Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os jornais de quinta-feira (06/06) dão destaque à manifestação patrocinada pelo líder religioso Silas Malafaia em Brasília, onde algumas dezenas de milhares de ativistas de igrejas ditas evangélicas marcaram pública e organizadamente suas opiniões sobre questões polêmicas como a descriminalização do aborto e o direito à união civil de homossexuais.
Como tudo que envolve Malafaia, o evento se caracterizou pela retórica do confronto, mas o discurso do presidente da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo apresentou desta vez um componente político interessante: ele acenou com simpatia para a imprensa tradicional, ao defender a liberdade de expressão e apontar o que considera o inimigo comum: aqueles que tanto ele quanto alguns colunistas de jornais e revistas chamam de “esquerdopatas”.
O pastor Silas Malafaia é um homem esperto. Pode-se mesmo dizer que se trata de um malandro, em alguns sentidos do termo, ou seja, é o hipócrita que usa em seu benefício uma inteligência que despreza a honestidade intelectual, um fariseu no significado mais completo do termo. Ao chamar o ativismo gay de “fundamentalismo do lixo moral”, ele se apropria de uma expressão que tem identificado seu próprio grupo religioso e político e define um território no qual, entre as duas minorias, pretende se apresentar como aquela que tem ascendência moral sobre a oponente.
Acontece que a sociedade é muito mais do que representam a Parada Gay ou a Marcha com Jesus: os dois grupos incorporam o raciocínio que caracteriza uma visão de mundo fragmentada, como todos os fundamentalismos. Aliás, não custa lembrar que a expressão surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, no final do século 18, quando líderes protestantes se organizaram para tentar impedir a expansão, na América, das ideias iluministas e cientificistas que se espalhavam pela Europa.
Como todo movimento libertário, o ativismo gay também milita contra seus próprios interesses, quando se nega a considerar que o comportamento social demanda o respeito a certos pudores.
A liberdade de culto e a autonomia das escolhas sexuais se inserem no mesmo contexto da diversidade, característica das sociedades evoluídas, mas em ambos os casos o exercício desses direitos exige o cumprimento de alguns protocolos sociais.
A “bolsa estupro”
As edições dos jornais de quinta-feira (6) trazem alguns exemplos dessa dificuldade de algumas minorias e seus defensores de entender certos limites ao demarcar o território de seus direitos. Veja-se, por exemplo, a polêmica em torno campanha publicitária pela prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, e dois auxiliares, deixaram os cargos por causa da repercussão de uma campanha que tinha como mote a expressão “Eu sou feliz sendo prostituta”.
Em entrevista ao Globo, o ex-diretor afirma que foi demitido porque suas ideias não se coadunam “com a política conservadora do governo” e reclamou que “o senso comum tem sido cada vez mais conservador”. O especialista em doenças infecciosas não soube entender as razões de seus assessores de comunicação que, conhecendo as características da sociedade que ele considera excessivamente conservadora, sabem que uma mensagem ambígua, como a proposta para a campanha, não iria alcançar o objetivo proposto, mas apenas estimular preconceitos.
Os grupos religiosos que pregam o retorno à vida ascética dos apóstolos e os militantes que enxergam a vida como uma celebração a Dionísio, assim como cientistas que vislumbram apenas o objeto de suas pesquisas, fazem parte da herança de uma cultura reducionista fragmentada em células de saber ou crenças impermeáveis ao contraditório.
Tem o mesmo sentido o projeto aprovado na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, pelo qual se deve criar o chamado Estatuto do Nascituro, que não é nada mais, nada menos, do que o pagamento de uma bolsa em dinheiro para mulheres que engravidarem em consequência de estupro e decidirem levar adiante a gravidez. Concebido como manobra para driblar a proposta de descriminalização do aborto, a iniciativa já está sendo chamada de “bolsa estupro”, e não é preciso um raciocínio muito elaborado para se compreender o potencial de consequências nefastas que pode provocar.
No contexto de uma sociedade conservadora, mas com uma população jovem de grande protagonismo, falar em limites de direitos é tarefa complicada, principalmente se considerarmos que a mídia tradicional não demonstra qualificação ou flexibilidade ideológica para compreender as complexidades envolvidas.
Circula nas redes sociais um vídeo cômico que ridiculariza a dificuldade de entender questões complexas. Pode ser encontrado no YouTube sob o título “Que tal ficar burro e mais feliz?”
