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Rui afirmou que o projeto histórico das forças progressistas abrigadas sob o guarda-chuva do PT transcende o calendário eleitoral. Ademais de defender nas urna avanços já conquistados, o partido deve trilhar novos degraus na luta pela hegemonia, observou.
Isso, se quiser que o presente não seja a mera reiteração do passado e o futuro não se resuma à atualização dos dias que correm.
Para ir além das circunstâncias atuais, o PT tem que mudar a correlação de forças na sociedade, disse Rui. E implantar três reformas que em sua opinião constituem um requisito indissociável do passo seguinte do desenvolvimento e da democracia brasileira.
São elas: a reforma política; a reforma tributária e a regulação da mídia para que se faça cumprir o que reza a Constituição de 1988, avessa ao monopólio e guardiã da pluralidade de pensamento.
Rui defende que esse tripé seja o alicerce ordenador do provável segundo mandato da Presidenta Dilma.
A questão é como assegurar que isso aconteça: mudar a correlação de forças é, ao mesmo tempo, um requisito e uma consequência dessas diretrizes.
Grosso modo, destravar o gargalo fiscal do desenvolvimento implica redefinir o volume e a origem dos fundos públicos e a destinação dos mesmos. Encerra um embate entre a riqueza e a demanda por igualdade.
A reforma política pretende fortalecer a democracia, torna-la menos dependente dos donos do dinheiro.Sobretudo no financiamento eleitoral dos partidos .
Finalmente, a questão da mídia, sublinhada por Rui.
Trata-se de reforçar o espaço do discernimento histórico da sociedade, assegurando-lhe acesso efetivo à pluralidade de ideias no debate contemporâneo.
Não se faz isso com um oligopólio reiterado pela política oficial de publicidade.
A mudança na correlação de forças, salientada pelo presidente do PT, é também um processo demarcado por saltos referenciais.
As grandes greves operárias dos anos 70/80 no ABC paulista condensaram um desses saltos no país: foram a expressão organizada de um sentimento de saturação da sociedade em relação à ditadura militar.
As mobilizações nacionais da luta pela redemocratização – o ‘Diretas Já’ – evidenciaram esse caldo de cultura.
As ideias, as dinâmicas e forças que ordenavam a economia e a sociedade no ciclo ditatorial haviam deixado de funcionar como o amálgama de uma correlação, capaz de assegurar relações estáveis entre interesses em conflito.
Incapaz de ordenar essas contradições com um conjunto aceito de políticas públicas –a começar pela política de arrocho salarial, contestadas nas fábricas e nas ruas-- a crise do Estado paralisou o sistema econômico.
Que já sangrava com a perda das fontes de financiamento, decorrente da crise da dívida externa dos anos 80.
A Constituinte de 1988, cuja importância o PT erroneamente subestimou, tentou reordenar esse vácuo constitutivo.
Os constituintes fizeram concessões à ditadura, sendo a anistia recíproca a mais ostensiva delas.
Ainda assim, a assembleia soberana legislou avanços indiscutíveis, fixando parâmetros institucionais que ainda hoje os interesses plutocráticos tentam reverter.
E o que é sobretudo notável.
Tudo isso aconteceu a contrapelo do então ascendente ciclo de supremacia do ideário neoliberal em todo o mundo.
De alguma forma, a Constituinte regulou mais do que o mercado estava disposto a ceder e a democracia representativa se mostrou capaz de materializar.
Os ventos da desregulação, soprados dos quatro cantos do mundo, varreriam parte desses avanços.
São conhecidas as distâncias entre a equidade universal consagrada na Carta e a rotina do país.
As dissonâncias avultam na saúde, educação, acesso a terra, saneamento, habitação e, mais notável, em tempos recentes, no acesso à informação plural avessa ao oligopólio, como prevê a Carta.
O ciclo tucano no poder (95/2002) ‘ajustou’ o elástico da correlação de forças.
E reverteu na prática – em muitos casos, na legislação também – o sentido histórico da Constituinte de 1988.
Não é preciso reiterar estatísticas.
O impacto qualitativo fala por si.
A supremacia mercadista instituída nos oito anos de poder do PSDB teve influencia marcante na estrutura do desenvolvimento brasileiro.
As privatizações, por exemplo.
Ademais do seu recorte expropriador, subtraíram da sociedade o poder de induzir a economia através da ação empreendedora de grandes orçamentos centralizados.
Por pouco não se perde também o BNDES. Ou o Banco do Brasil. E a Petrobrás.
A lição política desse período não pode ser esquecida.
Uma crise, mesmo quando o seu desfecho resulta em mudança de regime político, como foi o eclipse da ditadura no Brasil, não renova automaticamente a estrutura do Estado.
