Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Tempos atrás uma jornalista levou, sem autorização, um bebê de uma maternidade para provar que o local não tinha segurança. Justificou-se que aquilo era uma reportagem. Não, não era. Era sequestro. Lembro-me dessa história quando li a justificativa do diretor de teatro Gerald Thomas para a cena que protagonizou enfiando a mão sob o vestido de Nicola Bahls sem permissão. "A mulher não é um objeto. Mas não deveria se apresentar como tal", escreveu em sua defesa. Justificou-se que era um alerta à hipocrisia da sociedade, uma performance intimidatória. Não, não era. Era violência.
“Essa imprensa careta de um sensacionalismo careta. A gente leva tudo da brincadeira e eles não”, reclamou após toda a polêmica levantada. O apresentador do “Pânico”, Emílio Surita, concordou: “estamos em um programa de humor e vamos fazer brincadeiras”.
Brincadeira, brincadeiras… Pedi a seis comunicadoras (para permanecer no mesmo campo de atuação de Gerald e Emílio) e militantes pelos direitos das mulheres explicarem o que é machismo para quem não vê problemas no comportamento do diretor de teatro. Seguem as respostas:
Tempos atrás uma jornalista levou, sem autorização, um bebê de uma maternidade para provar que o local não tinha segurança. Justificou-se que aquilo era uma reportagem. Não, não era. Era sequestro. Lembro-me dessa história quando li a justificativa do diretor de teatro Gerald Thomas para a cena que protagonizou enfiando a mão sob o vestido de Nicola Bahls sem permissão. "A mulher não é um objeto. Mas não deveria se apresentar como tal", escreveu em sua defesa. Justificou-se que era um alerta à hipocrisia da sociedade, uma performance intimidatória. Não, não era. Era violência.
“Essa imprensa careta de um sensacionalismo careta. A gente leva tudo da brincadeira e eles não”, reclamou após toda a polêmica levantada. O apresentador do “Pânico”, Emílio Surita, concordou: “estamos em um programa de humor e vamos fazer brincadeiras”.
Brincadeira, brincadeiras… Pedi a seis comunicadoras (para permanecer no mesmo campo de atuação de Gerald e Emílio) e militantes pelos direitos das mulheres explicarem o que é machismo para quem não vê problemas no comportamento do diretor de teatro. Seguem as respostas:
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E se você, amiga jornalista, sentisse as mãos de um colega apalpar sua bunda enquanto vocês sobem o elevador de um prédio a caminho de mais uma entrevista? Putz, talvez você tenha engordado e aquela calça jeans tenha ficado muito apertada… mais atenção da próxima vez! E você, professora, o que acharia se, no meio de uma reunião com o diretor da escolar, ele espiasse o seu decote (que você jurava que era discreto) e, na sequência, arrumasse um jeitinho de roçar os braços nos seus seios ao se abaixar para apanhar uma caneta? Puxa, talvez você tenha exagerado… aquele decote não era tão discreto. Ou você, doutora advogada, que no meio da reunião sentiu os pés do colega sentado ao seu lado subir por suas canelas, e de repente as mãos dele já estavam nos seus joelhos… por que foi mesmo que você inventou em ir de saia a uma reunião? E você, estudante, que saiu da aula às 11 da noite e, naquela esquina escura, já perto de casa, foi surpreendida por um cara que tapou tua boca, levantou teu vestido, te segurou com força e meteu o pau na tua vagina? Quanta dor! Mas não importa, a culpa foi tua, que usava aquele vestido curto tão tarde… Machismo é muitas coisas. Mas é sobretudo uma violência apoiada na naturalização das desigualdades sociais entre homens e mulheres. É o machismo que, diariamente, tenta se apropriar do nosso corpo e nos subtrair algo que é caro a qualquer ser humano: a nossa autonomia.
