Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Depois de pronta, a pauta pode parecer óbvia, mas é importante observar a reportagem publicada pelo Estado de S.Paulo na edição de quinta-feira (5/12, ver aqui), e incluir essa questão nas discussões sobre casos de propina, formação de cartel e outras maracutaias com dinheiro público.
Diz o jornal paulista que a Prefeitura de São Paulo aumentou em 42% a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS) vinculado à concessão de licenças imobiliárias, com a interrupção das atividades da “máfia dos fiscais”. O texto afirma que esse resultado foi produzido também com a substituição de funcionários e mudanças em processos de fiscalização, além da revisão de contratos de terceirização.
A economia no custeio dos serviços chega a R$ 810 milhões, somente com o corte de terceirizados. As mudanças fizeram cair em quase doze meses o tempo de espera pela concessão do “Habite-se”.
O eixo da estratégia é simples: aumentando-se a eficiência do serviço, reduz-se a corrupção, sempre vinculada à equação conhecida como “criar dificuldade para vender facilidade”.
Além do aumento nominal da arrecadação, as medidas produzem uma redução drástica na evolução dos custos administrativos para a cobrança de tributos, que vinham subindo exponencialmente desde 2009. Como os custos cresciam mais rápido que a receita, a cidade se tornava insustentável, com o endividamento progressivo e a perda da capacidade de investimento.
Numa outra reportagem, duas páginas adiante (ver aqui), o mesmo jornal trata de negociações com o governo federal sobre a questão da dívida do município, mas não faz referência ao texto anterior, no qual se demonstra como a corrupção e a irresponsabilidade administrativa afetam a vida do cidadão.
Agora o leitor(a) atento deixe um pouco de lado as informações sobre o descalabro em que foi lançada a administração da maior cidade do país e lembre dos argumentos levados às ruas, no mês de junho, pelo Movimento Passe Livre.
De posse dos dados trazidos seis meses depois pela imprensa, podemos chegar à conclusão de que, reduzindo a corrupção e melhorando a gestão financeira, o município pode oferecer transporte de melhor qualidade, talvez a custo zero, para milhões de pessoas, estimulando a mobilidade, o turismo, a cultura, a educação e o comércio.
O domínio do fato
Estamos falando de um conceito muito simples, conhecido popularmente como “conta de padeiro”: se a receita cai e as despesas aumentam, o negócio não se sustenta.
Na vida real, a expressão tem outra origem, vinculada à atitude de padeiros ingleses no século 16, que inventaram a dúzia de treze pães para evitar o risco de virem a ser multados e castigados publicamente por enganar clientes.
No caso da prefeitura de São Paulo, o que o jornal está dizendo, sem afirmar, é que, durante muitos anos, as autoridades responsáveis pela arrecadação reduziram o imposto cobrado de empresas, tirando da diferença uma porcentagem que era paga como propina.
O que falta acrescentar na reportagem é o cálculo de quanto teria sido desviado, com base no valor médio do imposto realmente devido por algumas das grandes incorporadoras que entraram no negócio. Basta mandar um repórter à Secretaria de Finanças do Município e pedir cinco ou seis modelos de planilhas originais e comparar com o que foi realmente pago por essas empresas. A média pode ser multiplicada pelo número de contribuintes suspeitos de haver participado do esquema, somando-se o número de anos durante os quais a quadrilha esteve no poder.
Pode-se fazer o mesmo com o caso do sistema de transporte sobre trilhos, que alguns ainda chamam de “cartel da Siemens”. Nos jornais de quinta-feira (5), ainda discute-se a responsabilidade de secretários de Estado e dos políticos que governaram São Paulo na última década.
Mas essa questão está superada pelo princípio do “domínio do fato”: não há como alegar inocência em esquemas que duram anos e que afetam o próprio funcionamento do sistema administrativo. Ou se foi cúmplice, ou se foi complacente. Segundo a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, uma autoridade somente pode ser considerada inocente em casos pontuais de corrupção, não em esquemas estruturados de longo prazo.
Depois da reportagem do Estado de S.Paulo, a próxima pauta é a mesma conta de padeiro, que vai servir para tudo, desde as trambicagens no metrô de São Paulo até o preço dos parafusos nas arenas da Copa do Mundo.
Depois, é mandar a conta para grandes construtoras, incorporadoras, e quem mais aceitou alimentar a corrupção, e confiar na eficiência do sistema judiciário, que, como todos sabemos, vive agora um novo tempo.
