Por Altamiro Borges
Fantasmas do passado
Em sua coluna no último domingo (8), Suzana Singer, ombudsman da Folha, lamentou que o jornal em que trabalha nunca tenha feito qualquer autocrítica sobre seu apoio ao golpe militar de 1964. O motivo da lamúria foi o recente editorial de O Globo, que finalmente reconheceu - ainda de forma matreira - o "erro" cometido naquele triste episódio da história brasileira. Reproduzo abaixo a crítica da ombudsman da Folha, que é corajosa, mas insuficiente, e volto em seguida:
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Fantasmas do passado
Em autocrítica inédita na imprensa, "O Globo" admite que foi um erro ter apoiado o golpe de 64
Diante dos gritos "A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura!", que se ouvem nos protestos de rua, a reação esperada de um grande órgão de imprensa seria: 1) ignorar a provocação; 2) desmenti-la; 3) tentar justificar-se.
No domingo passado, as Organizações Globo surpreenderam ao não fazerem nada disso. O jornal "O Globo" publicou um editorial no qual reconhece que o apoio dado ao golpe militar de 1964 foi um erro.
"De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura", admite o jornal. O editorial cita o contexto da época - Guerra Fria, radicalização do governo João Goulart e a promessa dos militares de que seria uma "intervenção passageira" - para justificar o apoio dado ao golpe, chamado por muito tempo de "revolução".
O "Globo" fez questão de sublinhar que, ao concordar com a intervenção militar, estava "ao lado de outros grandes jornais, como 'O Estado de S. Paulo', Folha, 'Jornal do Brasil' e o 'Correio da Manhã'". De fato, dos grandes periódicos, só a "Última Hora", de Samuel Wainer, ficou ao lado de João Goulart.
Só que o "Globo" deu apoio à ditadura praticamente até o fim, o que o jornal admite, embora ressalve que "sempre cobrou (...) o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática".
"'O Globo' não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. À luz da história, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original", diz o texto divulgado na internet e na TV.
É a primeira vez que se vê tamanho ato de contrição na imprensa brasileira. Trata-se do principal conglomerado de mídia assumindo um erro editorial - não de informação - sobre um momento decisivo da história recente do país.
A Globo tinha ensaiado algo semelhante ao incluir no livro "Jornal Nacional, a notícia faz história" (2004) avaliações que pretendiam refutar duas acusações que pesam sobre a emissora: a de que fez uma cobertura pífia dos comícios que pediam as Diretas-Já e a de que favoreceu Collor na edição do debate presidencial com Lula em 1989.
A diferença é que nesses casos havia mais explicações visando afastar imputações de má-fé do que admissão de erros, num tom muito diferente do assumido agora.
A Folha, o jornal mais aberto a críticas e o único, entre os grandes, que mantém um ombudsman, nunca fez algo parecido.
Por ocasião da polêmica em torno do termo "ditabranda", em 2009, publicou apenas uma nota em que dizia que o uso da expressão em editorial tinha sido um erro. "O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis", dizia a nota, cujo título - "Folha avalia que errou, mas reitera críticas" - mostrava que o jornal estava fazendo a correção meio a contragosto.
O estrondoso mea-culpa global, que ocupou quase três minutos do "Jornal Nacional", foi impulsionado pelos protestos de junho. O texto que introduz o editorial "1964" assume isso, ao dizer que "governo e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas".
Não importa tanto se há interesses outros nessa autocrítica, feita às vésperas dos 50 anos do golpe, ou se havia muito mais para ser dito. O principal é perceber que se está dando uma satisfação ao público, que hoje, graças às redes sociais, tem uma capacidade inédita de expressão - e de pressão.
É um primeiro passo no longo caminho para a transparência, que passa pelo respeito ao "outro lado", pela obsessão com o equilíbrio, pelo reconhecimento rápido dos erros cometidos e por canais que permitam uma crítica constante.
Quem sabe "o futuro já começou", como diz o slogan de fim de ano da emissora.
Diante dos gritos "A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura!", que se ouvem nos protestos de rua, a reação esperada de um grande órgão de imprensa seria: 1) ignorar a provocação; 2) desmenti-la; 3) tentar justificar-se.
No domingo passado, as Organizações Globo surpreenderam ao não fazerem nada disso. O jornal "O Globo" publicou um editorial no qual reconhece que o apoio dado ao golpe militar de 1964 foi um erro.
"De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura", admite o jornal. O editorial cita o contexto da época - Guerra Fria, radicalização do governo João Goulart e a promessa dos militares de que seria uma "intervenção passageira" - para justificar o apoio dado ao golpe, chamado por muito tempo de "revolução".
O "Globo" fez questão de sublinhar que, ao concordar com a intervenção militar, estava "ao lado de outros grandes jornais, como 'O Estado de S. Paulo', Folha, 'Jornal do Brasil' e o 'Correio da Manhã'". De fato, dos grandes periódicos, só a "Última Hora", de Samuel Wainer, ficou ao lado de João Goulart.
Só que o "Globo" deu apoio à ditadura praticamente até o fim, o que o jornal admite, embora ressalve que "sempre cobrou (...) o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática".
"'O Globo' não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país. À luz da história, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original", diz o texto divulgado na internet e na TV.
É a primeira vez que se vê tamanho ato de contrição na imprensa brasileira. Trata-se do principal conglomerado de mídia assumindo um erro editorial - não de informação - sobre um momento decisivo da história recente do país.
