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O ano que se encerra deixa lições interessantes para quem observa o ambiente da mídia e a sociedade no Brasil. Foi um ano que se dividiu ao meio, exatamente no mês de junho, quando uma onda de manifestações colocou nas ruas a pauta das insatisfações que assombram principalmente os mais jovens. O ponto de conjunção desses descontentamentos é a mobilidade urbana, sem a qual tudo se torna mais penoso: a conquista da educação, a saúde, a segurança, a cultura e o lazer.
A imprensa, como todas as instituições, foi apanhada de surpresa, porque não acompanhou o desenvolvimento dos debates que vinham acontecendo desde os primeiros encontros do Fórum Social Mundial, em 2001. A ideia que se consolidava nessas reuniões de organizações sociais era que “um outro mundo é possível”.
A necessidade de romper a barreira da mídia institucional se tornou explícita durante o evento realizado em 2005, em Porto Alegre. Foi nessa ocasião que as organizações sociais empenhadas na agenda de mudanças se deram conta de que era preciso sair da reflexão para a ação. O processo se deu segundo o padrão das flash mobs, ou mobilizações instantâneas, que se tornaram possíveis com o crescimento e popularização das redes sociais digitais.
Talvez por trabalhar em estruturas hierarquizadas, e sem conexão com as redes capilares e complexas da sociedade, a mídia tradicional foi tão surpreendida quanto as instituições do poder público, quando os manifestantes saíram às ruas. Depois, foi o que se viu: apropriada por grupos organizados e facilmente manipuláveis, a onda de protestos se esvaziou em meio aos atos de violência policial e vandalismo.
No entanto, o processo ainda não se completou. A agenda básica das manifestações foi apenas parcialmente atendida, com o congelamento das tarifas de transporte público na maioria das grandes cidades, mas as razões para descontentamento não foram removidas.
Apesar de as ruas terem sido ocupadas por grupos oportunistas em favor de seus interesses específicos, o núcleo original das manifestações de junho volta a se articular.
Ano dos estilhaços
A possibilidade da volta das grandes manifestações deverá se tornar mais concreta após o período de festas, quando os estudantes retornarem às aulas e se derem conta de que, embora as tarifas tenham sido congeladas há seis meses, o transporte público segue sendo um tormento na maioria das cidades. Nas metrópoles, pelo excesso de veículos nas ruas e pela precariedade histórica do sistema de coletivos; nas cidades médias e pequenas, pela insuficiência e baixa frequência das redes. Junte-se a isso o recrudescimento do radicalismo político na imprensa, que acontece nos períodos eleitorais, e teremos o cenário perfeito para as tempestades sociais.
Em junho, quando as ondas de protesto tomaram as ruas, a mídia desviou a responsabilidade pelos descontentamentos para os poderes Executivo e Legislativo, ao mesmo tempo em que exaltava aquilo que era tido como o ponto de mutação do poder Judiciário.
As autoridades responderam a algumas das demandas, com medidas de impacto, como o lançamento do Programa Mais Médicos, o congelamento das tarifas de transporte e cortes de R$ 260 milhões nos gastos anuais do Senado. Na semana passada, uma nota na imprensa registrou que 95% dos médicos formados no exterior que se inscreveram no programa foram aprovados na segunda etapa do exame de proficiência.
O cenário apresenta um desafio interessante para a imprensa: se continuar priorizando declarações, que simplesmente aquecem a temperatura política, sem oferecer alternativas para os problemas nacionais, poderá estar dando uma força para os grupos que têm interesse na volta dos distúrbios. Se apostar num jornalismo crítico, mas fundado na análise dos desafios que se apresentam, poderá contribuir para o apaziguamento das ruas, mas estará poupando o governo federal, ao qual se opõe.
O ano que se inaugura promete uma complexidade nunca antes vista por aqui, com a realização da Copa do Mundo no Brasil, cujo encerramento irá coincidir com o início oficial da campanha eleitoral que, segundo as pesquisas, poderá definir a permanência, no poder federal, da aliança que governa o país desde 2003.
Por outro lado, a imprensa estará trabalhando com duas realidades econômicas antagônicas: aquela dos indicadores pessimistas, que costumam frequentar as manchetes, e a percepção das ruas, com desemprego em baixa, salários em alta e consumo aquecido.
Se 2013 foi um ano partido ao meio, 2014 poderá ser o ano dos estilhaços.
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