Ilustração: Alex Pardee |
A Folha de S. Paulo se destaca na imprensa brasileira pela preferência por expressões fortes, como recurso para chamar a atenção dos leitores ou para reforçar certo sentido que se quer dar à informação. Foi com esse olhar espetaculoso sobre a notícia que o jornal paulista buscou se apresentar, nas duas últimas décadas, como uma marca de vanguarda. “Hiperinflação”, “megaempresário”, “super-salários”, são alguns exemplos desse estilo, que acabou contaminando os outros jornais, contribuindo para uma mudança na linguagem jornalística cujas consequências ainda estão a merecer estudos de pesquisadores em comunicação.
Outra tática utilizada pela Folha para se destacar da concorrência, em especial de seu principal rival na imprensa paulista, o Estado de S. Paulo, é uma postura mais liberal em assuntos comportamentais. O jornal se apresentou como uma espécie de porta-voz do movimento pela aceitação pública do homossexualismo, expandiu os limites para a exibição de cenas de nudismo na imprensa e consolidou o hedonismo como traço marcante de sua conexão com o público. No entanto, em muitos aspectos segue sendo um veículo conservador, preso a uma visão de mundo refratária a novos sentidos da vida social.
Seus editores certamente consideram que estão produzindo um jornal “pós-moderno”. Portanto, faz todo sentido, de vez em quando, “épater la bourgeoisie”, como dizia o poeta francês Arthur Rimbaud (1854-1891) – ou “chocar a burguesia”, como diria em outras épocas o ex-revolucionário e ex-libertário Fernando Gabeira.
Ao mesmo tempo, eventualmente as escolhas do jornal escorregam para o grotesco, a imagem meramente escandalosa e o jornalismo “marrom” que marcou o extinto diário Notícias Populares – que pertencia ao mesmo Grupo Folha.
Nesta semana, a ousadia da Folha de S. Paulo provoca os limites do gosto duvidoso, ao reproduzir imagens feitas em um presídio do Maranhão, nas quais aparecem os corpos de três sentenciados que foram decapitados durante a rebelião ocorrida no dia 17 de dezembro. Além de fotografias, o jornal deu curso à divulgação, pela internet, de vídeo no qual os assassinos se divertem exibindo as cabeças cortadas e os corpos vilipendiados.
Desejo de escandalizar
Na edição de quarta-feira (8/1), o jornal faz a repercussão de sua própria lambança, como a criança que brinca com as próprias fezes: um editorial e mais de um terço da principal coluna de política, além de uma reportagem de página inteira, tratam da questão dos presídios do Maranhão, defendendo uma intervenção federal no Estado e expondo gastos da governadora Roseana Sarney com lagostas e outros petiscos para abastecimento da sua cozinha ao longo do ano. Soa como se a Folha estivesse justificando a exibição das imagens macabras.
Os desmandos da família Sarney em seu longo reinado no Maranhão são bastante conhecidos, e os indicadores que mostram aquele estado na rabeira do desenvolvimento econômico e social do Brasil não deixam dúvida quanto aos resultados da política coronelista em todos os aspectos da vida maranhense.
A situação de descalabro que se revela com a eclosão de conflitos violentos nos presídios e nas ruas exige atenção das autoridades federais e da imprensa de todo o país, conforme já se destacou aqui. Cabe até mesmo, como faz a Folha na quarta-feira (8), levantar um debate sobre eventual intervenção federal, medida pouco usual na história política do Brasil.
Conveniências de alianças partidárias não deveriam cegar os olhos do Planalto para o que se passa naquela região. Esse isolamento já começa a ser quebrado pela imprensa – também o Globo e o Estado de S. Paulo enviaram repórteres para observar diretamente o que acontece no Maranhão, onde a situação social é de calamidade: por exemplo, o número de homicídios cresceu 460% na capital, São Luís, nos últimos 13 anos.
Do trabalho desses enviados especiais deve brotar um retrato daquilo que transformou aquela região em um ponto fora da curva no processo de redução da pobreza que beneficiou todo o resto do país. Em quase meio século no poder local, a família Sarney conseguiu a proeza de manter o estado preso ao passado. No entanto, nada justifica a escolha dos editores da Folha, de dar publicidade às grotescas imagens da selvageria produzida no interior do presídio.
A não ser, claro, o desejo de escandalizar para ganhar audiência.
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