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Em novembro, logo após a “espetacularização midiática” da prisão dos réus da Ação Penal 470, o chamado mensalão, advogados, juristas, partidos e entidades lançaram manifesto de repúdio às medidas adotadas pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF):
A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal de mandar prender no dia da proclamação da República expõe claro açodamento e ilegalidade.
(…)
Sem qualquer razão meramente defensável, organizou-se um desfile aéreo, custeado com dinheiro público e com forte apelo midiático, para levar todos os réus a Brasília. Não faz sentido transferir para o regime fechado, no presídio da Papuda, réus que deveriam iniciar o cumprimento das penas já no semiaberto em seus estados de origem. Só o desejo pelo espetáculo justifica.
Tal medida, tomada monocraticamente pelo ministro relator Joaquim Barbosa, nos causa profunda preocupação e constitui mais um lamentável capítulo de exceção em um julgamento marcado por sérias violações de garantias constitucionais.
(…)
Não escrevemos em nome dos réus, mas de uma significativa parcela da sociedade que está perplexa com a exploração midiática das prisões e teme não só pelo destino dos réus, mas também pelo futuro do Estado Democrático de Direito no Brasil.Celso Antônio Bandeira de Mello, um dos mais eminentes juristas brasileiros, assinou o manifesto. Em entrevista ao IG, ele sentenciou: “Joaquim Barbosa é um homem mau, com pouco sentimento humano”.
Referia-se, especificamente, à forma como Joaquim Barbosa conduziu a prisão de José Genoino, 67 anos, ex-deputado federal ex-presidente nacional do PT, que tem problemas graves de saúde.
Pois, além de “homem mau, com pouco sentimento humano”, Joaquim Barbosa é cruel; aparentemente tem prazer em causar dor alheia.
Genoino, devido à fragilidade de sua saúde, pediu ao STF para cumprir em casa os 6 anos e 11 meses de prisão em regime semiaberto a que foi sentenciado.
Em 2 de dezembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, recomendou para Genoino a prisão domiciliar durante 90 dias e reavaliação da situação após esse prazo.
Em parecer a Joaquim Barbosa, Janot afirma:
29. “Diante das provas contidas nos autos, conclui-se que o requerente apresenta graves problemas (delicada condição de saúde) e que corre risco se continuar a cumprir a pena no presídio, onde as condições para atendimento de problemas cardiológicos são extremamente limitadas ou até inexistentes, no caso de ocorrências em período noturno ou nos finais de semana. Sua permanência em cárcere, por pouco mais de dez dias, caracterizou-se por diversos episódios de pressão alta, alteração na coagulação e outros sintomas que demandaram não só consultas médicas e exames, mas também internação hospitalar [grifo em negrito é do próprio procurador-geral da República].
O presidente do Supremo levou 25 dias para se posicionar.
Na sexta-feira passada, 27 de dezembro, ele acatou os 90 dias de prisão domiciliar sugerido por Janot.
Porém, negou o pedido de transferência de Genoino para São Paulo a fim de cumprir, provisoriamente, a pena domiciliar. Mais. Adiantou que é “forte” a probabilidade de Genoino voltar para o Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília:
“O preso não pode escolher, ao seu livre alvedrio e conveniência, onde vai cumprir a pena que lhe foi definitivamente imposta.
Por fim, considerada a provisoriedade da prisão domiciliar na qual o condenado vem atualmente cumprindo sua pena, e a forte probabilidade do seu retorno ao regime semi-aberto ao fim do prazo solicitado pela Procuradoria-Geral da República, considero que a transferência ora requerida fere o interesse público”.
DOIS PESOS E MEDIDAS ATÉ NA DOENÇA: GENOINO ESTÁ PRESO HÁ 45 DIAS; JEFFERSON, LIVRE
Em 11 de dezembro, denunciamos: No STF, Genoino teve os seus direitos violados como paciente, enquanto Jefferson, não.
O laudo da perícia médica em Genoino, feita por doutores da Universidade de Brasília (UnB), foi vazado para a imprensa sem que ele fosse consultado previamente se autorizava ou não a publicização. Todos os indícios apontam que vazamento ocorreu vazou no próprio STF e não antes.
Já sobre a perícia médica realizada por especialistas do Instituto Nacional do Câncer (Inca)em Roberto Jefferson, delator do “mensalão”, só foi divulgada a conclusão. Condenado a 7 anos e 14 dias de reclusão em regime semiaberto, ele também pediu ao STF para cumprir a pena em casa devido à situação da saúde.
Não é única diferença de tratamento dispensado aos réus do “mensalão”.
Genoino está preso há 45 dias. Inicialmente na Papuda, em Brasília, e desde 24 de novembro em prisão domiciliar provisória. Nessa condição, passou Natal e passará o Ano Novo.
Já Jefferson, não. Joaquim Barbosa ainda não decretou a sua prisão, apesar de ter pena maior e o procurador-geral já ter-se pronunciado contra a sua prisão domiciliar.
Até agora, com exceção de Genoino, todos os réus do mensalão que pediram para cumprir a pena perto de suas casas, tiveram o pedido aceito por Barbosa. Por exemplo, José Roberto Salgado e Vinicius Samarane, respectivamente ex-vice-presidente e ex-dirigente do Banco Rural, e os ex-deputados Pedro Henry, Pedro Correa e Romeu Queiroz.
“É direito do preso cumprir a pena próximo da sua família”, afirma o advogado Patrick Mariano em entrevista ao Viomundo. “A não autorização da transferência de Genoino para São Paulo é uma decisão ilegal, arbitrária e que não se sustenta por qualquer ângulo analisado. Fere tanto a jurisprudência do STF quanto a Lei e Constituição da República.”
