Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Confesso que chego a me comover diante do esforço de tantos comentaristas para condenar a tardia mas bem-vinda emancipação do trabalho doméstico a partir de argumentos invertidos e falaciosos.
O argumento principal é dizer que formalização das relações de trabalho dentro de casa irá gerar demissões em massa.
Parece, então, que se quer impedir o acesso dos trabalhadores domésticos ao mundo do direito porque isso irá prejudicá-los. Quanto altruísmo, não é mesmo?
Vamos combinar que os escravocratas do século XIX, capazes de manter o cativeiro negro até 1888, eram mais diretos em seu ponto de vista.
Diziam, com todas as letras, que a escravidão iria arruinar seus negócios e levar a agricultura a falência. Admitiam seu próprio egoísmo, o que é pelo menos uma forma mais produtiva de travar uma discussão.
Tivemos escravocratas sofisticados, é verdade. O mais conhecido deles, o escritor José de Alencar, chegava a defender a escravidão com o argumento de que ela civiliza povos atrasados e deseducados. Citava o Império Romano como exemplo. A se acreditar em Alencar, seria preciso crer que o cativeiro foi mantido não pelos confortos pessoais e benefícios materiais que assegurava aos senhores – mas pela educação que permitia aos cativos.
Autor romântico, Alencar fez carreira profissional como político do Império.
Em 2013, o debate tem outra natureza. A evolução da economia e das mentalidades após 125 anos de abolição trouxe benefícios evidentes ao país. No plano material, permitiu a industrialização e outras mudanças típicas da civilização moderna.
Mas, acima de tudo, produziu uma revolução cultural ao dizer que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, qualquer que seja a cor da pele, a origem, o gênero.
Não há dúvida que no pós-1888 varias fazendas foram à falência – seus proprietários eram incapazes de competir numa economia só um pouquinho menos arcaica. Possuíam uma tecnologia tão atrasada e uma visão empresarial tão retrógrada que só podiam garantir suas receitas pela exploração dos trabalhadores como cidadãos de segunda classe – e queriam submeter o conjunto da sociedade brasileira a seu universo retrógrado e sem futuro.
Mas outros brasileiros brancos, menos endinheirados, também tiravam proveito da escravidão. Eram aquelas famílias que mantinham um pequeno plantel doméstico de cativos, os escravos de ganho. Eles eram escalados para fazer pequenos serviços nos centros urbanos – desde vendedores a marceneiros --, retornando para casa com a féria do dia. Em troca, tinham casa, comida e, conforme o patrão, um trocado.
Outra parcela se valia da mão de obra escrava para livrar-se do desconforto do serviço doméstico, uma realidade penosa, desagradável e repetitiva – como sabe qualquer pessoa do século XXI que é obrigada a arrumar, limpar e manter uma residência em ordem.
Se isso já é difícil nos dias de hoje, podemos imaginar como se passava antes da invenção da geladeira, do fogão a gás, do aspirador de pó e outros equipamentos que só puderam ser inventados e viabilizados depois que o trabalhador doméstico, nos países desenvolvidos, já não podia ser explorado como antes.
Foi uma sobrevivência atualizada e perversa desse tipo de trabalho não-remunerado que se eliminou com a aprovação da Emenda Constitucional que garantiu direitos iguais ao serviço doméstico.
Falando sobre aquilo que ninguém fala mas todo mundo enxerga, cabe reconhecer que, durante anos, toda família brasileira, de classe média para cima, sempre foi capaz de se beneficiar muito confortavelmente dessa situação.
Por mais de oitenta anos, a contar da criação das primeiras leis sociais mais importantes, o país passou a assegurar uma vida de conforto para a parcela que vivia na parte de cima da pirâmide social-trabalhista. Para os debaixo, não sobrava nada. Ou melhor: sobrou o sacrifício, a brutalidade, a falta de direitos.
Imagine ao longo dessa História quantos milhões (ou seriam bilhões?) de cafés da manhã foram assegurados – sem que o dono da casa precisasse fazer o menor esforço depois de sair da cama.
Quantas crianças foram socorridas por moças e senhoras prestativas, muitas vezes acordadas no meio da noite, por causa de um resfriado, uma tosse mais alta, ou sabemos lá o que.
Muitas famílias tinham direito a se refestelar em refeições, em qualquer dia da semana, que tinham o caráter de verdadeiros banquetes, graças ao talento e à eficiência de cozinheiras que mal recebiam para pagar a própria comida.
A base dessa situação era uma discriminação odiosa, que só era possível pela exclusão de milhões de brasileiros e brasileiras deixados sem escola, sem assistência, e sem moradia – tudo conspirando, nas políticas públicas e nas decisões privadas, para o conforto de grandes e pequenos patrões.
A mudança da semana passada ajuda a criar brasileiros mais iguais. É uma evolução da cidadania e da civilização.
O país inteiro só tem a ganhar com ela.
Confesso que chego a me comover diante do esforço de tantos comentaristas para condenar a tardia mas bem-vinda emancipação do trabalho doméstico a partir de argumentos invertidos e falaciosos.
O argumento principal é dizer que formalização das relações de trabalho dentro de casa irá gerar demissões em massa.
Parece, então, que se quer impedir o acesso dos trabalhadores domésticos ao mundo do direito porque isso irá prejudicá-los. Quanto altruísmo, não é mesmo?
Vamos combinar que os escravocratas do século XIX, capazes de manter o cativeiro negro até 1888, eram mais diretos em seu ponto de vista.
