domingo, 17 de novembro de 2013

STF gera ovo da serpente

Por Marco Piva

Leio os comentários de notícias veiculadas na imprensa sobre a decretação da prisão dos réus da Ação Penal 470, conhecida vulgarmente como “mensalão”, e me assusto com o nível do debate que se avizinha para 2014. Um exemplo. Na matéria “Pena é injusta, diz José Dirceu em carta aos brasileiros”, divulgada no site baiano A Tarde e reproduzida no Estadao.com, três comentários, entre outros, dão a exata medida do ovo da serpente em gestação no Brasil.



Vejamos: “Sr. José Dirceu, concordo que a pena foi injusta. Regime semiaberto é muito pouco pra você. Você é um bandido muito perigoso e truculento. Merecia mais, muito mais...” (Marcos Felix Valverde, 16/112013, às 10h35). Pouco antes, às 10h03, Jorge Manoel dos Santos Costa afirmou categórico: “Realmente a pena é injusta para aqueles que necessitavam dos recursos subtraídos por este lalau”. Às 9h42 desse mesmo dia (16/11), José de Barros Nascimento decretava: “LUGAR DE LADRÃO É NA CADEIA, MUDA BRASIL”. Assim mesmo, em letras garrafais.

Não tenho a menor ideia se essas pessoas existem de verdade, se pensam da maneira que escrevem ou ainda se são simplesmente reprodutores do que ouvem e leem na mídia. O fato é que não se pode desprezar tamanha virulência na exigência do cumprimento de uma condenação baseada em um processo questionável que negou o duplo grau de jurisdição, pilar fundamental do direito de defesa em um estado democrático. Não foi outro o motivo que levou Henrique Pizzolato a se decidir pela fuga para a Itália, onde, como cidadão italiano, poderá ter um novo julgamento “em um Tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial”.

O “mensalão” foi um apelido dado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB/RJ) a um suposto esquema de pagamento de parlamentares para aprovação de projetos de interesse do governo do ex-presidente Lula. Dito isto em uma entrevista exclusiva ao jornal Folha de S. Paulo, virou jargão político e serviu como mote para uma batalha ideológica da oposição e da mídia que contaminou a sociedade e, por que não dizer, o próprio STF.

Mas, afinal o que está em jogo quando um país que não conseguiu punir um único torturador da ditadura militar aplaude a prisão, em plena vigência da democracia, de pessoas que combateram essa mesma ditadura? É difícil entender essa situação para quem, como eu e tantos outros, nos debruçamos desde a nossa juventude, quase adolescência, a restituir a liberdade usurpada pelo golpe cívico-militar de 31 de março de 1964.

Mais difícil ainda de entender quando, conquistada essa liberdade e o estado de direito, as elites conservadoras e reacionárias de sempre fazem valer sua versão de que a corrupção é o mal de todos os males do sistema político e que, portanto, merece punição exemplar. Ora, quem em sã consciência é contra essa bandeira? Ocorre que a história do “mensalão” é contada pela metade porque os denunciados são seletivamente nomeados e as provas, questionáveis, até mesmo por juristas antipetistas como Ives Granda da Silva.

Nesse sentido, a fuga de Henrique Pizzolato para a Itália constitui a novidade nesse processo que ainda não terminou. Sem ele, não haveria condenação porque a base da Ação Penal 470 está baseada no suposto uso do dinheiro público para pagamento de parlamentares. O ex-diretor do Banco do Brasil apresentou esclarecimentos essenciais que, caso houvesse um julgamento isento de pressões políticas e midiáticas, o chamado “mensalão” tomaria outro rumo. Vejamos o que diz Pizzolato: 1) que a verba de publicidade da Visanet foi utilizada de acordo com o contrato e auditada; 2) que a liberação da verba passava pela aprovação de um comitê formado por três pessoas com cargos hierarquicamente semelhantes; 3) que, sendo assim, por que somente ele foi arrolado como réu?; 4) que a Visanet é constituída por sócios privados e públicos e não somente pelo Banco do Brasil, seu principal acionista; 5) que a auditoria interna do Banco do Brasil constatou a legalidade da ação de Pizzolato no episódio.

Nenhum desses argumentos foram considerados pelo relator do caso, Joaquim Barbosa, que preferiu não incluí-los no processo, fatiando a Ação Penal 470 exatamente para torná-la o que acabou sendo: uma peça intimidatória, juridicamente questionável, porém politicamente eficaz porque garantiu a tese de que houve desvio de dinheiro público.

Caso Pizzolato de fato consiga um novo julgamento na Itália e sustente suas argumentações, terá boas chances de ser inocentado e abrir um novo caminho para parte dos réus que agora cumprem suas penas. Claro está que não faltarão aqueles que ressuscitarão o tema da não extradição de Cesare Battisti para confundir o que de verdade está em jogo. Mas, uma coisa é certa: o destino da cena política brasileira, especialmente a disputa eleitoral de 2014, se transferiu momentaneamente para a Itália.

2 comentários:

  1. Maravilhoso testo, deixando de forma sucinta, claro o q aconteceu nesse julgamento, desde a 1° denuncia.
    Espero q esse "ovo", choque no meio do picadeiro, dos donos do circo. e espero ardentemente, q tds esses q hj tem o poder de fazer essas atrocidades com a Democracia e com a nossa Constituição, sejam, senão vencidos, jogados ao ostracismo, onde ninguém lhes confira mais nenhuma importância. Ainda assim, correremos perigo de q voltem. Mas será uma nova batalha. Por hora, q retirem o poder conferido a quem ñ sabe usar. Lei de médios. Novo julgamento. Regulem a internet, pq é por aqui q estamos conseguindo segurar essa peteca.....

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  2. Ministro Marco Aurélio, do STF, diz que réus do mensalão tiveram direitos desrespeitados
    A postura açodada e talvez fora do que prevê a jurisprudência do próprio STF, situação gravíssima já que pretensamente cometida pelo presidente do poder judiciário, pois o mesmo é pago exatamente para que a lei seja respeitada, está sendo questionada pelo ministro Marco Aurélio.
    Tenho esperança, enquanto cidadão brasileiro, que a comunidade jurídica e até mesmo o STF em seu colegiado discuta, à luz do Direito, e não da opinião "pública" e ou mídia, seriamente a suposta ilegalidade nas prisões de Dirceu e Genoíno.
    Ao assistir a entrevista do ministro Marco Aurélio, fiquei com as seguintes dúvidas:

    Por que Dirceu e Genoíno foram levados para Brasília, ao invés de ficarem presos em suas cidades?
    O ministro Joaquim Barbosa deu ordem para o deslocamento dos réus para Brasília?
    A decisão foi legal?
    Dirceu e Genoíno têm direito a regime semi-aberto, como prescreve a lei brasileira, então porque foram para o regime fechado?
    O ministro Joaquim Barbosa deu ordem para que os réus fossem presos no regime fechado?
    A decisão foi legal?
    Dirceu e Genoíno foram presos sem expedição de carta de sentença, como manda a lei?
    O ministro Joaquim Barbosa pode ser responsabilizado judicialmente ou politicamente por suposto ato ilegal?
    Cabe impeachment do ministro Joaquim Barbosa (inciso II do art.52, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988), por suposto ato ilegal?
    O ministro Joaquim Barbosa teve dificuldade de entender a lei de execução penal?

    http://araujopaulo.blogspot.com.br/2013/11/ministro-marco-aurelio-do-stf-diz-que.html

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