Por Marsílea Gombata, na revista CartaCapital:
Muito longe de fazer frente ao regime militar, a grande imprensa brasileira acabou por se acomodar à censura imposta pela ditadura que vigorou de 1964 a 1985. A resistência, quando houve, deu-se na imprensa alternativa, enquanto os grandes veículos se adaptaram para conseguir coexistir com os censores exigidos pelos militares. A tese é defendida pela historiadora Beatriz Kushnir, que mergulhou em documentos do Arquivo Nacional para destrinchar a ação dos censores nas redações dos principais jornais do País.
Kushnir, que era esperada para falar sobre a tese de doutorado que originou o livro Cães de Guarda - Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Editora Boitempo) na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” no ano passado, deve depor em audiência pública nos próximos meses.
“Eu reviso essa ideia de resistência e mostro que houve, no lugar disso, um grande colaboracionismo”, explica Kushnir. “Se houve resistência, esta está nos veículos alternativos e não na grande na imprensa”.
No livro, que é nada palatável para a imprensa brasileira e foi pouco divulgado, a doutora em história lembra que antes mesmo de os militares tomarem o poder, a própria imprensa pedia o golpe em colunas e editoriais, como o Fora!, no qual o Correio da Manhã pediu a saída de João Goulart em 1º de abril de 1964, data em que o golpe foi consolidado.
Quando o regime se instalou, as lendárias receitas de bolo ou poemas de Camões publicadas para indicar ao público que o veículo estava sob censura revelam mais uma postura de conivência do que de resistência, avalia Kushnir. Diferentemente de outras ditaduras, como na Espanha, não houve uma só capa dizendo claramente que o jornal estava sob censura ou mesmo espaços em branco que indicassem isso. “Suporte e fôlego para carimbar que o veículo estava sob censura ninguém teve. Que ideia, então, de resistência é essa? Resistir para manter o jornal aberto, para fazer o jogo do mercado? Ou resistência para comunicar à nação brasileira o que estava acontecendo?”
No eixo Rio-São Paulo, a grande imprensa na época da ditadura civil militar estava concentrada em cinco grupos – O Globo, Jornal do Brasil, Folha, Estadão e Abril – cada um na mão de uma família. A proximidade de cada clã com os militares é difícil de mensurar, mas o papel jornal, lembra a historiadora, era fornecido sob concessão do governo, o grande financiador de propaganda mantenedora dos veículos de comunicação.
Diante desse cenário, o único protesto de fato estava na imprensa alternativa, protagonizada por nomes como Pif Paf, Movimento e O Pasquim, cuja 300ª edição ficou marcada pelo editorial Sem Censura, assinado por Millôr Fernandes. A morte do militante Carlos Marighela, da ALN (Aliança Libertadora Nacional), por exemplo, foi um indicativo do contraste vivido pelos meios de comunicação na época. Enquanto o jornal Venceremos, que circulou de setembro a novembro de 1971, trazia na capa “Este jornal não é censurado pela ditadura. Viva Marighella”, a primeira página da Folha da Tarde estampava a manchete: “Metralhado Marighela, Chefe Geral do Terror”.
Censores
Durante a pesquisa, Kushnir fez uma descoberta inesperada: existia uma tradição de jornalistas trabalhando para a censura do regime. “Eram funcionários públicos e quando tinham de optar por uma função ou outra acabavam escolhendo ser censores, que ofereciam maior estabilidade”, explica.
Além de jornalistas, grande parte dos censores eram psicólogos de formação e professores de línguas estrangeiras. Nos anos da repressão chegou-se a um total de 220 censores. Um número pequeno para dar conta de todo o País, avalia a historiadora. Para se adaptar às exigências, lembra, começa então um processo de autocensura, no qual a própria redação se adequava às imposições da ditadura.
Algumas redações chegaram a ter policiais integrando sua equipe. No livro de Kushnir, o capítulo O jornal de maior tiragem: a trajetória da Folha da Tarde. Dos jornalistas aos policiais é dedicado exclusivamente ao tema. Ela analisa como os policiais dentro da redação ajudavam a moldar o conteúdo do jornal, que ficou conhecido como o “Diário Oficial da Oban”. Além de ser uma espécie de porta-voz dos órgãos de repressão, dirigentes da redação eram oriundos de órgãos militares e da polícia paulista.
“Uma coisa é resistir ou não, outra coisa é não colaborar. Não colaborar é não entregar um jornal na mão de uma equipe de policiais para esconder as mortes decorrentes de tortura”, contesta Kushnir sobre as versões publicadas dos assassinatos dos militantes. Uma dinâmica, ela ressalta, que de certa forma ainda ressoa nos grandes veículos. “Isso ficou muito claro durante os protestos de junho. As pessoas que queriam saber o que estava acontecendo liam muito mais os jornais online e blogs porque a grande imprensa tecia outras cores", afirma.
