Por Eric Nepomuceno, no sítio Carta Maior:
Cem dias. Esse o tempo que o presidente mexicano Enrique Peña Nieto precisou para surpreender adversários, aliados e até mesmo seu próprio eleitorado. Considerado pela oposição e pela maior parte dos analistas como um político débil, com a consistência de um pudim de nuvens, Peña Nieto fixou, durante a campanha eleitoral, a imagem de uma espécie de fantoche criado à sombra da Televisa, o grande conglomerado de mídia do país.
Dizia-se, dele, que tudo que tinha na cabeça era perfeitamente visível, em irônica referência aos cabelos esculpidos a navalha e besuntados por generosas doses de brilhantina.
A primeira surpresa provocou mais incredulidade que impacto: no dia seguinte ao da posse, o novo presidente confirmou o que havia noticiado pouco antes – um amplo e inédito acordo com a oposição. O pomposamente chamado ‘Pacto pelo México’ reuniu, numa agenda de reformas, o principal partido da direita, o PAN (Partido de Ação Nacional), e de esquerda, o PRD (Partido da Revolução Democrática), derrotados nas urnas pelo PRI (Partido da Revolução Institucional) de Peña Nieto.
Poderia ser mais um desses lances inócuos de início de governo, mas está avançando. Começou com o anúncio de uma reforma educativa destinada a devolver ao Estado o controle do ensino público, que estava em mãos da líder sindical Elba Esther Gordillo, de poder incomensurável. Aliás, a própria Elba Esther foi presa de maneira espetacular.
Peña Nieto repetiu, assim, o gesto de Carlos Salinas de Gortari, que em janeiro de 1989, pouco mais de um mês depois de ter tomado posse mandou prender Joaquín Hernández Galicia, ‘La Quina’, líder dos petroleiros, símbolo olímpico de corrupção e que era, na época, o mais poderoso chefe sindical mexicano. Poderia ter sido apenas um gesto bombástico para mostrar força; poderia ser apenas um rearranjo de poder, com a eliminação de uma líder incômoda; poderia, e aliás, ainda pode.
Mas o fato é que ao decapitar o sindicato o governo assumiu o controle da educação, e ninguém levantou um dedo para defender a líder degolada.
Agora, e ao amparo do acordo com a oposição, o país vê avançar uma reforma constitucional que poderá mexer numa área importante, a das telecomunicações. O projeto é ambicioso: pretende simplesmente liquidar o monopólio telefônico, de internet e de televisão. Vai mexer, se funcionar, com três gigantes do empresariado, entre eles Carlos Slim, o homem mais rico do mundo.
E há mais anúncios de reformas que, se vierem efetivamente a acontecer, irão modificar setores vitais do país. O governo de Peña Nieto quer abrir o monopólio petroleiro da Pemex à iniciativa privada, seguindo um modelo parecido ao da Petrobras, e promover uma reforma fiscal que irá atingir remédios e alimentos.
É verdade que, em matéria de expectativas e esperanças de renovação que são rapidamente frustradas, o México é país tarimbado. Foi assim, por exemplo, com Vicente Fox, que se elegeu em 2000 terminando com 70 anos de domínio total do PRI. E depois, com seu sucessor, Felipe Calderón, também do PAN. A diferença de agora é justamente o ‘Pacto do México’, reunindo os três grandes partidos mexicanos e conquistando amplo apoio da opinião pública. Para que as reformas sejam efetivas é preciso contar com essas três forças. E se começarem a funcionar, essas reformas provocarão mais apoio popular, e tudo isso aumentará de maneira forte o custo político a ser pago pelo partido que abandonar o barco.
Já há quem fale, no México, de um Novo PRI. Seria um partido cuja trajetória é o avesso dos velhos hábitos do velho PRI, com uma profunda tradição de hipocrisia, duplo discurso, violência implacável contra os adversários e uma corrupção endêmica e desenfreada.
Há quem diga que é cedo para tanto entusiasmo. Por enquanto, a única coisa concreta é a firme intenção do governo de promover, a qualquer preço, o crescimento econômico do país. As expectativas de investidores internacionais são grandes em relação ao México, Peña Nieto sabe disso e parece disposto a aproveitar a maré. Até aí, nenhuma dúvida.
Quando se trata, porém, de ver como se dará o desenvolvimento do país – e não apenas o crescimento de sua economia – voltam as dúvidas. As carências sociais são imensas, quase todos os vícios do passado estão presentes, e até agora ninguém falou em uma verdadeira reforma institucional. Fala-se em reformas pontuais. Em áreas essenciais, é verdade. Mas pontuais. Se realmente ocorrerem, poderão ser um primeiro passo para o resto.
E, além do mais, convém recordar que nesses primeiros três meses de novo governo, a violência continuou com seu vigor habitual: mais de três mil pessoas foram mortas em ações relacionadas ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Foram precisamente 3.157. Mais de trinta por dia. Mais de uma por hora. E a barbárie continua.
