Por Luciano Wexell Severo, no sítio Diálogos do Sul:
Mais uma vez a elite venezuelana, apoiada, treinada e financiada por Washington, arremete contra um governo democraticamente eleito. As lideranças da trama na Venezuela são Henrique Capriles, Leopoldo López, María Corina e Antonio Ledezma. Três playboys e um representante do partido Ação Democrática. Seu cálculo fácil aponta que Nicolás não teria a mesma capacidade de resistência que Chávez diante de um golpe. Existe, inclusive, a preocupação de que os americanos assassinem algum desses “líderes”, aprofundando o cenário de tensão interna e de pressão internacional.
A profunda crise dos últimos anos do século XX abriu o caminho para novas tentativas de projetos autônomos para a solução dos problemas nacionais na América Latina. Em um cenário de repúdio aos programas do FMI e do Banco Mundial, em dezembro de 1998 os venezuelanos apoiaram a candidatura de Hugo Chávez.
A eleição presidencial representou nada mais do que o resultado de um processo histórico, que desde a perfuração dos primeiros poços havia beneficiado as companhias petrolíferas e a uma reduzida elite local, em detrimento da imensa maioria da população. Ressurgiu, outra vez na Venezuela, um movimento continental em defesa da independência econômica, da soberania, da autodeterminação e da integração latino-americana.
Para fazer omelete é preciso quebrar os ovos
As principais medidas do novo governo, tanto no campo econômico como no social, foram no sentido de corrigir as históricas distorções estruturais e refundar o país. Seguindo por esse caminho haveria, como efetivamente tem havido desde 1999, enfrentamentos frontais e irremediáveis com os setores e os interesses mais privilegiados. Qualquer mudança para melhor passa, obrigatoriamente, pela ruptura do injusto estado de coisas. Por esse motivo, desde a posse, o governo bolivariano tem enfrentado situações políticas e econômicas muito desfavoráveis, geradas pela resistência da aliança entre os interesses internacionais –sobretudo estadunidenses– e a oligarquia nativa.
Frente aos atuais cenários, recordamos alguns acontecimentos ocorridos há 12 anos. Naquele momento, as ações interventoras do governo provocaram uma dura resposta da oposição, em uma batalha que durou quase dois anos. Entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2003, a Venezuela viveu sua mais complexa crise política e económica. Na vanguarda da campanha opositora estavam a alta gerência da PDVSA, a Fedecámaras, a Central de Trabalhadores da Venezuela (CTV) e os demais setores oligárquicos e conservadores comprometidos com os interesses estrangeiros. Na retaguarda, a Embaixada dos Estados Unidos em Caracas, a máfia de Miami e a instituição Igreja Católica Apostólica Romana.
Os preparativos para o golpe de Estado foram apoiados pelos grandes meios privados de comunicação, que naquele então agiam ainda mais impunimente do que hoje. No dia 11 de abril, franco-atiradores organizados pela oposição dispararam desde diversos pontos do centro da cidade sobre manifestantes que marchavam tanto em apoio como contra o governo. Os canais privados de televisão, cumprindo sua função em um show orquestrado muito antes, distorceram os fatos e acusaram o governo pelos assassinatos. Antes do desenlace dos lamentáveis acontecimentos, os militares golpistas já haviam gravado e regravado um vídeo no qual condenavam “as mortes” e declaravam a sua “desobediência”. O documentário irlandês “A Revolução não será transmitida” expõe esses acontecimentos de forma bastante clara.
De volta para o passado
Em uma cerimônia sombria no Palácio de Miraflores, o autoproclamado presidente Pedro Carmona –que entrou para a história como Pedro, O Breve– demorou poucos minutos para dissolver a Assembleia Nacional eleita pelo povo; anular as Leis de Hidrocarbonetos, de Terras e outras 47 normas jurídicas; anular a Constituição de 1999, uma das únicas do mundo aprovadas mediante Referendo Popular; suspender as exportações de petróleo para Cuba; ordenar a perseguição de ministros, deputados e autoridades de distintos poderes; eliminar o complemento “Bolivariana” do nome oficial da Venezuela; definir que o país sairia da OPEP, entre outras medidas. Este “democrata” recebeu apoio aberto dos atuais “líderes” da oposição venezuelana. Mas, como se sabe, o povo organizado e as Forças Armadas fieis ao processo de transformações garantiram o resgate e o regresso de Chávez ao Palácio.