Patrick Mariano é mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap.
Segue a íntegra da entrevista que concedeu a esta repórter.
O que diz a lei brasileira sobre o local de cumprir pena?
O artigo 1º da Lei de Execução Penal é bem claro ao anunciar a finalidade da execução da pena: proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Por sua vez, o artigo. 86 da mesma Lei diz: as penas privativas de liberdade aplicadas pela Justiça de uma Unidade Federativa podem ser executadas em outra unidade, em estabelecimento local ou da União.
Portanto, o cumprimento de pena deve observar o melhor para a chamada ressocialização do condenado. Isso implica, no caso concreto, não só na possibilidade legal de se cumprir a pena próximo aos seus, mas em verdadeiro comando da Lei para que isso ocorra.
As antigas penas de degredo, em que o condenado era levado para além mar, pertencem, ou deveriam pertencer, à triste lembrança de livros história. A Lei de Execuções, que é de 1984 e inspirada em recomendações e textos da ONU, deve ser a direção para toda e qualquer decisão judicial neste tema.
No caso de Genoino e demais apenados da AP 470, dois pesos e duas medidas dentro da mesma ação?
Eu diria que uma decisão fora dos parâmetros legais que acabei de mencionar fere a dignidade da pessoa humana. Não é só isso. Contraria a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal que, em julgamentos parecidos, decidiu favoravelmente aos réus. Leia-se o habeas corpus de nº 105.175, de relatoria do ministro Gilmar Mendes e o HC 71.179, relatoria do ministro Marco Aurélio. Esse último vale a pena citar um trecho:
“Tanto quanto possível, incumbe ao Estado adotar medidas preparatórias ao retorno do condenado ao convívio social. Os valores humanos fulminam os enfoques segregacionistas. A ordem jurídica em vigor consagra o direito do preso de ser transferido para local em que possua raízes, visando a indispensável assistência pelos familiares. Os óbices ao acolhimento do pleito devem ser inafastáveis e exsurgir ao primeiro exame, consideradas as precárias condições do sistema carcerário pátrio. Eficacia do disposto nos artigos 1. e 86 da Lei de Execução Penal – Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984 – (…)”.
Essa decisão de Joaquim Barbosa caracterizaria o quê?
Segundo o presidente do Supremo, a sua decisão em relação a Genoino foi baseada em dois motivos. O primeiro é o de que “o preso não pode escolher, ao seu livre alvedrio e conveniência, onde vai cumprir a pena que lhe foi imposta”. E segundo, porque a transferência pleiteada feriria o “interesse público”.
O senhor concorda?
A primeira argumentação, com o devido respeito, não se sustenta porque o preso escolheu estar perto da sua família, como preceitua a Lei de Execução do seu País. Não se trata de livre vontade ou conveniência, se trata de direito! É direito do preso cumprir a pena próximo da sua família. Como disse, pena de banimento e degredo foram utilizadas em regimes monárquicos. Não cabem na Democracia.
O segundo argumento, “interesse público”, fere o inciso IX do artigo 93 da Constituição da República de 1988. Este artigo exige fundamentação válida de todas as decisões judiciais.
Ou seja, obriga o magistrado a demonstrar, com amparo legal, a lógica da sua decisão com postulados válidos, lógicos e racionais. O uso de termos abertos, que tudo e nada dizem, acaba por servir para encobrir as reais motivações do ato decisório. São as chamadas idiossincracias do magistrado que devem ser evitadas.
Qual interesse público foi ferido? De quem? Perceba que há um vácuo que encobre as reais motivações? Seria quase o mesmo que dizer, “porque eu quis”. Raduan Nassar tem uma passagem linda que diz: “foi o senhor mesmo que disse há pouco que palavra é uma semente: traz vida, energia, pode trazer inclusive uma carga explosiva no seu bojo: corremos graves riscos quando falamos”.
Desta forma, tanto pela jurisprudência do STF, quanto pela Lei e Constituição da República, não resta dúvidas de que a decisão em relação a Genoino é decisão ilegal, arbitrária e que não se sustenta por qualquer ângulo analisado.
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Esses esclarecimentos do advogado Patrick Mariano tornam ainda mais difícil compreender o tratamento ostensivamente diferente dispensado pelo presidente do Supremo aos dois réus.
Por que Barbosa martiriza Genoino e alivia para Jefferson, já que ambos têm de problemas graves de saúde, que exigem cuidados especiais e deveriam ter direito à prisão domiciliar?
O aceno “forte” de Genoino de voltar para a cadeia em fevereiro seria o troco de Barbosa por Jefferson não ter conseguido a prisão domiciliar?
Ou uma forma de pressão a favor do seu protegido?
Ou será que deixará a batata quente para ser resolvida nas suas férias pelo seu desafeto, o ministro Ricardo Lewandowski, que em 10 de janeiro, assume a presidência do STF?
Independentemente de quem seja a decisão, eu, Conceição Lemes, como já disse aqui, acho que se deveria conceder prisão albergue domiciliar permanente tanto a José Genoino quanto a Roberto Jefferson. Questão de direito e humanidade.
Quero apelar para a compreensão dos autores do artigo e perguntar se os condenados pensaram nas tantas pessoas, crianças e idosos, que deixaram de ter suas necessidades mais básicas, como saúde e educação, ao desviarem ou se apossarem de vultuosos valores da economia nacional. Qual seria a situação de saúde destas pessoas ludibriadas?
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