Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Com exceção da Folha de S. Paulo, os principais jornais de circulação nacional não parecem fazer um grande esforço para compreender o novo fenômeno social, conhecido como “rolezinho”. Na edição de quarta-feira (15/1), o Globo ignora o assunto e o Estado de S. Paulo se limita a reproduzir manifestações de autoridades da segurança pública e entidades que representam os shopping centers. A Folha busca as origens do movimento e produz sua própria versão da nova forma de protagonismo de jovens da periferia.
A iniciativa de marcar encontros que podem reunir centenas, milhares de jovens e adolescentes nos espaços abertos dos centros de compra tem origem nas redes sociais digitais e faz parte da consolidação, no espaço físico, de relacionamentos desenvolvidos no chamado ambiente virtual. O que acontece a seguir é da natureza dos protagonistas: gargalhadas, gritos, movimentos bruscos, manifestações exageradas de entusiasmo. Farra, muita farra, que pode incluir correrias e longas filas pelos corredores dos shoppings – o antigo “trenzinho”, que agora se chama “bonde”.
Como muitas manifestações culturais que surgiram nas comunidades oprimidas por traficantes e pelo poder corrompido da polícia, os “bondes” representam a mobilização coletiva dos marginalizados. A expressão foi cunhada por traficantes nas favelas do Rio, com o sentido de blitz, de carga ligeira nos confrontos com seus concorrentes ou contra a polícia. Daí, a palavra evoluiu para definir os “arrastões” na praia e, em seguida, a formação de grupos que se dirigiam aos bailes funk em áreas inseguras.
Os “bondes” dos jovens paulistanos que desembarcam em multidões nos shopping centers têm simplesmente o sentido da reunião, da ação coletiva cujo propósito é o de apenas realizar fisicamente a interação experimentada nas redes digitais e manifestar a alegria do encontro.
Acontece que esses palácios de consumo foram planejados para explorar a soma dos desejos individuais no ato da compra, e não estão preparados para funcionar como palcos de manifestações massivas.
Elitismo e preconceito
A Folha de S. Paulo produz uma reportagem interessante sobre alguns protagonistas desse movimento, mas ao tentar se aproximar de um universo que seus jornalistas desconhecem, comete uma parcialidade e um erro grave.
A parcialidade consiste em definir os “rolezinhos” apenas como encontros entre meninos muito populares na rede social e suas admiradoras ou “amigas” do Facebook – a interpretação é machista e limitada à ideia de que os meninos, machos, têm a iniciativa e as meninas são apenas as “tietes” que se deslocam para encontrar seus ídolos.
O erro grave consiste em expor a identidade e a imagem de um jovem de 17 anos, inimputável perante a lei, como sendo o “organizador” da concentração ocorrida no Shopping Center Itaquera no sábado (11/1). O adolescente aparece no alto da primeira página, em fotografia destacada ao lado da manchete do jornal, e na página interna é mostrado novamente, com seu perfil descrito junto ao de outros supostos líderes dos “rolezinhos” (ver aqui) – entre eles, um menino de 13 anos, apontado como um dos promotores do evento.
Além de submeter esses protagonistas à exibição pública, contrariando as normas legais, trata-se de mau jornalismo, pelo simples fato de que tais concentrações ocorrem numa cadeia de conexões cujo centro é impossível definir.
Ao identificar três ou quatro jovens, e principalmente ao destacar um deles na primeira página, a Folha aponta o dedo e abre a possibilidade de que sejam visados por policiais, agentes de segurança dos shopping centers e até mesmo por criminosos com interesse em promover saques, com as consequências que se pode imaginar.
Aquilo que parece uma interessante sintonia do jornal com o mundo dos adolescentes da periferia não passa de manifestação machista – presente na afirmação de que os “rolezinhos” são feitos por meninas em ato de tietagem, negando a possibilidade de que elas também estejam apenas realizando seu direito de exercer a sociabilidade onde quiserem.
A versão de que o fenômeno se limita aos encontros de garotas devotadas a “don juans” da internet não é apenas machista: é também elitista, ao abrigar um mal disfarçado preconceito, presente na afirmação de que não há nenhuma “grande ideia” por trás do movimento.
Ora, para quem vive em comunidades com poucas opções de lazer, uma farra no shopping pode ser a melhor ideia da temporada e uma chance rara de protagonismo social.
Com exceção da Folha de S. Paulo, os principais jornais de circulação nacional não parecem fazer um grande esforço para compreender o novo fenômeno social, conhecido como “rolezinho”. Na edição de quarta-feira (15/1), o Globo ignora o assunto e o Estado de S. Paulo se limita a reproduzir manifestações de autoridades da segurança pública e entidades que representam os shopping centers. A Folha busca as origens do movimento e produz sua própria versão da nova forma de protagonismo de jovens da periferia.
