Por Deborah Moreira, no sítio Vermelho:
O artigo 16 da versão mais atual do Projeto de Lei 2.126/11, que define o Marco Civil da Internet, determina que "qualquer funcionário administrativo, policial ou membro do Ministério Público pode requerer os chamados logs de aplicação", os metadados dos serviços de um usuário na Internet. Segundo organizações da sociedade civil que compõem a mobilização Marco Civil Já, o texto dá margem para criar um estado vigilantista, aos moldes da agência de espionagem estadunidense NSA.
"O vigilantismo que será instalado através deste artigo era um fato que o Marco Civil, em sua concepção original, visava barrar, uma vez que o Marco Civil, fruto de discussão sem precedentes com a sociedade, foi fruto da luta contra os mesmos vigilantistas que saem ganhando com esta redação", diz um trecho de nota divulgada pela página Marco Civil Já, nesta segunda-feira (17).
As entidades iniciaram no final de semana uma campanha para pressionar o Congresso Nacional a alterar a versão atual desse artigo. A nova versão do PL, de autoria do relator Alessandro Molon (PT), deve ser votado nesta semana. O início da discussão está previsto para terça-feira (18).
O artigo 16 amplia as obrigações de guarda de registros não apenas dos registros de conexão, mas também dos registros de acesso a aplicações de Internet (como dados do Facebook) para um perfil bastante amplo de provedores. Ou seja, haverá uma espécie de grampo compulsório de toda navegação realizada em grandes sites eletrônicos, invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência. Na prática, a legislação brasileira permitirá que todos os cidadãos sejam vigiados assim como faz a NSA com cidadãos de todo o mundo, sem que para isso tenha que se ter uma suspeita razoável.
Isso sem falar que a guarda dos registros requer investimentos consideráveis e incentivará as empresas obrigadas a guardar dados a utilizá-los comercialmente.
O Marco Civil é uma Carta de Princípios da Internet no Brasil. Portanto, não faz sentido ampliar o escopo da retenção obrigatória de dados, nem incentivar que um direito fundamental se torne moeda de troca comercial. Se obrigatória a guarda de registro, as entidades defendem que deve ser por tempo determinado e limitada a registros relativos a fatos específicos. Além disso, qualquer previsão de acesso a estes registros deve ser precedida de ordem judicial e protegida por limites a eventuais abusos.
Para as organizações sociais, a nova proposta prejudica "a efetivação de alguns direitos que são protegidos na parte principiológica do projeto, quais sejam: o direito à inviolabilidade e o sigilo do fluxo e conteúdo das comunicações privadas, o direito à privacidade e à liberdade de expressão." Ainda de acordo com a nota divulgada hoje, "apesar das conquistas no que tange a neutralidade da rede e a liberdade de expressão, o Marco Civil encontra-se longe do pacto que foi feito com toda a sociedade que o construiu coletivamente".
Os ativistas que atuam pela aprovação do texto proposto colaborativamente (que resultou nos três pilares: neutralidade, liberdade de expressão e privacidade na rede), já haviam se manifestado no dia 10 de fevereiro de 2014, com a publicação da carta enviada aos deputados federais, assinada por dezesseis organizações. Nela, manifestaram "grave preocupação" com a versão do texto divulgada em 12 de dezembro de 2013, indicando que apesar da "importância dos esforços de se construir maioria parlamentar", não se poderia "colocar em risco os princípios fundamentais da lei, algo que entendemos estar acontecendo", notadamente em relação ao art. 16.
No entanto, as entidades acreditam que outras diversas conquistas no texto, que incomodam as empresas de telecomunicações, poderão levar o lobby das teles a tentar fazer com que o projeto inteiro seja rejeitado. A postura de maldizer o projeto completamente é justamente a que tem sido adotada por Eduardo Cunha, parlamentar que representa as teles. "Não li e não gostei", já avisou o líder do PMDB sobre novo texto do Marco Civil.
Além da nota, a campanha também dissemina nas redes sociais diversas imagens e textos com a hastag #16igualNSA. Alguns especialistas repercutem nas redes sociais. No Twitter, o ciberativista Sergio Amadeu, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), lamentou: "Infelizmente, o Marco Civil continua exigindo a guarda de logs de conexão e de aplicação". E logo em seguida lembrou que "quanto mais o tempo passa mais difícil fica aprovar uma lei razoável para a Internet".
Em outros países
Nem mesmo na União Europeia, onde os padrões de proteção à privacidade são mais altos, a diretiva que trata de retenção obrigatória de registros diz respeito apenas aos registros de conexão, e não aos registros de aplicações. E mesmo a retenção de dados de conexão está tendo sua constitucionalidade questionada.
Na Alemanha, por exemplo, tal previsão foi declarada inconstitucional, levando em consideração o histórico do período nazista, que se aproveitou de bases de dados muito mais simples. A Alemanha foi também o país que, juntamente com o Brasil, apresentou a resolução na Assembleia da ONU sobre o direito a privacidade, aprovada por maioria.
Levantamento compara versões dos textos
O Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(CEGOV/UFRGS), a partir de seu Grupo de Trabalho sobre Governança Digital, divulgou uma tabela comparativa da redação das versões do substitutivo do deputado Alessandro Molon, do texto do Projeto de Lei 2.126/2011, que define o Marco Civil da Internet do Brasil. A partir da comparação entre os textos é possível observar a dinâmica política inerente à governança da Internet no Brasil e como operam as pressões políticas dentro da Câmara.
Confira aqui a tabela.
