segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Por que os ‘rolezinhos’ assustam

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

O Facebook estará completando dez anos em fevereiro, conforme registra o Globo na edição de segunda-feira (13/1). Trata-se de um fenômeno importante demais para ser mantido no limitado contexto das tecnologias: a rede de comunicações interpessoais, que inclui uma infinidade de aplicativos, se transformou em um campo social paralelo ao da sociedade tradicional, e sua influência se tornou tão ampla e definidora que já não cabe no conceito de “rede virtual”.

Ao lado de outros recursos que ampliam a conectividade entre os indivíduos, essa plataforma constitui um novo território para a vida comunitária, um novo lugar no mundo que é, ao mesmo tempo, “todo lugar” e “nenhum lugar”.

Os debates teóricos sobre sua influência, eventuais ganhos e perdas que virá a oferecer às futuras gerações, ainda têm um alcance limitado, porque são fundamentados numa experiência de vida que passa por transformações tão velozes quanto profundas.

A questão da privacidade, por exemplo, é discutida com base num conceito de individualidade que pode não fazer sentido para a geração plenamente digital. Por outro lado, o potencial de ubiquidade que oferece a seus integrantes reduz progressivamente o papel da mediação, tradicionalmente cumprido pelo sistema que chamamos de imprensa.

Neste momento, os aspectos mais evidentes dessa mutação por que passa a sociedade são exatamente a diluição do poder mediador das relações sociais e a flexibilização do conceito de espaço público. Com isso, mudam todas as relações, principalmente aquelas baseadas no poder simbólico, que só subsiste quando ignorado por quem se submete a ele.

Observe-se, por exemplo, como o antigo poder da imprensa tradicional, de definir a agenda social, perde terreno e se acomoda ao limitado campo das instituições, conforme as pessoas percebem que não precisam dela para se sentirem parte da sociedade.

Veja-se, por exemplo, a recente onda de concentrações de jovens, que se organizam nas redes sociais digitais e se encontram, aos milhares, em shopping centers das grandes cidades. Os comerciantes, a polícia e a própria imprensa consideram que os centros de compras são espaços privados, mas os participantes dos tais “rolezinhos” estão convencidos de que são na verdade espaços públicos.

Os nativos digitais

A sociedade em rede se diferencia das comunidades tradicionais porque não é formada por necessidades, mas por conveniências. Em apenas uma década, a convergência entre os recursos tecnológicos digitais e uma geração ansiosa por protagonismo produziu uma mutação sem ruptura, porque, entre os nativos analógicos que viveram a maior parte de suas existências no século 20 e os nativos digitais que nasceram na sociedade em rede, atuam os analógicos digitalizados, que funcionam como uma ponte entre gerações.

Esse aspecto de uma mudança radical sem um ponto de mutação aparente dificulta a compreensão do fenômeno e estimula profecias catastrofistas sobre o fim do social, a falência da história e a dissolução das ideologias. No entanto, é preciso considerar que ainda falamos de seres humanos, sobre os quais sabemos que necessitam ao mesmo tempo delimitar sua individualidade e integrá-la ao contexto social.

Também não se pode omitir o fato de que o surgimento e expansão das redes sociais digitais acontece em pleno triunfo da sociedade de massa, com as individualidades empasteladas pela indústria cultural massificadora.

Os “rolezinhos” que têm assustado autoridades e espantado a imprensa nas últimas semanas são provavelmente uma das manifestações do processo de entropia da sociedade de massa, ou seja, o triunfo do sistema cria as condições para movimentos espontâneos e massivos que assombram os beneficiários do sistema.

Os passeios coletivos de milhares de jovens pelos corredores de shopping centers são concentrações inocentes, até que um movimento súbito ou um simples grito transforme o desfile em episódio de saque e vandalismo, como aconteceu nas manifestações de rua do ano passado.

Nossas cidades foram construídas conforme a lógica da exclusão, assim como a mídia tradicional foi edificada sobre a ficção do interesse coletivo, com os pressupostos da sociedade aristocrática. Nada mais natural que, eventualmente, o campo da sociedade em rede invada a velha sociedade de classes, como dois mundos que colidem.

Superfícies de vidro são as primeiras coisas que se estilhaçam.

Um comentário:

  1. Defendo o bife a rolé p/todos (http://salafehrio.blogspot.com.br/2014/01/mudanca-de-cardapio-2014.html).
    Só acho que cada local tem suas normas de convivência, seus estatutos. Claro, excluir e sentar a botina é errado e burro, mas não dá pra legitimar toda e qualquer manifestação dita espontânea, até porque em muitos casos não são tão espontâneas e inarticuladas assim. O direito deles darem seu 'rolé' não colidiria com os dos demais usuários do shopping, sejam eles de qualquer classe, se não houvesse algum ato ostensivo ou ilegal. Mas parece que ocorrem, esporadicamente ou até com certa regularidade. Discriminar, não acho o caminho certo - mas coibir abusos sim, dentro das normas da cidadania (que é justamente em nome do que se defende o direito a circular livremente ali ou em qualquer lugar). Shoppings são condomínios de lojas, um espaço privado franqueado ao público, com objetivos comerciais e de serviços de lazer e alimentação. Não são efetivamente praças públicas - onde também há normas gerais de conduta, aliás. É a boa e velha máxima do direito de um terminar onde começa o de outros.

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