A iniciativa de marcar encontros que podem reunir centenas, milhares de jovens e adolescentes nos espaços abertos dos centros de compra tem origem nas redes sociais digitais e faz parte da consolidação, no espaço físico, de relacionamentos desenvolvidos no chamado ambiente virtual. O que acontece a seguir é da natureza dos protagonistas: gargalhadas, gritos, movimentos bruscos, manifestações exageradas de entusiasmo. Farra, muita farra, que pode incluir correrias e longas filas pelos corredores dos shoppings – o antigo “trenzinho”, que agora se chama “bonde”.
Como muitas manifestações culturais que surgiram nas comunidades oprimidas por traficantes e pelo poder corrompido da polícia, os “bondes” representam a mobilização coletiva dos marginalizados. A expressão foi cunhada por traficantes nas favelas do Rio, com o sentido de blitz, de carga ligeira nos confrontos com seus concorrentes ou contra a polícia. Daí, a palavra evoluiu para definir os “arrastões” na praia e, em seguida, a formação de grupos que se dirigiam aos bailes funk em áreas inseguras.
Os “bondes” dos jovens paulistanos que desembarcam em multidões nos shopping centers têm simplesmente o sentido da reunião, da ação coletiva cujo propósito é o de apenas realizar fisicamente a interação experimentada nas redes digitais e manifestar a alegria do encontro.
Acontece que esses palácios de consumo foram planejados para explorar a soma dos desejos individuais no ato da compra, e não estão preparados para funcionar como palcos de manifestações massivas.
Elitismo e preconceito
A Folha de S. Paulo produz uma reportagem interessante sobre alguns protagonistas desse movimento, mas ao tentar se aproximar de um universo que seus jornalistas desconhecem, comete uma parcialidade e um erro grave.
A parcialidade consiste em definir os “rolezinhos” apenas como encontros entre meninos muito populares na rede social e suas admiradoras ou “amigas” do Facebook – a interpretação é machista e limitada à ideia de que os meninos, machos, têm a iniciativa e as meninas são apenas as “tietes” que se deslocam para encontrar seus ídolos.
O erro grave consiste em expor a identidade e a imagem de um jovem de 17 anos, inimputável perante a lei, como sendo o “organizador” da concentração ocorrida no Shopping Center Itaquera no sábado (11/1). O adolescente aparece no alto da primeira página, em fotografia destacada ao lado da manchete do jornal, e na página interna é mostrado novamente, com seu perfil descrito junto ao de outros supostos líderes dos “rolezinhos” (ver aqui) – entre eles, um menino de 13 anos, apontado como um dos promotores do evento.
Além de submeter esses protagonistas à exibição pública, contrariando as normas legais, trata-se de mau jornalismo, pelo simples fato de que tais concentrações ocorrem numa cadeia de conexões cujo centro é impossível definir.
Ao identificar três ou quatro jovens, e principalmente ao destacar um deles na primeira página, a Folha aponta o dedo e abre a possibilidade de que sejam visados por policiais, agentes de segurança dos shopping centers e até mesmo por criminosos com interesse em promover saques, com as consequências que se pode imaginar.
Aquilo que parece uma interessante sintonia do jornal com o mundo dos adolescentes da periferia não passa de manifestação machista – presente na afirmação de que os “rolezinhos” são feitos por meninas em ato de tietagem, negando a possibilidade de que elas também estejam apenas realizando seu direito de exercer a sociabilidade onde quiserem.
A versão de que o fenômeno se limita aos encontros de garotas devotadas a “don juans” da internet não é apenas machista: é também elitista, ao abrigar um mal disfarçado preconceito, presente na afirmação de que não há nenhuma “grande ideia” por trás do movimento.
Ora, para quem vive em comunidades com poucas opções de lazer, uma farra no shopping pode ser a melhor ideia da temporada e uma chance rara de protagonismo social.
A hipocrisia da elite é descarada. Lembro a frase de Berthod Brecht: "Do rio que tudo arrasta se diz violento, porém ninguém diz violentas as margens que o comprimem". A juventude da periferia cansou de fica restrita aos limites impostos pela elite. Os violentos muros que separam essa juventude do seu direito de ir e vir vão acabar derrubadas. O cidadão tem o direito de entrar em locais destinados ao público!!! Essa medidas nazi-fascistas da polícia e doe alguns governadores não impedirão os jovens de exercer sua cidadania. Abaixo esse apartheid social!
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