Muito longe de fazer frente ao regime militar, a grande imprensa brasileira acabou por se acomodar à censura imposta pela ditadura que vigorou de 1964 a 1985. A resistência, quando houve, deu-se na imprensa alternativa, enquanto os grandes veículos se adaptaram para conseguir coexistir com os censores exigidos pelos militares. A tese é defendida pela historiadora Beatriz Kushnir, que mergulhou em documentos do Arquivo Nacional para destrinchar a ação dos censores nas redações dos principais jornais do País.
Kushnir, que era esperada para falar sobre a tese de doutorado que originou o livro Cães de Guarda - Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988 (Editora Boitempo) na Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” no ano passado, deve depor em audiência pública nos próximos meses.
“Eu reviso essa ideia de resistência e mostro que houve, no lugar disso, um grande colaboracionismo”, explica Kushnir. “Se houve resistência, esta está nos veículos alternativos e não na grande na imprensa”.
No livro, que é nada palatável para a imprensa brasileira e foi pouco divulgado, a doutora em história lembra que antes mesmo de os militares tomarem o poder, a própria imprensa pedia o golpe em colunas e editoriais, como o Fora!, no qual o Correio da Manhã pediu a saída de João Goulart em 1º de abril de 1964, data em que o golpe foi consolidado.
Quando o regime se instalou, as lendárias receitas de bolo ou poemas de Camões publicadas para indicar ao público que o veículo estava sob censura revelam mais uma postura de conivência do que de resistência, avalia Kushnir. Diferentemente de outras ditaduras, como na Espanha, não houve uma só capa dizendo claramente que o jornal estava sob censura ou mesmo espaços em branco que indicassem isso. “Suporte e fôlego para carimbar que o veículo estava sob censura ninguém teve. Que ideia, então, de resistência é essa? Resistir para manter o jornal aberto, para fazer o jogo do mercado? Ou resistência para comunicar à nação brasileira o que estava acontecendo?”
No eixo Rio-São Paulo, a grande imprensa na época da ditadura civil militar estava concentrada em cinco grupos – O Globo, Jornal do Brasil, Folha, Estadão e Abril – cada um na mão de uma família. A proximidade de cada clã com os militares é difícil de mensurar, mas o papel jornal, lembra a historiadora, era fornecido sob concessão do governo, o grande financiador de propaganda mantenedora dos veículos de comunicação.
Diante desse cenário, o único protesto de fato estava na imprensa alternativa, protagonizada por nomes como Pif Paf, Movimento e O Pasquim, cuja 300ª edição ficou marcada pelo editorial Sem Censura, assinado por Millôr Fernandes. A morte do militante Carlos Marighela, da ALN (Aliança Libertadora Nacional), por exemplo, foi um indicativo do contraste vivido pelos meios de comunicação na época. Enquanto o jornal Venceremos, que circulou de setembro a novembro de 1971, trazia na capa “Este jornal não é censurado pela ditadura. Viva Marighella”, a primeira página da Folha da Tarde estampava a manchete: “Metralhado Marighela, Chefe Geral do Terror”.
Censores
Durante a pesquisa, Kushnir fez uma descoberta inesperada: existia uma tradição de jornalistas trabalhando para a censura do regime. “Eram funcionários públicos e quando tinham de optar por uma função ou outra acabavam escolhendo ser censores, que ofereciam maior estabilidade”, explica.
Além de jornalistas, grande parte dos censores eram psicólogos de formação e professores de línguas estrangeiras. Nos anos da repressão chegou-se a um total de 220 censores. Um número pequeno para dar conta de todo o País, avalia a historiadora. Para se adaptar às exigências, lembra, começa então um processo de autocensura, no qual a própria redação se adequava às imposições da ditadura.
Algumas redações chegaram a ter policiais integrando sua equipe. No livro de Kushnir, o capítulo O jornal de maior tiragem: a trajetória da Folha da Tarde. Dos jornalistas aos policiais é dedicado exclusivamente ao tema. Ela analisa como os policiais dentro da redação ajudavam a moldar o conteúdo do jornal, que ficou conhecido como o “Diário Oficial da Oban”. Além de ser uma espécie de porta-voz dos órgãos de repressão, dirigentes da redação eram oriundos de órgãos militares e da polícia paulista.
“Uma coisa é resistir ou não, outra coisa é não colaborar. Não colaborar é não entregar um jornal na mão de uma equipe de policiais para esconder as mortes decorrentes de tortura”, contesta Kushnir sobre as versões publicadas dos assassinatos dos militantes. Uma dinâmica, ela ressalta, que de certa forma ainda ressoa nos grandes veículos. “Isso ficou muito claro durante os protestos de junho. As pessoas que queriam saber o que estava acontecendo liam muito mais os jornais online e blogs porque a grande imprensa tecia outras cores", afirma.
O informante "Barba" tava nesta?
ResponderExcluirPoxa Miro ... a imprensa e que patricinou o golpe, claro que lutou para ter a desculpa da censura e ser somente um canal de informacao quebrado agora pela internet
ResponderExcluirjuridico