O artigo 16 da versão mais atual do Projeto de Lei 2.126/11, que define o Marco Civil da Internet, determina que "qualquer funcionário administrativo, policial ou membro do Ministério Público pode requerer os chamados logs de aplicação", os metadados dos serviços de um usuário na Internet. Segundo organizações da sociedade civil que compõem a mobilização Marco Civil Já, o texto dá margem para criar um estado vigilantista, aos moldes da agência de espionagem estadunidense NSA.
"O vigilantismo que será instalado através deste artigo era um fato que o Marco Civil, em sua concepção original, visava barrar, uma vez que o Marco Civil, fruto de discussão sem precedentes com a sociedade, foi fruto da luta contra os mesmos vigilantistas que saem ganhando com esta redação", diz um trecho de nota divulgada pela página Marco Civil Já, nesta segunda-feira (17).
As entidades iniciaram no final de semana uma campanha para pressionar o Congresso Nacional a alterar a versão atual desse artigo. A nova versão do PL, de autoria do relator Alessandro Molon (PT), deve ser votado nesta semana. O início da discussão está previsto para terça-feira (18).
O artigo 16 amplia as obrigações de guarda de registros não apenas dos registros de conexão, mas também dos registros de acesso a aplicações de Internet (como dados do Facebook) para um perfil bastante amplo de provedores. Ou seja, haverá uma espécie de grampo compulsório de toda navegação realizada em grandes sites eletrônicos, invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência. Na prática, a legislação brasileira permitirá que todos os cidadãos sejam vigiados assim como faz a NSA com cidadãos de todo o mundo, sem que para isso tenha que se ter uma suspeita razoável.
Isso sem falar que a guarda dos registros requer investimentos consideráveis e incentivará as empresas obrigadas a guardar dados a utilizá-los comercialmente.
O Marco Civil é uma Carta de Princípios da Internet no Brasil. Portanto, não faz sentido ampliar o escopo da retenção obrigatória de dados, nem incentivar que um direito fundamental se torne moeda de troca comercial. Se obrigatória a guarda de registro, as entidades defendem que deve ser por tempo determinado e limitada a registros relativos a fatos específicos. Além disso, qualquer previsão de acesso a estes registros deve ser precedida de ordem judicial e protegida por limites a eventuais abusos.
Para as organizações sociais, a nova proposta prejudica "a efetivação de alguns direitos que são protegidos na parte principiológica do projeto, quais sejam: o direito à inviolabilidade e o sigilo do fluxo e conteúdo das comunicações privadas, o direito à privacidade e à liberdade de expressão." Ainda de acordo com a nota divulgada hoje, "apesar das conquistas no que tange a neutralidade da rede e a liberdade de expressão, o Marco Civil encontra-se longe do pacto que foi feito com toda a sociedade que o construiu coletivamente".
Os ativistas que atuam pela aprovação do texto proposto colaborativamente (que resultou nos três pilares: neutralidade, liberdade de expressão e privacidade na rede), já haviam se manifestado no dia 10 de fevereiro de 2014, com a publicação da carta enviada aos deputados federais, assinada por dezesseis organizações. Nela, manifestaram "grave preocupação" com a versão do texto divulgada em 12 de dezembro de 2013, indicando que apesar da "importância dos esforços de se construir maioria parlamentar", não se poderia "colocar em risco os princípios fundamentais da lei, algo que entendemos estar acontecendo", notadamente em relação ao art. 16.
No entanto, as entidades acreditam que outras diversas conquistas no texto, que incomodam as empresas de telecomunicações, poderão levar o lobby das teles a tentar fazer com que o projeto inteiro seja rejeitado. A postura de maldizer o projeto completamente é justamente a que tem sido adotada por Eduardo Cunha, parlamentar que representa as teles. "Não li e não gostei", já avisou o líder do PMDB sobre novo texto do Marco Civil.
Além da nota, a campanha também dissemina nas redes sociais diversas imagens e textos com a hastag #16igualNSA. Alguns especialistas repercutem nas redes sociais. No Twitter, o ciberativista Sergio Amadeu, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), lamentou: "Infelizmente, o Marco Civil continua exigindo a guarda de logs de conexão e de aplicação". E logo em seguida lembrou que "quanto mais o tempo passa mais difícil fica aprovar uma lei razoável para a Internet".
Em outros países
Nem mesmo na União Europeia, onde os padrões de proteção à privacidade são mais altos, a diretiva que trata de retenção obrigatória de registros diz respeito apenas aos registros de conexão, e não aos registros de aplicações. E mesmo a retenção de dados de conexão está tendo sua constitucionalidade questionada.
Na Alemanha, por exemplo, tal previsão foi declarada inconstitucional, levando em consideração o histórico do período nazista, que se aproveitou de bases de dados muito mais simples. A Alemanha foi também o país que, juntamente com o Brasil, apresentou a resolução na Assembleia da ONU sobre o direito a privacidade, aprovada por maioria.
Levantamento compara versões dos textos
O Centro de Estudos Internacionais sobre Governo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(CEGOV/UFRGS), a partir de seu Grupo de Trabalho sobre Governança Digital, divulgou uma tabela comparativa da redação das versões do substitutivo do deputado Alessandro Molon, do texto do Projeto de Lei 2.126/2011, que define o Marco Civil da Internet do Brasil. A partir da comparação entre os textos é possível observar a dinâmica política inerente à governança da Internet no Brasil e como operam as pressões políticas dentro da Câmara.
Confira aqui a tabela.
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