No final de 2002, houve uma nova ofensiva golpista. Com o decidido apoio dos grandes meios de comunicação, algumas entidades convocaram paralizações nacionais e se declararam em “desobediência civil”. O movimento, que caminhou para uma “greve geral” foi impulsionado essencialmente pela classe patronal. O objetivo supremo era que Chávez renunciasse.
Não demorou muito para que a gerência da PDVSA, ideologicamente submetida aos interesses estrangeiros, assumisse o seu papel. Durante o momento mais tenso do conflito –que durou até janeiro de 2003– foram destruídos equipamentos, máquinas, computadores e estruturas físicas de plantas industriais e refinarias; sequestradas embarcações petroleiras e suspendidas as exportações; explodidos oleodutos e derramado petróleo propositalmente. O país petroleiro viveu um momento bizarro, com racionamento de combustíveis. Além disso, os cidadãos formaram quilométricas filas para comprar água, comida, gás ou gasolina.
O PIB desmoronou 8,9% em 2002. O setor industrial ficou praticamente paralisado: havia caído 13,1% em 2002 e baixou 6,8% em 2003. A atividade manufatureira vinha encolhendo desde os anos de neoliberalismo dos noventa, mas chegou ao fundo do poço em 2002 e 2003. A conspiração planificada desde Washington (ver o livro “O código Chávez”, da venezuelano-americana Eva Golinger) derrubou a produção petrolífera de três milhões de barris diários para menos de 200 mil, freando o aparato produtivo e provocando o fechamento de centenas de empresas. Parece mentira, mas à beira do colapso econômico, em janeiro de 2003, o país foi obrigado a importar petróleo. Os produtos básicos desapareceram e os preços saltaram barreiras inimagináveis. A situação de insuficiência extrema demostrou claramente a extrema dependência venezuelana da importação de diversos bens, estimulando o governo a ampliar projetos relacionados com a “soberania alimentar”, inclusive com o apoio da Embrapa. A inflação, que até então havia apresentado tendência decrescente, explodiu outra vez. O cenário para um novo golpe de Estado ia ganhando corpo.
Os números do Banco Central da Venezuela (BCV) demonstram que durante o primeiro e o segundo trimestres de 2003, o PIB caiu impressionantes 15,8% e 26,7%, respectivamente. No mesmo período, o PIB petroleiro despencou 25,9% e 39,5%. No total, foram sete trimestres consecutivos de retração da economia, quase dois anos de graves consequências geradas pelo golpismo. O PIB per capta, as reservas internacionais e a taxa de investimento como proporção do PIB caíram bruscamente. Ampliou-se o desemprego, a inflação e as taxas de juros. A queda da economia em 2003 foi de 7,7%. Naquele ano, em termos reais, tocou um nível abaixo de 1991. Essa “guerra econômica” foi parte da estratégia para derrubar Chávez.
Tendo olhos, não vedes?
Uma das deformações herdadas do período neoliberal é o desprezo pelo processo histórico. A visão de curto prazo, a razão dos modelinhos micro-econômicos e do sistema financeiro: virtual, atemporal, indiferente à realidade, fictícia. Essa poderia ser uma das explicações para que alguns “analistas” se prestem ao vexame de depositar a responsabilidade daquele desastre no governo. Segundo estes mestres da análise da política e da economia, o fechamento de empresas, o crescimento do desemprego, a queda da renta, o aumento da inflação e os resultados negativos da economia entre 1999 e 2003 não seriam resultado das ações golpistas de uma parcela da oposição.
