Por Matheus Pichonelli, na revista CartaCapital:
O tabuleiro estava montado. A pouco mais de um ano para as eleições, a presidenta, às turras com o Congresso, escorregava nas notícias sobre a queda de sua popularidade (ainda alta) enquanto a oposição enrolava os dardos para alvejar os flancos abertos pelo Planalto. Em uma estratégia de eficácia incerta, citava fantasmas sobre inflação e números da Petrobras para tentar convencer o eleitor de que o governo estava desnorteado. Sob a presidência de seu partido, o possível candidato tucano, senador Aécio Neves (PSDB-MG), assumiu a linha de frente em entrevistas, pronunciamentos e inserções. O governador pernambucano Eduardo Campos (PSB), ainda vacilante como a terceira via da disputa, ensaiou um discurso similar e, em seguida, submergiu.
Até que uns garotos sob a bandeira do Movimento Passe Livre (MPL) foram às ruas de São Paulo exigir a revogação do aumento das tarifas de ônibus anunciadas pela prefeitura petista e foram praticamente massacrado pela polícia do governador tucano. Deu no que deu: angariaram simpatia da esquerda cansada de autoritarismo administrativo e abuso policial e também de setores aparentemente amorfos, insatisfeitos com tudo-isso-que-está-aí (do fisiologismo dos partidos à corrupção e a alta carga de impostos não traduzida em melhoria dos serviços públicos de saúde, educação e, fecha o circulo, transportes).
Por um caminho natural, ora reforçado por quem tentava transformar o coro em uma versão do Cansei com musculatura popular, a presidenta Dilma Rousseff e o PT passaram a personificar a crise – em que pese o fato de o partido a se apresentar como a alternativa ao projeto de poder governar o estado mais rico da federação, onde os protestos tiveram origem, há 19 anos.
Em entrevista ao repórter Rodrigo Martins, o presidente nacional do PT, deputado estadual Rui Falcão, deu a deixa de como a crise seria gerenciada: declarou que os protestos acabavam de abrir campo para a discussão da reforma política, uma das principais bandeiras petistas que têm, entre suas propostas, a introdução do financiamento público de campanha no sistema eleitoral. A tese é que, sem o financiamento privado, o cadeado entre candidatos e empresas interessadas em futuros contratos públicos seria quebrado de vez. Quem estava nas ruas na bronca com o dinheiro recebido pelas empreiteiras, recordistas de doações de campanhas, nas obras da Copa do Mundo, teria motivos de sobra para analisar a proposta com um mínimo de atenção.
Foi o que percebeu o estafe de Dilma Rousseff. Em um intervalo de três dias, ela chamou o jogo para si ao fazer um pronunciamento de dez minutos na tevê e anunciar, na segunda-feira 24, cinco pontos de um pacto para atender uma multidão em fúria – alimentada pelo fato de a líder da nação evitar se reunir com movimentos sociais. Numa jogada dupla, a presidenta que havia prometido abrir canais de diálogo se reuniu com movimentos sociais, prefeitos, ministros e governadores e lançou o debate sobre a reforma política por meio de uma (tecnicamente improvável) Assembleia Constituinte. Aproveitou os holofotes para explicitar as propostas do governo sobre as quais o Congresso prometia fazer jogo duro, como a importação de médicos para a interiorização da saúde no País e a migração dos recursos do pré-sal para educação. E sugeriu transformar em crime hediondo os flagrantes de corrupção.
Jogava para uma plateia que, genericamente ou não, dizia estar “cansada dessa roubalheira toda” e também da impunidade. Foi a forma encontrada para elencar as propostas como em um debate entre candidatos na tevê. Com uma diferença: estava sozinha na plateia, sem chance de ouvir réplica e tréplicas num a disputa que, oficialmente, não começou. Lançava assim no colo do Congresso o ônus das mudanças clamadas pelas ruas. E tirava da oposição a artilharia sobre um suposto imobilismo do governo.
Xeque.
A oposição não tardou a acusar o golpe. No mesmo dia, Aécio Neves foi a público dizer que a presidenta decepcionara a nação. Argumentou ser favorável à reforma política mas, veja lá, veja bem, houve dez anos para essa proposta ser apreciada no fórum adequado, o Congresso. Mirou a presidenta, que àquela altura tomava os louros para si, e acertou o estandarte máximo da herança tucana: em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que hoje chama a ideia petista de “autoritária”, encampava uma proposta similar.
