças regionais que hoje estão no poder, exercem cargos relevantes na estrutura do Estado, ocupam cadeiras nos Legislativos, comandam partidos, dirigem organizações sociais.
Seu papel como ponte itinerante nesse diálogo agigantou-se no governo Lula, quando assumiu missões decisivas, em momentos graves e estratégicos da vida regional.
A maioria delas exitosas para decepção do conservadorismo que o mantém sob permanente suspicácia.
Os interlocutores da constelação de governos e lideranças progressistas da AL e Caribe sabem com quem estão falando quando o telefone toca e é MAG que chama.
Perspicaz e fraterno, dono de um coração que rivaliza em generosidade com o tamanho de suas convicções, MAG coleciona amigos na grande pátria latinoamericana e caribenha que ajuda a delinear.
Dos prováveis aos mais improváveis.
A um Humala de perfil algo endurecido, candidato ainda engomado pela farda militar, MAG surpreendeu um dia ao sugerir: 'O senhor deveria se fazer acompanhar sempre de sua esposa; ela é muito inteligente --e muito bonita'.
De fato.
A carismática Nadine Heredia acabou se transformando em uma coadjuvante decisiva na renhida final das eleições peruanas de 2011, vencidas por Humala.
Hoje sua figura é cada vez mais popular. Com índices de aprovação superiores aos do marido, seu protagonismo suscita especulações de uma candidatura em 2016, se obstáculos jurídicos forem superados.
A eventual ascensão dessa nova estrela regional não surpreenderá MAG.
Como não o surpreendeu a do velho amigo Maduro, na Venezuela, bem como a de outras lideranças da grande constelação em cujos bastidores a sua presença sempre brilhou.
De volta de uma missão a Cuba, para onde fora enviado pela Presidenta Dilma em manifestação de alto zelo com a saúde do presidente Chávez, MAG submeteu-se a exames cardiológicos rotineiros no último sábado.
O cuidado preventivo diante da dura agenda de viagens que teria pela frente, antes e depois do Carnaval, desdobrou-se em uma cirurgia cardíaca.
MAG recebeu duas pontes de safena nesta 5ª feira. E passa bem.
Manifestações de toda a América Latina e Caribe evocam a sua rápida volta à estrada
Um caminho que ele conhece melhor que ninguém.
Um caminho que ainda não está pronto.
Mas que sem dúvida está sendo construído.
E que tem no acrônimo 'MAG' a marca da pavimentação de trechos históricos, até então considerados intransponíveis.
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