Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Os três principais jornais de circulação nacional resolveram, nesta sexta-feira (08/11), praticar algum jornalismo no caso que envolve o sistema de propinas que encareceu e atrasou o programa de transporte sobre trilhos na região metropolitana de São Paulo. O leitor ou leitora que tiver paciência e disponibilidade para vasculhar os fragmentos de notícias que a imprensa vem ofertando até aqui sobre esse caso vai concluir, facilmente, que se trata de um crime continuado, com alto grau de planejamento, e não apenas de um caso isolado de cartel, como vinham insistindo os jornais até aqui.
O fato que obriga a imprensa a dar mais atenção ao esquema é o bloqueio de bens dos principais envolvidos, no valor total de R$ 60 milhões, que acaba de ser determinado pela Justiça Federal. Os atingidos são cinco dos acusados, entre eles três ex-diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, além das empresas Siemens e Alstom, que teriam sido beneficiadas com obras obtidas à base de propina. Os jornais divergem quanto ao período, mas o inquérito se refere aos anos de 1995 a 2008, alcançando principalmente os mandatos de Geraldo Alckmin e José Serra, do PSDB.
Com todas as evidências de que se tratava de um atentado sistêmico contra o interesse público, no entanto, os jornais vinham insistindo em tratar o caso como "denúncia de cartel", concentrando-se apenas nas informações prestadas voluntariamente pela direção da empresa alemã Siemens. Paralelamente, eram noticiados aspectos do envolvimento da francesa Alstom, como se fossem dois casos diferentes. Com esse apoio da mídia, o governador Alckmin entrou com processo contra a Siemens, com o propósito declarado de obrigá-la a ressarcir os cofres públicos por eventuais prejuízos.
A decisão da Justiça, de bloquear os bens de antigos auxiliares de Alckmin e Serra, expõe a ridículo a tentativa de dirigir o foco à empresa que supostamente pagou a propina, omitindo a culpabilidade de quem teria recebido o dinheiro. Uma juíza federal sepultou a manobra, ao exigir que o governo paulista refaça a ação de indenização, incluindo todas as 19 empresas que teriam atuado em conluio com agentes públicos para aumentar os preços de obras do metrô e do sistema de trens metropolitanos.
Crime continuado
No Ministério Público de São Paulo, procuradores criticam publicamente o governador pela manobra canhestra na tentativa de ocultar o esquema de corrupção. Segundo a Folha de S. Paulo, integrantes do MPE ridicularizam a ação, acusando o procurador-geral do Estado de agir politicamente para preservar Alckmin, declarando que o processo de indenização contra a Siemens "foi mais uma ação política do que um trabalho jurídico de recuperação da verba desviada".
A manobra é tão primária que, numa rápida leitura, pode-se notar como o procurador-geral apenas copiou e colou os elementos da confissão feita publicamente pela própria Siemens em seu acordo para a delação do cartel. Que o governador se submeta a tal vexame, pode-se entender como parte do jogo político. O que causa espanto é que os jornais embarquem no esforço de encobrir o que é, certamente, um dos grandes escândalos do nosso tempo. Por conta de acordos que agora estão sendo revelados, certamente os preços das obras de expansão e manutenção minaram a capacidade de investimento do Estado, atrasando o desenvolvimento do sistema de trens e metrô de São Paulo.
Não há como dissimular que se trata de um sistema organizado de fraudes, com manipulação de preços, iniciado ainda no governo de Mario Covas, que assumiu em 1995 e faleceu em 2001, e continuado sob os mandatos de seus sucessores. Segundo o Estado, o esquema começou com a Alstom em 1995. Segundo o Globo, a Siemens pagou propinas a autoridades estaduais entre 1998 e 2008. Segundo a Folha, o esquema da Alstom ainda funcionava entre 2000 e 2007. Feitas as contas, mesmo os leitores e leitoras mais distraídos vão concluir que não era apenas um caso eventual de cartel.
"A simulação é uma profecia que, de tanto ser repetida, se fortalece como uma realidade", dizia o sociólogo francês Jean Baudrillard. No caso, a cumplicidade da imprensa quase transforma em realidade a farsa do cartel de uma empresa só. A decisão da Justiça desmascara a versão vendida pelo governador e engolida pelos jornais. Os trens lotados e a indecência do transporte público são o resultado desse esquema.