Mariana Pires, jornalista
Machismo é pensar que o corpo feminino é um território livre para os homens se divertirem, que está à disposição sempre que quiserem entrar. É encarar que um vestido curto e decotado dá permissão para apalpar uma mulher. É se considerar esperto por supostamente estar invertendo a postura inconveniente e intimidadora dos apresentadores de um programa de TV, quando na realidade está reproduzindo a cultura do estupro, que lutamos para denunciar e eliminar. É achar graça de uma situação que invade a intimidade de uma mulher sem o consentimento dela, é considerar uma brincadeira válida “conferir” se a entrevistadora não é uma travesti, causando visível constrangimento a ela. É achar que foi uma ação contra a caretice dos dias de hoje, que fez uma grande performance artística, que abriu os olhos para a hipocrisia da nossa sociedade, quando o que fez foi simplesmente reiterar em frente às câmeras de TV, e banalizar ainda mais, a violência sexual que as mulheres enfrentam cotidianamente, nas ruas, no trabalho, dentro de casa.
Fernanda Sucupira, jornalista
O que Gerald Thomas e aquele babaca que passou a mão na sua bunda no ônibus lotado tem em comum? Fácil: os dois acham que têm o direito de violar o corpo da mulher da maneira como bem entenderem. A diferença é apenas o glamour com que tal ação é executada. No primeiro caso, o artista utilizou um argumento relativamente elaborado para forçar sua entrada embaixo da saia da entrevistadora. Segundo ele, o programa “Pânico” objetifica a mulher e, portanto, nada mais natural (?) que protestar contra isso fazendo exatamente a mesma coisa e sendo tão ou mais perverso. Mas, ao fim e ao cabo, o que ele fez não é diferente de todo assédio cotidiano que as mulheres sofrem porque parte do mesmo princípio: vou usar o corpo da mulher para provar meu ponto de vista, seja bulinando, estuprando, batendo ou torturando. E isso é machismo.
Maíra Kubik Mano, jornalista e cientista política
O comediante entra na livraria vestido como Adão – é assim que ele trabalha, dia após dia, no seu programa de humor. Usa apenas uma sunguinha cor da pele, com uma folha plástica de parreira cobrindo a genitália. A autora do livro, moça que gosta de fazer polêmica, faz pose de intellectual, mas fala uns palavrões (de nível aceitável, claro, que ela sabe bem como manejar a mídia), o recebe simpaticamente. De repente, Zaz!, ela enfia a mão por baixo da folha de parreira e lhe aplica um pouco gentil afago nos bagos. Consegue imaginar a cena? Não? E sabe por que não? Porque, no mundo este em que vivemos, determinado pela soberania do macho sobre a fêmea, é inaceitável que uma mulher exponha um homem a esse ridículo. Tão inaceitável que você sequer consegue imaginar que existe uma mulher capaz de dar um apertão no saco alheio em rede nacional de TV. Assim, só pra denunciar a cotidiana e dolorida violência contra o homem, não é?
Cristina Charão, jornalista
Machismo é um sistema de mentiras que enfraquece o senso crítico, fazendo com que você veja o “mal” em um lugar e o “bem” em outro, se tornando um consumidor-perpetrador que não questiona injustiças sociais. Vejo pessoas demonstrando isso no caso do Gerald Thomas. Dizer que não houve machismo na atitude dele não é dar uma opinião de autoria própria. Não se ganha nada em ver agressões misóginas como “normais”, ganha-se apenas um falso e frágil senso de pertencimento à nossa sociedade patriarcal. Por questões de sobrevivência, a maioria das mulheres é obrigada cotidianamente a transformar e quebrar as regras dessa mesma sociedade machista. É impossível conter essa força. Aos poucos, todos estão se dando conta que feminismo é também uma ciência econômica e social. Mesmo dando outros nomes a ele, o feminismo é praticado por todas as mulheres brasileiras.