Os jornais de quinta-feira (06/06) dão destaque à manifestação patrocinada pelo líder religioso Silas Malafaia em Brasília, onde algumas dezenas de milhares de ativistas de igrejas ditas evangélicas marcaram pública e organizadamente suas opiniões sobre questões polêmicas como a descriminalização do aborto e o direito à união civil de homossexuais.
Como tudo que envolve Malafaia, o evento se caracterizou pela retórica do confronto, mas o discurso do presidente da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo apresentou desta vez um componente político interessante: ele acenou com simpatia para a imprensa tradicional, ao defender a liberdade de expressão e apontar o que considera o inimigo comum: aqueles que tanto ele quanto alguns colunistas de jornais e revistas chamam de “esquerdopatas”.
O pastor Silas Malafaia é um homem esperto. Pode-se mesmo dizer que se trata de um malandro, em alguns sentidos do termo, ou seja, é o hipócrita que usa em seu benefício uma inteligência que despreza a honestidade intelectual, um fariseu no significado mais completo do termo. Ao chamar o ativismo gay de “fundamentalismo do lixo moral”, ele se apropria de uma expressão que tem identificado seu próprio grupo religioso e político e define um território no qual, entre as duas minorias, pretende se apresentar como aquela que tem ascendência moral sobre a oponente.
Acontece que a sociedade é muito mais do que representam a Parada Gay ou a Marcha com Jesus: os dois grupos incorporam o raciocínio que caracteriza uma visão de mundo fragmentada, como todos os fundamentalismos. Aliás, não custa lembrar que a expressão surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, no final do século 18, quando líderes protestantes se organizaram para tentar impedir a expansão, na América, das ideias iluministas e cientificistas que se espalhavam pela Europa.
Como todo movimento libertário, o ativismo gay também milita contra seus próprios interesses, quando se nega a considerar que o comportamento social demanda o respeito a certos pudores.
A liberdade de culto e a autonomia das escolhas sexuais se inserem no mesmo contexto da diversidade, característica das sociedades evoluídas, mas em ambos os casos o exercício desses direitos exige o cumprimento de alguns protocolos sociais.
A “bolsa estupro”
As edições dos jornais de quinta-feira (6) trazem alguns exemplos dessa dificuldade de algumas minorias e seus defensores de entender certos limites ao demarcar o território de seus direitos. Veja-se, por exemplo, a polêmica em torno campanha publicitária pela prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. O diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, e dois auxiliares, deixaram os cargos por causa da repercussão de uma campanha que tinha como mote a expressão “Eu sou feliz sendo prostituta”.
Em entrevista ao Globo, o ex-diretor afirma que foi demitido porque suas ideias não se coadunam “com a política conservadora do governo” e reclamou que “o senso comum tem sido cada vez mais conservador”. O especialista em doenças infecciosas não soube entender as razões de seus assessores de comunicação que, conhecendo as características da sociedade que ele considera excessivamente conservadora, sabem que uma mensagem ambígua, como a proposta para a campanha, não iria alcançar o objetivo proposto, mas apenas estimular preconceitos.
Os grupos religiosos que pregam o retorno à vida ascética dos apóstolos e os militantes que enxergam a vida como uma celebração a Dionísio, assim como cientistas que vislumbram apenas o objeto de suas pesquisas, fazem parte da herança de uma cultura reducionista fragmentada em células de saber ou crenças impermeáveis ao contraditório.
Tem o mesmo sentido o projeto aprovado na Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados, pelo qual se deve criar o chamado Estatuto do Nascituro, que não é nada mais, nada menos, do que o pagamento de uma bolsa em dinheiro para mulheres que engravidarem em consequência de estupro e decidirem levar adiante a gravidez. Concebido como manobra para driblar a proposta de descriminalização do aborto, a iniciativa já está sendo chamada de “bolsa estupro”, e não é preciso um raciocínio muito elaborado para se compreender o potencial de consequências nefastas que pode provocar.
No contexto de uma sociedade conservadora, mas com uma população jovem de grande protagonismo, falar em limites de direitos é tarefa complicada, principalmente se considerarmos que a mídia tradicional não demonstra qualificação ou flexibilidade ideológica para compreender as complexidades envolvidas.
Circula nas redes sociais um vídeo cômico que ridiculariza a dificuldade de entender questões complexas. Pode ser encontrado no YouTube sob o título “Que tal ficar burro e mais feliz?”
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