domingo, 10 de fevereiro de 2013

Já existem vencedores na Síria

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Por José Goulão, no sítio português O Diário:

O enviado especial das Nações Unidas para a Síria afirma que se não forem tomadas medidas que conduzam à suspensão e resolução do conflito cerca de cem mil pessoas poderão ser mortas este ano no país.

O que aconteceu perante este apelo dramático? A matança continua.

Não há qualquer indício de que a declaração tenha sido escutada, não se conhece qualquer nova iniciativa diplomática, não se antevê a possibilidade de uma das partes em guerra conseguir superar a outra, confirma-se que os autoproclamados “amigos da Síria” são de facto inimigos do povo sírio.

Aumentam porém as hipóteses, e há quem aposte nisso, de poder vir a instaurar-se uma “somalização” da Síria, que mais do que uma balcanização ou fracionamento do país será uma partilha com manutenção ou multiplicação dos conflitos.
A guerra não tem fim à vista mas já existem vencedores, por sinal os que menos se queimam no conflito e beneficiam diretamente do facto de os combates se travarem no interior das fronteiras e os cordelinhos serem mexidos de fora.

O arrastamento da guerra provocou na prática a rutura do chamado eixo Damasco-Teerão, a coincidência de objetivos entre os regimes da Síria e do Irão que tem dissuadido algumas potências mundiais e regionais de agirem como mais lhes interessa no Médio Oriente. Sem contar sequer com o adiamento para as calendas de qualquer abordagem séria da ocupação ilegal por Israel do território sírio dos Montes Golã, se hoje o governo de Telavive quiser repetir as guerras dos anos oitenta e de 2006 contra a soberania do Líbano provavelmente já não se sairá mal como anteriormente. Se a Síria corre o risco de fracionamento o mesmo está a acontecer no Líbano, onde a multiplicação de conflitos, agora especialmente agudos no Norte, confirma a ingovernabilidade a partir de Beirute. Israel já ganhou a guerra da Síria.

Se o governo israelita persistir na ideia de atacar o Irão, que provavelmente sairá reforçada das eleições desta semana, poderá fazê-lo eventualmente com menores riscos. Não só porque Obama já não está preocupado com eleições mas também porque a Turquia deixou de ser um inconveniente a ter em conta. O conflito no país vizinho reforçou a importância estratégica do regime de Ancara, que soube tornar-se indispensável em tudo o que diz respeito à Síria, aumentou o seu peso na NATO – que por isso tem evitado queimar-se no terreno à vista de toda a gente – e ainda ganhou novos armamentos a custo zero. Com a particularidade regional de ser agora Israel quem procura a todo o transe as boas graças da Turquia admitindo-se que possa até pedir desculpas pela pirataria no caso do barco para Gaza. A Turquia também já ganhou na Síria.

A Arábia Saudita e o Qatar, como expoentes do fundamentalismo islâmico sunita, o “lado bom” do terrorismo, também já obtiveram vitórias, se bem que ainda incompletas. Os seus grupos armados no terreno, infiltrados sobretudo a partir da base da NATO em Inçirklirk, na Turquia, garantem a manutenção da guerra na Síria trabalhando para o fracionamento do país através do isolamento cada vez maior da minoria xiita. Esses grupos são irmãos de armas dos que fazem sequestros sanguinários na Argélia ou são combatidos pela França e outros países da NATO no Mali, nascidos todos do ventre da grande mãe conspiradora, a CIA, na maternidade terrorista do Afeganistão. Arábia Saudita, Qatar e em geral as petroditaduras da Península Arábica ganham na Síria.

Estados Unidos, NATO e União Europeia, tão “amigos da Síria” que se dizem, também vão ganhando. Estão envolvidos até ao tutano na guerra civil fazendo o mundo acreditar que não – a propaganda é uma arte quando sobram meios – poupam-se ao choque direto, garantem e reforçam o papel do gendarme israelita – e neutralizam um regime que nem sempre lhes era dócil deixando, além disso, o Irão a descoberto.

Pretendem ainda ganhar um bónus especial fazendo crer que tudo isto se passa em nome da democracia. Nessa, porém, só cai quem quer.

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