Elisa Gargiulo, documentarista
O machismo se manifesta de inúmeras – e cada vez mais surpreendentes – maneiras. Mas, uma vez presente, nem o supostamente mais subversivo artista “escapa” de uma de suas formas mais tradicionais: a transformação do corpo da mulher em um objeto a ser utilizado e explorado pelo homem a seu bel prazer. Gerald Thomas pretendeu “responder” a um “jogo de sedução” de Nicole Bahls, mas o fez cometendo uma violência tradicional, no melhor estilo Idade Média, ainda em voga, e nada engraçada. Não ver problemas neste comportamento também não surpreende. O machismo é tão estruturante da identidade brasileira – de homens e mulheres, diga-se de passagem – que há quem veja só piada numa cena dantesca como esta. O humor, neste caso, é um aliado importante da perpetuação do machismo em nossa sociedade. Ele cria uma espécie de redoma de vidro dentro da qual tudo é permitido, inclusive enfiar a mão entre as pernas de uma entrevistadora contra a sua vontade. Não há como ser mais explícito e violento. Manter um sorriso sacana no rosto não muda a agressividade das mãos. E não enxergar isso também é uma manifestação de machismo. Quem não vê onde está o problema, é hora de revisitar seus valores e práticas.
Bia Barbosa, jornalista
E se você, amiga jornalista, sentisse as mãos de um colega apalpar sua bunda enquanto vocês sobem o elevador de um prédio a caminho de mais uma entrevista? Putz, talvez você tenha engordado e aquela calça jeans tenha ficado muito apertada… mais atenção da próxima vez! E você, professora, o que acharia se, no meio de uma reunião com o diretor da escolar, ele espiasse o seu decote (que você jurava que era discreto) e, na sequência, arrumasse um jeitinho de roçar os braços nos seus seios ao se abaixar para apanhar uma caneta? Puxa, talvez você tenha exagerado… aquele decote não era tão discreto. Ou você, doutora advogada, que no meio da reunião sentiu os pés do colega sentado ao seu lado subir por suas canelas, e de repente as mãos dele já estavam nos seus joelhos… por que foi mesmo que você inventou em ir de saia a uma reunião? E você, estudante, que saiu da aula às 11 da noite e, naquela esquina escura, já perto de casa, foi surpreendida por um cara que tapou tua boca, levantou teu vestido, te segurou com força e meteu o pau na tua vagina? Quanta dor! Mas não importa, a culpa foi tua, que usava aquele vestido curto tão tarde… Machismo é muitas coisas. Mas é sobretudo uma violência apoiada na naturalização das desigualdades sociais entre homens e mulheres. É o machismo que, diariamente, tenta se apropriar do nosso corpo e nos subtrair algo que é caro a qualquer ser humano: a nossa autonomia.
Mariana Pires, jornalista
Machismo é pensar que o corpo feminino é um território livre para os homens se divertirem, que está à disposição sempre que quiserem entrar. É encarar que um vestido curto e decotado dá permissão para apalpar uma mulher. É se considerar esperto por supostamente estar invertendo a postura inconveniente e intimidadora dos apresentadores de um programa de TV, quando na realidade está reproduzindo a cultura do estupro, que lutamos para denunciar e eliminar. É achar graça de uma situação que invade a intimidade de uma mulher sem o consentimento dela, é considerar uma brincadeira válida “conferir” se a entrevistadora não é uma travesti, causando visível constrangimento a ela. É achar que foi uma ação contra a caretice dos dias de hoje, que fez uma grande performance artística, que abriu os olhos para a hipocrisia da nossa sociedade, quando o que fez foi simplesmente reiterar em frente às câmeras de TV, e banalizar ainda mais, a violência sexual que as mulheres enfrentam cotidianamente, nas ruas, no trabalho, dentro de casa.