Era tarde. Enquanto juristas, a Ordem dos Advogados do Brasil, líderes partidário e os ministros do Supremo Tribunal Federal se batem sobre a viabilidade técnica da proposta, Dilma ganha tempo. Politicamente, o resultado pouco importa. O anúncio acabava de tirava o governo o foco da pancadaria com uma mensagem à população: “Vocês querem mudanças? Eu também quero”. Se elas forem encaminhadas, Dilma será lembrada agora como a “mãe” da revolução. Se o sistema jurídico travar, ela de alguma forma sinaliza ter feito o que pôde. Mas, se a oposição bloquear, como promete bloquear, que se vire com uma população em fúria.
Até que uns garotos sob a bandeira do Movimento Passe Livre (MPL) foram às ruas de São Paulo exigir a revogação do aumento das tarifas de ônibus anunciadas pela prefeitura petista e foram praticamente massacrado pela polícia do governador tucano. Deu no que deu: angariaram simpatia da esquerda cansada de autoritarismo administrativo e abuso policial e também de setores aparentemente amorfos, insatisfeitos com tudo-isso-que-está-aí (do fisiologismo dos partidos à corrupção e a alta carga de impostos não traduzida em melhoria dos serviços públicos de saúde, educação e, fecha o circulo, transportes).
Por um caminho natural, ora reforçado por quem tentava transformar o coro em uma versão do Cansei com musculatura popular, a presidenta Dilma Rousseff e o PT passaram a personificar a crise – em que pese o fato de o partido a se apresentar como a alternativa ao projeto de poder governar o estado mais rico da federação, onde os protestos tiveram origem, há 19 anos.
Em entrevista ao repórter Rodrigo Martins, o presidente nacional do PT, deputado estadual Rui Falcão, deu a deixa de como a crise seria gerenciada: declarou que os protestos acabavam de abrir campo para a discussão da reforma política, uma das principais bandeiras petistas que têm, entre suas propostas, a introdução do financiamento público de campanha no sistema eleitoral. A tese é que, sem o financiamento privado, o cadeado entre candidatos e empresas interessadas em futuros contratos públicos seria quebrado de vez. Quem estava nas ruas na bronca com o dinheiro recebido pelas empreiteiras, recordistas de doações de campanhas, nas obras da Copa do Mundo, teria motivos de sobra para analisar a proposta com um mínimo de atenção.
Foi o que percebeu o estafe de Dilma Rousseff. Em um intervalo de três dias, ela chamou o jogo para si ao fazer um pronunciamento de dez minutos na tevê e anunciar, na segunda-feira 24, cinco pontos de um pacto para atender uma multidão em fúria – alimentada pelo fato de a líder da nação evitar se reunir com movimentos sociais. Numa jogada dupla, a presidenta que havia prometido abrir canais de diálogo se reuniu com movimentos sociais, prefeitos, ministros e governadores e lançou o debate sobre a reforma política por meio de uma (tecnicamente improvável) Assembleia Constituinte. Aproveitou os holofotes para explicitar as propostas do governo sobre as quais o Congresso prometia fazer jogo duro, como a importação de médicos para a interiorização da saúde no País e a migração dos recursos do pré-sal para educação. E sugeriu transformar em crime hediondo os flagrantes de corrupção.
Jogava para uma plateia que, genericamente ou não, dizia estar “cansada dessa roubalheira toda” e também da impunidade. Foi a forma encontrada para elencar as propostas como em um debate entre candidatos na tevê. Com uma diferença: estava sozinha na plateia, sem chance de ouvir réplica e tréplicas num a disputa que, oficialmente, não começou. Lançava assim no colo do Congresso o ônus das mudanças clamadas pelas ruas. E tirava da oposição a artilharia sobre um suposto imobilismo do governo.
Xeque.
A oposição não tardou a acusar o golpe. No mesmo dia, Aécio Neves foi a público dizer que a presidenta decepcionara a nação. Argumentou ser favorável à reforma política mas, veja lá, veja bem, houve dez anos para essa proposta ser apreciada no fórum adequado, o Congresso. Mirou a presidenta, que àquela altura tomava os louros para si, e acertou o estandarte máximo da herança tucana: em 1999, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que hoje chama a ideia petista de “autoritária”, encampava uma proposta similar.
Era tarde. Enquanto juristas, a Ordem dos Advogados do Brasil, líderes partidário e os ministros do Supremo Tribunal Federal se batem sobre a viabilidade técnica da proposta, Dilma ganha tempo. Politicamente, o resultado pouco importa. O anúncio acabava de tirava o governo o foco da pancadaria com uma mensagem à população: “Vocês querem mudanças? Eu também quero”. Se elas forem encaminhadas, Dilma será lembrada agora como a “mãe” da revolução. Se o sistema jurídico travar, ela de alguma forma sinaliza ter feito o que pôde. Mas, se a oposição bloquear, como promete bloquear, que se vire com uma população em fúria.
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