A Globo tinha ensaiado algo semelhante ao incluir no livro "Jornal Nacional, a notícia faz história" (2004) avaliações que pretendiam refutar duas acusações que pesam sobre a emissora: a de que fez uma cobertura pífia dos comícios que pediam as Diretas-Já e a de que favoreceu Collor na edição do debate presidencial com Lula em 1989.
A diferença é que nesses casos havia mais explicações visando afastar imputações de má-fé do que admissão de erros, num tom muito diferente do assumido agora.
A Folha, o jornal mais aberto a críticas e o único, entre os grandes, que mantém um ombudsman, nunca fez algo parecido.
Por ocasião da polêmica em torno do termo "ditabranda", em 2009, publicou apenas uma nota em que dizia que o uso da expressão em editorial tinha sido um erro. "O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis", dizia a nota, cujo título - "Folha avalia que errou, mas reitera críticas" - mostrava que o jornal estava fazendo a correção meio a contragosto.
O estrondoso mea-culpa global, que ocupou quase três minutos do "Jornal Nacional", foi impulsionado pelos protestos de junho. O texto que introduz o editorial "1964" assume isso, ao dizer que "governo e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas".
Não importa tanto se há interesses outros nessa autocrítica, feita às vésperas dos 50 anos do golpe, ou se havia muito mais para ser dito. O principal é perceber que se está dando uma satisfação ao público, que hoje, graças às redes sociais, tem uma capacidade inédita de expressão - e de pressão.
É um primeiro passo no longo caminho para a transparência, que passa pelo respeito ao "outro lado", pela obsessão com o equilíbrio, pelo reconhecimento rápido dos erros cometidos e por canais que permitam uma crítica constante.
Quem sabe "o futuro já começou", como diz o slogan de fim de ano da emissora.
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Há várias razões que explicam a surpreendente "confissão" da Rede Globo. Os crescentes protestos em frente às sedes da emissora em vários estados - nos últimos, jovens lançaram bosta nos portões da empresa; as recentes denúncias sobre a sonegação milionária do império midiático, que é motivo inclusive de um pedido de abertura de CPI; a pressão para que a famiglia Marinho seja convocada pela Comissão da Verdade; e a acelerada perda de credibilidade do grupo, medida pela queda de audiência do seu canal aberto e da tiragem do seu jornal. Há ainda a acirrada disputa pelo bilionário mercado publicitário, com o fantasma do Google ameaçando a hegemonia das Organizações Globo.
No caso da Folha, apesar da sua grave crise financeira - que já resultou em demissões e extinção de cadernos -, ela ainda não foi acossada por protestos de rua e nem está na berlinda no parlamento. Neste sentido, ela não se sente pressionada a pedir "desculpas" por seu apoio entusiástico ao golpe de 1964. Na prática, a famiglia Frias nunca admitiu os seus crimes. Ela não apenas apoiou o golpe. Ela apoiou a ditadura militar, aliando-se ao setor linha dura dos generais. Ela cedeu suas peruas de transporte de jornal para a repressão e a tortura de presos políticos. Ela justificou o assassinato dos "terroristas" - conforme estampou em várias de suas capas no período mais sombrio da ditadura.
Quando o regime militar já estava despencando, a Folha deu uma guinada "mercadológica" e apoiou à campanha das Diretas-Já. Isto não significa que os seus crimes "jornalísticos" tenham cessado. Na Assembleia Nacional Constituinte, em 1988, o jornal militou contra os direitos trabalhistas e contra qualquer capítulo de defesa da soberania. Na primeira eleição presidencial após a democratização, ele operou ativamente contra a candidatura do líder operário Lula. Já no triste reinado de FHC, o jornal foi um dos principais porta-vozes do desmonte neoliberal do estado, da nação e do trabalho. No governo Lula, a Folha tornou-se líder da oposição de direita - como reconheceu uma executiva do grupo, Judith Brito, ex-presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Por último, nesta triste trajetória, o jornal estampou uma ficha policial falsa contra a candidata Dilma Rousseff.
A ombudsman da Folha acerta ao lamentar que o jornal nunca tenha admitido o seu erro no apoio ao golpe de 1964. Talvez ele até atenda ao seu pedido num futuro próximo - "não importando tanto se há interesses outros nessa autocrítica". Mas isto não vai torná-lo "o jornal mais aberto às críticas" e nem garantirá a recuperação da sua credibilidade. A Folha já cometeu e continua cometendo vários crimes de manipulação da opinião pública. Nesta terça-feira (9), membros da Comissão da Verdade de São Paulo criticaram duramente o jornal. "A Folha ainda não fez sua autocrítica. Ela continua acreditando na ditabranda", ironizou o deputado Adriano Diogo (PT).
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A esquerda continua analisando os fatos que ocorreram durante o regime militar como se não estivesse em curso na época uma guerrilha urbana de fato. O terrorismo com seus assaltos a bancos, atentados à bomba, raptos de embaixadores e assassinatos agia à margem da lei. Os militares respondiam na mesma medida. E a mídia ficava do lado do povo que é de paz e não concorda com terrorismo. Querem agora transformar tudo isso numa pergunta do tipo quem surgiu primeiro o ovo ou a galinha, perguntando se tal jornal apoiou ou não o regime militar? Tenham a santa paciência!
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