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E Marina ainda precisa provar que a ruptura fortaleceu a agenda ambiental no país.
O debate sobre o tema guarda silencio obsequioso no interior do partido desde então.
Mas mereceu sintomática salvaguarda de princípios nas conclusões do seu IV Congresso, em 2011:
"O Brasil não tratará a questão ambiental como apêndice, senão como parte essencial, de seu projeto de desenvolvimento. Como socialistas democráticos, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo'.
Talvez tenha chegado a hora inadiável de adicionar nervos e musculatura a essa declaração de intenções.
Quatro anos e 18 milhões de votos depois, obtidos na campanha presidencial de 2010, Marina articula um novo partido.
A 'Rede' flerta com a trama evanescente da 'terceira via verde'.
Nem de esquerda, nem de direita. Nem situação, nem oposição.
Há um tipo de neutralidade que só enxerga os erros da esquerda.
E costuma rejuvenescer o cardápio da direita, sempre que esta se ressente de espaços e agendas para retomar a disputa pelo poder.
Não será algo propriamente inédito se vier a ocorrer de novo.
No México, os ambientalistas do Partido Verde Ecologista (PVEM), apoiaram o candidato vitorioso da direita, Henrique Peña Nieto, do PRI, contra Obrador.
Na Venezuela, o Movimento Ecológico Venezuelano entregou-se de corpo e alma à candidatura do engomadinho Henrique Capriles Randonski, com a qual golpistas de ontem testam a versão jovem' de hoje.
Em São Paulo, o PV apoiou José Serra, em 2010.
Em Salvador, embarcou na candidatura vitoriosa do demo Antonio Carlos Magalhães Neto, nas eleições municipais do ano passado.
O ziguezague verde reflete a dificuldade histórica de uma agenda complacente.
Ela agrega desde rótulos espertos de detergentes de limpeza, a militantes sinceros da resistência à destruição da natureza.
O ambientalismo precisa decidir se quer ser uma tecnologia ou uma proposta de nova sociedade.
Quer ser um guia de boas maneiras para o 'capitalismo sustentável'; ou um projeto alternativo à lógica desenfreada da exploração da natureza e do trabalho.
Não são escolhas postergáveis.
O mesmo se pode dizer em relação às do PT.
A dissociação entre a sigla e o empenho específico em evitar que a humanidade seja jogada a um ponto de não retorno no século 21, não deixa o partido em situação propriamente confortável.
Agora mais do que nunca.
Não se trata apenas de precificar o prejuízo eleitoral da 'Rede' – que existe
É mais grave que isso.
Agudiza-se um desafio objetivo, sobre o qual o partido não tem refletido nem avançado.
A saída em massa dos ambientalistas abriu um buraco na evolução do seu discernimento histórico e programático.
Perdeu-se a virtuosa tensão de um convívio e de um debate incômodo, inconcluso, nem sempre conduzido com habilidade, mas crucial.
Perdeu-se o sentido de urgência na construção das linhas de passagem que devem conduzir a um ponto de encontro entre socialismo, desenvolvimento, democracia e sociedade sustentável.
A história não oferece o mapa pronto de caminhos ainda não trilhados.
Tropeços são inevitáveis.
Mas ignorar as urgências escancaradas pela desordem sistêmica do capitalismo, desde 2008, equivale a adotar como bússola os rótulos oportunistas das ''empresas ambientalmente responsáveis'.
Vive-se um crepúsculo histórico.
O colapso financeiro e a multiplicação de eventos climáticos extremos são evidencias de uma exaustão que atinge ao mesmo tempo a economia, a sociedade e a civilização.
Mas que tem um determinante claro.
A supremacia do capital financeiro – negligenciada pelos adeptos da 'terceira via'.
Ela condiciona todo o cálculo econômico com a ganância intrínseca a uma lógica dissociada da produção. E indiferente à sorte da sociedade.
É o moinho satânico do nosso tempo.
Taxas de retorno incompatíveis com a exploração sustentável dos recursos naturais – de ciclo mais lento e mais longo – tornaram-se o paradigma de um regime de extorsão insaciável.
Ele se instalou no metabolismo da economia, da sociedade e da natureza.
Dá as ordens no terreiro globalizado.
A voragem do capital fictício encontrou na ganância dos acionistas um roteador à altura na esfera da produção.
Sob ameaça de migrar para investimentos mais especulativos, exige-se a maximização permanente dos dividendos pagos pelas corporações.
A espoliação irradia-se das plantas produtivas ao chão dos direitos sociais ('o custo Brasil').
Até contaminar as conexões com as reservas que formam as fontes da vida na Terra.
Dissemina-se um padrão globalizado de retorno financeiro, incompatível com os valores compartilhados que ordenam a vida em sociedade e com a regeneração dos sistemas naturais.
Quantos conseguem se refazer a taxas de 20% ao ano ou mais?
