quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O que nem Dilma nem Marina dizem

Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Dilma e Marina, os dois principais nomes para 2014, estão falando da questão da desigualdade social - o maior desafio do país e do mundo - sem tocar no ponto central dela.

O ponto: você não faz nada de realmente expressivo contra a iniquidade se não cobrar mais impostos dos mais ricos. Poucas semanas atrás, o Nobel da Economia Robert Schiller disse exatamente isso.

Schiller disse temer que o mundo fique ainda mais desigual, e exortou os governos a taxar mais os ricos. Não por gostar dos ricos, ele disse, mas para que as coisas não fiquem ainda mais malucas.

No Brasil, não se trata nem de fazer os ricos pagarem mais impostos. Estamos um passo atrás. Trata-se de fazê-los pagar impostos. O caso de sonegação comprovada da Globo na compra dos direitos da Copa de 2002 é exemplar. Passados meses desde que documentação denunciadora apareceu num vazamento de alguém da Receita, nada aconteceu.

Repito: nada. Absolutamente nada. Nem a Globo pagou – em dinheiro de hoje, a dívida é calculada em 1 bilhão de reais – e nem, ao que se saiba, o poder público se movimentou para cobrar e punir.

Na Europa e nos Estados Unidos, há um empenho dos governos em fechar o cerco a práticas das grandes corporações catalogadas como “legais mas imorais”, a maior das quais é criar subsidiárias em paraísos fiscais com o único objetivo de não pagar o imposto devido.

É o que no Brasil se chama, eufemisticamente, de “planejamento fiscal”.

Empresas como Google, Amazon, Microsoft e Starbucks estão sofrendo um forte cerco fiscal nos Estados Unidos e na Europa. Vários governos têm divulgado o quanto faturam e quanto pagam de imposto. São taxas fiscais irrisórias, na faixa de 5%, ou às vezes até menos.

Na Inglaterra, até escritórios especializados em oferecer “planejamento fiscal” a grandes empresas estão sendo investigados e, não raro, caçados.

Fora tudo, o uso de paraísos fiscais gera uma enorme desigualdade. Os ricos ficam mais ricos e os pobres mais pobres. Para manter as contas em ordem, os governos avançam sobre pensionistas, viúvas etc – a parte mais fraca. E a história contemporânea mostrou que os mais fracos cansaram de ser espremidos, e foram para as ruas protestar.

Na sociedade mais avançada do mundo, a escandinava, a fórmula do sucesso é exatamente cobrar mais impostos dos ricos.

No Brasil, é um tema proibido. A direita não fala nada, por razões óbvias: é beneficiária da desigualdade. E a esquerda tem medo do poder da plutocracia. Quem perde, com isso, é a sociedade.

Veja Dilma e Marina, por exemplo. Dilma afirmou que o leilão de Libra vai contribuir poderosamente para a construção de uma sociedade “mais justa e com melhor distribuição de renda”. A intenção é boa, mas sem cobrar mais imposto dos ricos nem 100 Libras vão resolver a tragédia da iniquidade nacional.

Marina, no Roda Viva, foi sabatinada sobre sua visão tributária por Maria Christina Pinheiro, do Valor.

A maior alíquota no Brasil é de 27,5%, disse Maria Christina. (Na Escandinávia, é cerca de 50%.) Marina pensa em mudar isso?

Loquaz o tempo todo, a ponto de ignorar as tentativas frustradas do mediador do programa de abreviar as respostas, Marina desconversou e logo mudou de assunto.

Enquanto os políticos brasileiros não enfrentarem a verdade – o Brasil é uma espécie de paraíso fiscal para quem pode mais, e isso tem que mudar urgentemente – falar em sociedade justa vai ser pouco mais que uma questão retórica.

2 comentários:

  1. Bom, a arrecadação só tem aumentado, graças a mecanismos de eficiência fiscal, mesmo com as desonerações. Desonerar os menos ricos (alíquotas mais baixas para autônomos, empregadas domésticas, microempresários, p.ex.) é uma forma de promover justiça fiscal sim. Não ver isso é miopia sim.

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  2. Se o aumento do IPTU de São Paulo já está causando uma bela gritaria (eu mesma sou contemplada com uma bela taxa de aumento, mas não a maior), imagine-se taxar mesmo, pesadamente, os mais ricos. Falo dos ricos mesmo, não da classe média alta, que são executivos ou funcionários públicos de carreira graduados.
    Mas não resta dúvida que o assunto precisa entrar em discussão. Ficaria bem mais fácil se introduzissem o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Do jeito que é, quem é o político que vai tocar no assunto?

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