Cem dias. Esse o tempo que o presidente mexicano Enrique Peña Nieto precisou para surpreender adversários, aliados e até mesmo seu próprio eleitorado. Considerado pela oposição e pela maior parte dos analistas como um político débil, com a consistência de um pudim de nuvens, Peña Nieto fixou, durante a campanha eleitoral, a imagem de uma espécie de fantoche criado à sombra da Televisa, o grande conglomerado de mídia do país.
Dizia-se, dele, que tudo que tinha na cabeça era perfeitamente visível, em irônica referência aos cabelos esculpidos a navalha e besuntados por generosas doses de brilhantina.
A primeira surpresa provocou mais incredulidade que impacto: no dia seguinte ao da posse, o novo presidente confirmou o que havia noticiado pouco antes – um amplo e inédito acordo com a oposição. O pomposamente chamado ‘Pacto pelo México’ reuniu, numa agenda de reformas, o principal partido da direita, o PAN (Partido de Ação Nacional), e de esquerda, o PRD (Partido da Revolução Democrática), derrotados nas urnas pelo PRI (Partido da Revolução Institucional) de Peña Nieto.
Poderia ser mais um desses lances inócuos de início de governo, mas está avançando. Começou com o anúncio de uma reforma educativa destinada a devolver ao Estado o controle do ensino público, que estava em mãos da líder sindical Elba Esther Gordillo, de poder incomensurável. Aliás, a própria Elba Esther foi presa de maneira espetacular.
Peña Nieto repetiu, assim, o gesto de Carlos Salinas de Gortari, que em janeiro de 1989, pouco mais de um mês depois de ter tomado posse mandou prender Joaquín Hernández Galicia, ‘La Quina’, líder dos petroleiros, símbolo olímpico de corrupção e que era, na época, o mais poderoso chefe sindical mexicano. Poderia ter sido apenas um gesto bombástico para mostrar força; poderia ser apenas um rearranjo de poder, com a eliminação de uma líder incômoda; poderia, e aliás, ainda pode.
Mas o fato é que ao decapitar o sindicato o governo assumiu o controle da educação, e ninguém levantou um dedo para defender a líder degolada.
Agora, e ao amparo do acordo com a oposição, o país vê avançar uma reforma constitucional que poderá mexer numa área importante, a das telecomunicações. O projeto é ambicioso: pretende simplesmente liquidar o monopólio telefônico, de internet e de televisão. Vai mexer, se funcionar, com três gigantes do empresariado, entre eles Carlos Slim, o homem mais rico do mundo.
E há mais anúncios de reformas que, se vierem efetivamente a acontecer, irão modificar setores vitais do país. O governo de Peña Nieto quer abrir o monopólio petroleiro da Pemex à iniciativa privada, seguindo um modelo parecido ao da Petrobras, e promover uma reforma fiscal que irá atingir remédios e alimentos.
É verdade que, em matéria de expectativas e esperanças de renovação que são rapidamente frustradas, o México é país tarimbado. Foi assim, por exemplo, com Vicente Fox, que se elegeu em 2000 terminando com 70 anos de domínio total do PRI. E depois, com seu sucessor, Felipe Calderón, também do PAN. A diferença de agora é justamente o ‘Pacto do México’, reunindo os três grandes partidos mexicanos e conquistando amplo apoio da opinião pública. Para que as reformas sejam efetivas é preciso contar com essas três forças. E se começarem a funcionar, essas reformas provocarão mais apoio popular, e tudo isso aumentará de maneira forte o custo político a ser pago pelo partido que abandonar o barco.
Já há quem fale, no México, de um Novo PRI. Seria um partido cuja trajetória é o avesso dos velhos hábitos do velho PRI, com uma profunda tradição de hipocrisia, duplo discurso, violência implacável contra os adversários e uma corrupção endêmica e desenfreada.
Há quem diga que é cedo para tanto entusiasmo. Por enquanto, a única coisa concreta é a firme intenção do governo de promover, a qualquer preço, o crescimento econômico do país. As expectativas de investidores internacionais são grandes em relação ao México, Peña Nieto sabe disso e parece disposto a aproveitar a maré. Até aí, nenhuma dúvida.
Quando se trata, porém, de ver como se dará o desenvolvimento do país – e não apenas o crescimento de sua economia – voltam as dúvidas. As carências sociais são imensas, quase todos os vícios do passado estão presentes, e até agora ninguém falou em uma verdadeira reforma institucional. Fala-se em reformas pontuais. Em áreas essenciais, é verdade. Mas pontuais. Se realmente ocorrerem, poderão ser um primeiro passo para o resto.
E, além do mais, convém recordar que nesses primeiros três meses de novo governo, a violência continuou com seu vigor habitual: mais de três mil pessoas foram mortas em ações relacionadas ao tráfico de drogas e ao crime organizado. Foram precisamente 3.157. Mais de trinta por dia. Mais de uma por hora. E a barbárie continua.
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