A dissociação entre socialismo e ambientalismo configura-se uma contradição nos seus próprios termos.
A atrofia de um desarma e derrota o outro.
E vice-versa.
Acenada por ambientalistas simpáticos a uma 'terceira via' não socialista, a bandeira do 'não crescimento' elide a essência predatória do sistema de produção de mercadorias.
Em vez de respostas, atualiza velhas perguntas dirigidas às utopias centristas.
Quem decidirá o quê e quanto a sociedade vai produzir, ou deixar de produzir?
Que tipo de Estado é necessário para viabilizar esse planejamento?
Quais critérios definirão o rateio sustentável dos recursos entre nações e dentro de cada nação?
Como serão superadas as desigualdades históricas acumuladas até o presente?
A tese do não crescimento responde aos desequilíbrios sociais e ambientais tanto quanto a panaceia do crescimento é sinônimo de justiça social.
Não isenta o PT de responsabilidade na formulação desses contrapontos, o fato de ser o guarda-chuva de um governo de coalizão.
Distinguir 'consumismo' de sociedade justa e sustentável, por exemplo, e extrair consequências práticas disso é obrigação de um partido de esquerda
A década de governos do PT tirou 50 milhões de brasileiros da miséria.
Nunca é demais reiterar aquilo que desespera o conservadorismo: isso mudou a geografia política do país. Talvez de forma irreversível nos marcos da legalidade.
O que mais o PT tem a dizer a esse universo que ascendeu ao consumo e como pretende chegar a ele?
Há nessa pergunta uma arguição sobre o que o partido entende por sociedade sustentável. E como construí-la. Agora.
O PT já foi capaz de respostas ousadas no passado, sendo depositário de um salto significativo na história da consciência ambiental.
A travessia se deu na prática.
Interior da Amazônia brasileira; anos 70/80.
Chico Mendes (1944-1988), associado às pastorais da terra, vinculou então, pioneiramente, a defesa da floresta à luta contra a miséria e a opressão.
Rompeu-se aí uma tradição preservacionista europeia, branca, elitista e excludente.
No limite, preconizava o ostracismo de populações pobres para salvar paisagens.
Políticas bem sucedidas de combate ao desmatamento, avanços significativos na expansão de reservas indígenas, incentivos às fontes renováveis de energia e zoneamentos agrícolas, como o da cana-de-açúcar, sucederam-se a esse salto nos dois governos Lula.
Nunca mais, porém, desde o estirão lançado por Chico Mendes, houve um aprofundamento estratégico da interação entre desenvolvimento, justiça social e sociedade sustentável.
O maniqueísmo que marcou o debate sobre o papel das hidrelétricas na matriz brasileira de energia, ilustra o espaço exíguo reservado a essa reflexão dentro e fora do PT.
Mitigar o cerco conservador ao governo Lula, com respostas rápidas, explica uma parte da atrofia programática.
Mas nada justifica que o tema ambiental continue engavetado na prateleira dos desafios remotos.
Não é um problema teórico.
O sopro da barbárie respira entre nós.
Administrações de grandes manchas urbanas pagam o preço mais alto por essa convivência incômoda.
Picos de calor que costumavam ocorrer uma vez a cada 20 anos, obedecem agora a um padrão anual e bianual.
A informação é da Nasa.
No seu rastro, multiplicam-se eventos extremos de brutal efeito destrutivo.
Populações das metrópoles, cada vez mais castigadas pela nova regularidade das descidas ao inferno, vão cobrar respostas estruturais de um poder público despreparado para fornecê-las.
O que os partidos têm a dizer em seu socorro?
A equação é mais complexa do que a nova contabilidade eleitoral gerada pelo surgimento da ‘Rede’.
Há uma agenda à procura de um protagonista.
Mas a mera recitação de boas intenções, como as do IV Congresso do PT, não basta para contemplá-la.
Todo o desafio da política é dar respostas coerentes com os princípios, no tempo certo dos acontecimentos, dentro da relação de forças existente.
É honesto admitir que nem o PT, nem a Rede, de Marina, ou a esquerda de um modo geral, têm propostas críveis para o desafio ambiental que atendam a essa consistência prática.
O V Congresso do PT, em fevereiro de 2014, ganhará muito em relevancia política se for antecedido de um debate estratégico.
Que avance com desassombro sobre a mais importante fronteira de atualização do campo da esquerda em nosso tempo.
A busca de um ponto de encontro entre socialismo, desenvolvimento e sociedade sustentável.
A Fundação Perseu Abramo, o think tank do PT, desempenharia um papel encorajador se exercitasse essa reflexão reavivando o debate ambiental no interior do partido.
A partir de seminários tão ecumênicos quanto a complexidade dos desafios a serem tratados.
Na Alemanha foi o mesmo, décadas atrás. Verde e a Direita Cristã unidos.
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