Os três principais jornais de circulação nacional resolveram, nesta sexta-feira (08/11), praticar algum jornalismo no caso que envolve o sistema de propinas que encareceu e atrasou o programa de transporte sobre trilhos na região metropolitana de São Paulo. O leitor ou leitora que tiver paciência e disponibilidade para vasculhar os fragmentos de notícias que a imprensa vem ofertando até aqui sobre esse caso vai concluir, facilmente, que se trata de um crime continuado, com alto grau de planejamento, e não apenas de um caso isolado de cartel, como vinham insistindo os jornais até aqui.
O fato que obriga a imprensa a dar mais atenção ao esquema é o bloqueio de bens dos principais envolvidos, no valor total de R$ 60 milhões, que acaba de ser determinado pela Justiça Federal. Os atingidos são cinco dos acusados, entre eles três ex-diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, além das empresas Siemens e Alstom, que teriam sido beneficiadas com obras obtidas à base de propina. Os jornais divergem quanto ao período, mas o inquérito se refere aos anos de 1995 a 2008, alcançando principalmente os mandatos de Geraldo Alckmin e José Serra, do PSDB.
Com todas as evidências de que se tratava de um atentado sistêmico contra o interesse público, no entanto, os jornais vinham insistindo em tratar o caso como "denúncia de cartel", concentrando-se apenas nas informações prestadas voluntariamente pela direção da empresa alemã Siemens. Paralelamente, eram noticiados aspectos do envolvimento da francesa Alstom, como se fossem dois casos diferentes. Com esse apoio da mídia, o governador Alckmin entrou com processo contra a Siemens, com o propósito declarado de obrigá-la a ressarcir os cofres públicos por eventuais prejuízos.
A decisão da Justiça, de bloquear os bens de antigos auxiliares de Alckmin e Serra, expõe a ridículo a tentativa de dirigir o foco à empresa que supostamente pagou a propina, omitindo a culpabilidade de quem teria recebido o dinheiro. Uma juíza federal sepultou a manobra, ao exigir que o governo paulista refaça a ação de indenização, incluindo todas as 19 empresas que teriam atuado em conluio com agentes públicos para aumentar os preços de obras do metrô e do sistema de trens metropolitanos.
Crime continuado
No Ministério Público de São Paulo, procuradores criticam publicamente o governador pela manobra canhestra na tentativa de ocultar o esquema de corrupção. Segundo a Folha de S. Paulo, integrantes do MPE ridicularizam a ação, acusando o procurador-geral do Estado de agir politicamente para preservar Alckmin, declarando que o processo de indenização contra a Siemens "foi mais uma ação política do que um trabalho jurídico de recuperação da verba desviada".
A manobra é tão primária que, numa rápida leitura, pode-se notar como o procurador-geral apenas copiou e colou os elementos da confissão feita publicamente pela própria Siemens em seu acordo para a delação do cartel. Que o governador se submeta a tal vexame, pode-se entender como parte do jogo político. O que causa espanto é que os jornais embarquem no esforço de encobrir o que é, certamente, um dos grandes escândalos do nosso tempo. Por conta de acordos que agora estão sendo revelados, certamente os preços das obras de expansão e manutenção minaram a capacidade de investimento do Estado, atrasando o desenvolvimento do sistema de trens e metrô de São Paulo.
Não há como dissimular que se trata de um sistema organizado de fraudes, com manipulação de preços, iniciado ainda no governo de Mario Covas, que assumiu em 1995 e faleceu em 2001, e continuado sob os mandatos de seus sucessores. Segundo o Estado, o esquema começou com a Alstom em 1995. Segundo o Globo, a Siemens pagou propinas a autoridades estaduais entre 1998 e 2008. Segundo a Folha, o esquema da Alstom ainda funcionava entre 2000 e 2007. Feitas as contas, mesmo os leitores e leitoras mais distraídos vão concluir que não era apenas um caso eventual de cartel.
"A simulação é uma profecia que, de tanto ser repetida, se fortalece como uma realidade", dizia o sociólogo francês Jean Baudrillard. No caso, a cumplicidade da imprensa quase transforma em realidade a farsa do cartel de uma empresa só. A decisão da Justiça desmascara a versão vendida pelo governador e engolida pelos jornais. Os trens lotados e a indecência do transporte público são o resultado desse esquema.
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