sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

E se Mandela fosse brasileiro?

Josetxo Ezcurra/http://rebelion.org
Por Bepe Damasco, em seu blog:

Não há limites para a demagogia, a desfaçatez e o cinismo do oligopólio midiático brasileiro quando a assunto é o grande líder sul-africano Nelson Mandela. Desde seu falecimento, na semana passada, o PIG lhe dedica manchetes e mais mais manchetes, páginas e mais páginas e horas a fio de noticiário de rádio e tevê, com direito a um sem número de especiais sobre sua vida heróica e seu exemplo. Contudo, como diz o Paulo Nogueira, quem acredita na sinceridade dessas homenagens acredita em tudo.

A ideologia reacionária até a medula da mídia conservadora representa, na realidade, a negação de tudo que Mandela foi, é e sempre será na memória da humanidade. A mesma Globo que finge chorar por Mandela, abomina, por exemplo, as cotas raciais. Por liderar a luta contra o apartheid na África do Sul, Mandela padeceu 27 anos no cárcere. Se fosse brasileiro, porém, com a mídia e o STF que temos, Mandela seria tratado como subversivo e terrorista e poderia ficar atrás das grades até morrer.

A cobertura da imprensa brasileira apenas tangencia, cita de passagem, o fato de Mandela, nos anos 60, ter aderido à luta armada contra o apartheid, depois que uma manifestação antiracista foi reprimida a tiros pela polícia. No episódio, conhecido como massacre de Shaperville,dezenas de negros sul-africanos perderam a vida e centenas ficaram feridos. Neste momento, Mandela, jovem advogado e já uma das lideranças do Congresso Nacional Africano, partido anticolonial e anti-racista fundado em 1912, percebeu que só a luta pacífica seria insuficiente para derrotar a ferocidade do regime do apartheid.

O PIG esconde que Mandela sempre foi um homem de convicções de esquerda. Afora a definição de estratégias e as ações táticas postas em prática para derrotar o regime segregacionista em seu país, Mandela nunca perdeu de vista os principais postulados dos partidos nacionalistas, democráticos e socialistas do mundo inteiro, tais como a soberania nacional, o fim da pobreza e da miséria,a igualdade de oportunidades, a distribuição das riqueza, uma sociedade mais justa e igualitária.

Admirador da revolução cubana desde o início, seu respeito e gratidão por Cuba só cresceram depois que a Ilha se envolveu nas guerras anticoloniais africanas, enviando milhares de soldados para combater ao lado das forças que lutavam pela independência em Angola, Moçambique e na Namíbia. O papel dos combatentes cubanos foi essencial para as vitórias obtidas contra as tropas salazaristas, para a conquista da independência e para impedir que o regime do apartheid avançasse sobre esses países.

Voltando ao Brasil, o foco do noticiário se dá em torno do Mandela conciliador, que soube conduzir seu povo de forma pacífica rumo à superação do apartheid, irmanando a maioria negra e a minoria branca em torno da necessidade de virar aquela página triste da história e construir o futuro. Tudo isso é verdade e o líder sul-africano só merece aplausos e deve ser para sempre reverenciado por essa obra magnífica.

O problema é que o PIG esconde a evidência histórica de que a derrota da vergonhosa segregação sul-africana só foi possível porque, lá atrás, Mandela e os militantes do CNA ousaram seguir uma das resoluções da ONU, segundo a qual é legítimo combater regimes opressores pela força das armas.

Se brasileiro fosse, Mandela teria sua ficha falsa exposta em primeira página, com fez a Folha de São Paulo com a presidenta Dilma Roussef. Ela e tantos outros brasileiros e brasileiras, integrantes da generosa geração que apostou a vida para derrotar a ditadura, até hoje são tachados como terroristas por parte expressiva da classe média e da elite brasileira e pelo PIG, sempre que os jornalões, as revistas e a Globo julgam conveniente a seus interesses políticos e eleitorais.

Madiba, no Brasil, não estaria livre também de ser de vítima de julgamentos políticos e de exceção, em plena vigência de sistemas democráticos, e de condenações sem provas, com base na teoria do domínio do fato. Para isso, bastaria que representasse projetos de poder democráticos e populares, contrariando as elites mais retrógadas.

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