Pode haver regressão, ou acomodação conservadora se as forças ascendentes não alçarem uma organicidade capaz de materializar institucionalmente a nova correlação política.
Grosseiramente, a eleição de Lula, em 2002, retomou a construção histórica arquivada pelo ‘ajuste’ conservador promovido entre 1989 e 2002.
Os governos Lula e Dilma, como qualquer governo progressista, incluem elementos de conciliação, tropeço e avanço.
Mas é inegável que contribuíram para aprofundar a nova correlação de forças da qual foram a expressão política eleitoral.
Mudanças importantes na pirâmide de renda e na redução das desigualdades foram promovidas nos últimos 11 anos.
Um quadro de pleno emprego impôs ao capitalismo brasileiro a rediscussão dos seus limites estruturais.
Tratado como questão técnica pela mídia, o gargalo da infraestrutura evidencia um choque entre duas lógicas.
De um lado, o país desenhado para 1/3 da população; de outro, 40 milhões de pessoas que ascenderam ao mercado e reivindicam agora seu lugar na plena cidadania.
Muitos, à esquerda, se ressentem da flacidez doutrinária do ciclo progressista liderado pelo PT.
É um fato.
Mas é fato que a consciência de uma sociedade avança também quando aspirações históricas se traduzem em agendas de ação efetiva.
Que são apreendidas mais facilmente pelo discernimento popular do que o discurso doutrinário duro.
Do lado conservador, critica-se o PT por ter dado precedência à expansão do mercado interno, elevando o poder de compra dos salários e estendendo a abrangência dos programas sociais, como sua alavanca de poder.
Ter feito isso antes de viabilizar um ciclo correspondente de investimentos é apontado frequentemente pelos professores banqueiros do PSDB como exemplo de incompetência administrativa.
Um editorial da Folha deste domingo bate nessa tecla.
Reafirma a precedência das ‘reformas’, o controle dos reajustes salariais (leia-se, arrocho sobre o salário mínimo) e a contenção dos ‘gastos’ com a previdência.
Requisitos para um crescimento consistente que Dilma, a exemplo de Lula, mostrou-se incapaz de implantar. Sentencia o diário de conhecidos pendores tucanos.
A realidade é um tanto mais sofisticada.
A verdade é que os governos do PT –com todas as limitações conhecidas e criticáveis-- geraram um novo sujeito histórico massivo.
Ele impõe à agenda capitalista e a seus porta-vozes, caso dos Frias, um problema que não cabe em velhas receitas doutrinárias rabiscadas em editoriais de domingo.
A nova correlação de forças, embora inconclusa, podemos dizer assim, não as favorece.
Tanto que o arrocho implícito nas agendas alternativas fica restrito aos editoriais conservadores.
Os presidenciáveis encarregados de viabilizá-lo preferem dizer que ‘dá para fazer mais e melhor’.
Uma dissimulação de amplitude incontestável.
Passados onze anos da travessia liderada pelo PT, o Estado brasileiro persiste ainda aquém das determinações institucionais previstas na Carta de 1988.
O Estado não substitui a sociedade.
Ele não é o sujeito dessa defasagem, mas o espelho do entroncamento histórico que a explica.
Todavia é forçoso reconhecer também que a ação pública pode muitas vezes pode acelerar ou obstruir avanços amadurecidos na dinâmica social.
A hesitação do governo Dilma em obedecer a Constituição e providenciar fóruns e meios que assegurem a pluralidade democrática à comunicação audiovisual, enquadra- se nesse segundo caso.
Quando elenca o tripé da reforma política; reforma tributária e regulação da mídia como âncora programática de um provável segundo governo Dilma, o presidente do PT de certa forma está advertindo para uma agenda política negligenciada pelo economicismo de certas áreas do governo.
O que Rui Falcão está dizendo na verdade é que a própria continuidade do desenvolvimento depende agora de um salto de aprofundamento democrático na vida brasileira.
A correlação de forças do auge tucano foi quebrada.
O bloco de interesses conservadores não consegue mais impor ao país a sua voracidade, de forma estável e legítima.
A agressividade da mídia e a romaria frequente do conservadorismo à Suprema Corte é um sintoma dessa impossibilidade.
Como assegurar que disso resulte um salto progressista, e não uma espiral de dissolução institucional?
A questão é a democracia.
É preciso urgentemente, e de uma vez por todas, dar aderência e abrangência democrática à renovação estrutural dos atores sociais ocorrida no país na última década.
As reformas apontadas por Rui vão na direção certa.
Mas há que se elencar uma prioridade nesse entroncamento de causas e consequências.
A regulação da mídia, por ser de implementação mais rápida e ter efeitos multiplicadores na discussão das demais, dando voz à nova correlação de forças progressistas, mereceria a precedência na agenda do partido e na do governo.
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