Fernanda Sucupira, jornalista
O que Gerald Thomas e aquele babaca que passou a mão na sua bunda no ônibus lotado tem em comum? Fácil: os dois acham que têm o direito de violar o corpo da mulher da maneira como bem entenderem. A diferença é apenas o glamour com que tal ação é executada. No primeiro caso, o artista utilizou um argumento relativamente elaborado para forçar sua entrada embaixo da saia da entrevistadora. Segundo ele, o programa “Pânico” objetifica a mulher e, portanto, nada mais natural (?) que protestar contra isso fazendo exatamente a mesma coisa e sendo tão ou mais perverso. Mas, ao fim e ao cabo, o que ele fez não é diferente de todo assédio cotidiano que as mulheres sofrem porque parte do mesmo princípio: vou usar o corpo da mulher para provar meu ponto de vista, seja bulinando, estuprando, batendo ou torturando. E isso é machismo.
Maíra Kubik Mano, jornalista e cientista política
O comediante entra na livraria vestido como Adão – é assim que ele trabalha, dia após dia, no seu programa de humor. Usa apenas uma sunguinha cor da pele, com uma folha plástica de parreira cobrindo a genitália. A autora do livro, moça que gosta de fazer polêmica, faz pose de intellectual, mas fala uns palavrões (de nível aceitável, claro, que ela sabe bem como manejar a mídia), o recebe simpaticamente. De repente, Zaz!, ela enfia a mão por baixo da folha de parreira e lhe aplica um pouco gentil afago nos bagos. Consegue imaginar a cena? Não? E sabe por que não? Porque, no mundo este em que vivemos, determinado pela soberania do macho sobre a fêmea, é inaceitável que uma mulher exponha um homem a esse ridículo. Tão inaceitável que você sequer consegue imaginar que existe uma mulher capaz de dar um apertão no saco alheio em rede nacional de TV. Assim, só pra denunciar a cotidiana e dolorida violência contra o homem, não é?
Cristina Charão, jornalista
Machismo é um sistema de mentiras que enfraquece o senso crítico, fazendo com que você veja o “mal” em um lugar e o “bem” em outro, se tornando um consumidor-perpetrador que não questiona injustiças sociais. Vejo pessoas demonstrando isso no caso do Gerald Thomas. Dizer que não houve machismo na atitude dele não é dar uma opinião de autoria própria. Não se ganha nada em ver agressões misóginas como “normais”, ganha-se apenas um falso e frágil senso de pertencimento à nossa sociedade patriarcal. Por questões de sobrevivência, a maioria das mulheres é obrigada cotidianamente a transformar e quebrar as regras dessa mesma sociedade machista. É impossível conter essa força. Aos poucos, todos estão se dando conta que feminismo é também uma ciência econômica e social. Mesmo dando outros nomes a ele, o feminismo é praticado por todas as mulheres brasileiras.
Elisa Gargiulo, documentarista
O machismo se manifesta de inúmeras – e cada vez mais surpreendentes – maneiras. Mas, uma vez presente, nem o supostamente mais subversivo artista “escapa” de uma de suas formas mais tradicionais: a transformação do corpo da mulher em um objeto a ser utilizado e explorado pelo homem a seu bel prazer. Gerald Thomas pretendeu “responder” a um “jogo de sedução” de Nicole Bahls, mas o fez cometendo uma violência tradicional, no melhor estilo Idade Média, ainda em voga, e nada engraçada. Não ver problemas neste comportamento também não surpreende. O machismo é tão estruturante da identidade brasileira – de homens e mulheres, diga-se de passagem – que há quem veja só piada numa cena dantesca como esta. O humor, neste caso, é um aliado importante da perpetuação do machismo em nossa sociedade. Ele cria uma espécie de redoma de vidro dentro da qual tudo é permitido, inclusive enfiar a mão entre as pernas de uma entrevistadora contra a sua vontade. Não há como ser mais explícito e violento. Manter um sorriso sacana no rosto não muda a agressividade das mãos. E não enxergar isso também é uma manifestação de machismo. Quem não vê onde está o problema, é hora de revisitar seus valores e práticas.
Bia Barbosa, jornalista
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