Diziam, com todas as letras, que a escravidão iria arruinar seus negócios e levar a agricultura a falência. Admitiam seu próprio egoísmo, o que é pelo menos uma forma mais produtiva de travar uma discussão.
Tivemos escravocratas sofisticados, é verdade. O mais conhecido deles, o escritor José de Alencar, chegava a defender a escravidão com o argumento de que ela civiliza povos atrasados e deseducados. Citava o Império Romano como exemplo. A se acreditar em Alencar, seria preciso crer que o cativeiro foi mantido não pelos confortos pessoais e benefícios materiais que assegurava aos senhores – mas pela educação que permitia aos cativos.
Autor romântico, Alencar fez carreira profissional como político do Império.
Em 2013, o debate tem outra natureza. A evolução da economia e das mentalidades após 125 anos de abolição trouxe benefícios evidentes ao país. No plano material, permitiu a industrialização e outras mudanças típicas da civilização moderna.
Mas, acima de tudo, produziu uma revolução cultural ao dizer que homens e mulheres são iguais em direitos e deveres, qualquer que seja a cor da pele, a origem, o gênero.
Não há dúvida que no pós-1888 varias fazendas foram à falência – seus proprietários eram incapazes de competir numa economia só um pouquinho menos arcaica. Possuíam uma tecnologia tão atrasada e uma visão empresarial tão retrógrada que só podiam garantir suas receitas pela exploração dos trabalhadores como cidadãos de segunda classe – e queriam submeter o conjunto da sociedade brasileira a seu universo retrógrado e sem futuro.
Mas outros brasileiros brancos, menos endinheirados, também tiravam proveito da escravidão. Eram aquelas famílias que mantinham um pequeno plantel doméstico de cativos, os escravos de ganho. Eles eram escalados para fazer pequenos serviços nos centros urbanos – desde vendedores a marceneiros --, retornando para casa com a féria do dia. Em troca, tinham casa, comida e, conforme o patrão, um trocado.
Outra parcela se valia da mão de obra escrava para livrar-se do desconforto do serviço doméstico, uma realidade penosa, desagradável e repetitiva – como sabe qualquer pessoa do século XXI que é obrigada a arrumar, limpar e manter uma residência em ordem.
Se isso já é difícil nos dias de hoje, podemos imaginar como se passava antes da invenção da geladeira, do fogão a gás, do aspirador de pó e outros equipamentos que só puderam ser inventados e viabilizados depois que o trabalhador doméstico, nos países desenvolvidos, já não podia ser explorado como antes.
Foi uma sobrevivência atualizada e perversa desse tipo de trabalho não-remunerado que se eliminou com a aprovação da Emenda Constitucional que garantiu direitos iguais ao serviço doméstico.
Falando sobre aquilo que ninguém fala mas todo mundo enxerga, cabe reconhecer que, durante anos, toda família brasileira, de classe média para cima, sempre foi capaz de se beneficiar muito confortavelmente dessa situação.
Por mais de oitenta anos, a contar da criação das primeiras leis sociais mais importantes, o país passou a assegurar uma vida de conforto para a parcela que vivia na parte de cima da pirâmide social-trabalhista. Para os debaixo, não sobrava nada. Ou melhor: sobrou o sacrifício, a brutalidade, a falta de direitos.
Imagine ao longo dessa História quantos milhões (ou seriam bilhões?) de cafés da manhã foram assegurados – sem que o dono da casa precisasse fazer o menor esforço depois de sair da cama.
Quantas crianças foram socorridas por moças e senhoras prestativas, muitas vezes acordadas no meio da noite, por causa de um resfriado, uma tosse mais alta, ou sabemos lá o que.
Muitas famílias tinham direito a se refestelar em refeições, em qualquer dia da semana, que tinham o caráter de verdadeiros banquetes, graças ao talento e à eficiência de cozinheiras que mal recebiam para pagar a própria comida.
A base dessa situação era uma discriminação odiosa, que só era possível pela exclusão de milhões de brasileiros e brasileiras deixados sem escola, sem assistência, e sem moradia – tudo conspirando, nas políticas públicas e nas decisões privadas, para o conforto de grandes e pequenos patrões.
A mudança da semana passada ajuda a criar brasileiros mais iguais. É uma evolução da cidadania e da civilização.
O país inteiro só tem a ganhar com ela.
Por fim im ponto nesta pouca vergonha brasileira.
ResponderExcluirA minha ex sogra vivia gritando com sua empregada. Ela dava a comida a moca numa lata de goiabada e a bebida numa lata de leite condensado. A moca so podia comer o pao dormido do dia anterior, mesmo quando havia pao fresco.
Uma vez conversei com uma senhora ja de uma certa idade. Esta no trem da central do Brasil. Ela carregava um embrulho enorme de papel pardo. Eram roupas lavadas e passadas que a pobre tinha de tomar um onibus p a zona sul do RJ e levar tal embrulho. Fiquei impressionada e lhe fiz tipo um entrevista. Aprendi que p alimentar seus filhos, sem nenhuma carne. Ela fazia estas viagens 3 vezes por semana. Nos outros dias, incluindo os fins de semanas ela: carregava a agua p lavar e passava todo seu tempo naquele calor passando roupas. Alem de ter de pagar as viagens, de trem e de onibus para ir e voltar, tinha de comprar o papel.
Ela ganhava o mesmo que a minha mesada da semana. Nunca me senti nao mal na minha vida