Depois de pronta, a pauta pode parecer óbvia, mas é importante observar a reportagem publicada pelo Estado de S.Paulo na edição de quinta-feira (5/12, ver aqui), e incluir essa questão nas discussões sobre casos de propina, formação de cartel e outras maracutaias com dinheiro público.
Diz o jornal paulista que a Prefeitura de São Paulo aumentou em 42% a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS) vinculado à concessão de licenças imobiliárias, com a interrupção das atividades da “máfia dos fiscais”. O texto afirma que esse resultado foi produzido também com a substituição de funcionários e mudanças em processos de fiscalização, além da revisão de contratos de terceirização.
A economia no custeio dos serviços chega a R$ 810 milhões, somente com o corte de terceirizados. As mudanças fizeram cair em quase doze meses o tempo de espera pela concessão do “Habite-se”.
O eixo da estratégia é simples: aumentando-se a eficiência do serviço, reduz-se a corrupção, sempre vinculada à equação conhecida como “criar dificuldade para vender facilidade”.
Além do aumento nominal da arrecadação, as medidas produzem uma redução drástica na evolução dos custos administrativos para a cobrança de tributos, que vinham subindo exponencialmente desde 2009. Como os custos cresciam mais rápido que a receita, a cidade se tornava insustentável, com o endividamento progressivo e a perda da capacidade de investimento.
Numa outra reportagem, duas páginas adiante (ver aqui), o mesmo jornal trata de negociações com o governo federal sobre a questão da dívida do município, mas não faz referência ao texto anterior, no qual se demonstra como a corrupção e a irresponsabilidade administrativa afetam a vida do cidadão.
Agora o leitor(a) atento deixe um pouco de lado as informações sobre o descalabro em que foi lançada a administração da maior cidade do país e lembre dos argumentos levados às ruas, no mês de junho, pelo Movimento Passe Livre.
De posse dos dados trazidos seis meses depois pela imprensa, podemos chegar à conclusão de que, reduzindo a corrupção e melhorando a gestão financeira, o município pode oferecer transporte de melhor qualidade, talvez a custo zero, para milhões de pessoas, estimulando a mobilidade, o turismo, a cultura, a educação e o comércio.
O domínio do fato
Estamos falando de um conceito muito simples, conhecido popularmente como “conta de padeiro”: se a receita cai e as despesas aumentam, o negócio não se sustenta.
Na vida real, a expressão tem outra origem, vinculada à atitude de padeiros ingleses no século 16, que inventaram a dúzia de treze pães para evitar o risco de virem a ser multados e castigados publicamente por enganar clientes.
No caso da prefeitura de São Paulo, o que o jornal está dizendo, sem afirmar, é que, durante muitos anos, as autoridades responsáveis pela arrecadação reduziram o imposto cobrado de empresas, tirando da diferença uma porcentagem que era paga como propina.
O que falta acrescentar na reportagem é o cálculo de quanto teria sido desviado, com base no valor médio do imposto realmente devido por algumas das grandes incorporadoras que entraram no negócio. Basta mandar um repórter à Secretaria de Finanças do Município e pedir cinco ou seis modelos de planilhas originais e comparar com o que foi realmente pago por essas empresas. A média pode ser multiplicada pelo número de contribuintes suspeitos de haver participado do esquema, somando-se o número de anos durante os quais a quadrilha esteve no poder.
Pode-se fazer o mesmo com o caso do sistema de transporte sobre trilhos, que alguns ainda chamam de “cartel da Siemens”. Nos jornais de quinta-feira (5), ainda discute-se a responsabilidade de secretários de Estado e dos políticos que governaram São Paulo na última década.
Mas essa questão está superada pelo princípio do “domínio do fato”: não há como alegar inocência em esquemas que duram anos e que afetam o próprio funcionamento do sistema administrativo. Ou se foi cúmplice, ou se foi complacente. Segundo a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470, uma autoridade somente pode ser considerada inocente em casos pontuais de corrupção, não em esquemas estruturados de longo prazo.
Depois da reportagem do Estado de S.Paulo, a próxima pauta é a mesma conta de padeiro, que vai servir para tudo, desde as trambicagens no metrô de São Paulo até o preço dos parafusos nas arenas da Copa do Mundo.
Depois, é mandar a conta para grandes construtoras, incorporadoras, e quem mais aceitou alimentar a corrupção, e confiar na eficiência do sistema judiciário, que, como todos sabemos, vive agora um novo tempo.
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