Frente a isso, é bem oportuno recordar que Chávez ganhou as eleições presidenciais de 1998 porque a Venezuela enfrentava a sua mais catastrófica crise econômica, política, social, institucional e moral, depois de quarenta anos de Pacto de Punto Fijo. O país literalmente agonizava como reflexo da submissão plena da Nação às transnacionais e à oligarquia. O assalto estrangeiro sobre a economia nacional era custodiado internamente pela nata da alta sociedade venezuelana, que gozada a vida afogada em uma permanente festa oligárquico-petroleira. Os clubes de golfe, os imensos casarões e os condomínios de alto padrão de Caracas são testemunhos desta infeliz constatação. Fora da capital, ainda praticamente intocados, estão os paraísos privados do Caribe e as imensas extensões de terras no estilo da fazenda El Miedo, do romance Dona Bárbara.
Uma análise séria –seja acadêmico ou informativa– pode constatar que, apesar dos eventuais problemas e de todas as dificuldades que surgem ao longo do processo de transição ao socialismo via edificação de um Capitalismo de Estado, o atual governo não é o criador dos complexos problemas estruturais da Venezuela. Pelo contrário, o governo tem se esforçado exatamente para corrigir essas distorções geradas durante as últimas décadas. Enfim, essa parece ser a interpretação da maioria dos venezuelanos que votam seguidamente pela continuidade da Revolução Bolivariana.
Nunca parece demais afirmar que a Venezuela é um país profundamente democrático. Além de realizar eleições transparentes com alta participação popular –em pleitos reconhecidos pelo mundo inteiro, exceto pelo governo dos Estados Unidos–, o país é um dos que mais avança em políticas sociais inclusivas. Muito mais do que realizar eleições, o governo venezuelano combate a pobreza e a desigualdade social, obtendo conquistas impressionantes nos últimos 15 anos. Os dados são públicos e estão divulgados nos sites de diversas instituições, como a CEPAL, e de órgãos da ONU, como a UNICEF e a FAO.
Piratas voltam à carga
Depois de perder as eleições para presidente e para governadores em 2012 e para presidente e para prefeitos em 2013, uma parcela da oposição assumiu uma postura desesperada. O centro do faniquito reside especialmente nas figuras de Leopoldo López e Maria Corina Machado (a mesma que em 2005 foi à Casa Branca encontrar-se com George W. Bush). Ambos teriam rompido com uma denominada “agenda democrática” de Henrique Capriles Radonski. É preciso continuar acompanhando esta suposta ruptura dentro do bloco opositor. Parece muito precipitado e simplista considerar que houve uma divisão entre uma oposição democrática e outra golpista. Inclusive porque faz poucos meses o próprio Capriles se negou a reconhecer a vitória eleitoral de Maduro, promovendo manifestações de vandalismo que resultaram no falecimento de mais de 10 pessoas. Apenas para lembrar, o jovem “democrata” também apoiou o golpe de 2002 e participou ativamente do assédio à Embaixada de Cuba em Caracas (registrado em um bom documentário disponível na internet).
Novamente os golpistas investem na desestabilização política, com atos de vandalismo e quebra-quebra. Mas os seus meios de comunicação, que ainda controlam a maioria das tevês, rádios, jornais e revistas da Venezuela, denunciam uma “repressão feita pelo governo”. As redes sociais estão repletas de supostas fotografias de manifestantes venezuelanos sendo agredidos nas ruas. No entanto, como está sendo formalmente denunciado pelas autoridades do país, se tratam de imagens colhidas de protestos realizados nos mais diversos lugares do planeta. Mostram repressão por parte da polícia grega, turca, alemã… Não é a polícia venezuelana.
Ao mesmo tempo, há meses, os golpistas apostam no sumiço de bens de primeira necessidade. Escondem e desaparecem com os produtos para gerar insatisfação e a explosão dos preços. Mas os seus meios de comunicação, muito bem pagos pelas grandes corporações, denunciam “a inflação mais alta da América Latina”. Mesmo que seja repetitivo, é preciso dizer que adotam a mesma “fórmula para o caos” que derrubou Allende, tratando de desestabilizar a economia e a sociedade com atentados, especulação e terror. É bastante perigoso que a grande mídia privada venezuelana continue disfrutando de total impunidade para mentir, falsificar os fatos e estimular a derrubada do governo. A “liberdade de expressão” não pode ser um mero esconderijo para camuflar a libertinagem e o golpismo.
Neste momento, mais uma vez a elite da Venezuela, apoiada, treinada e financiada por Washington e pela Embaixada americana em Caracas, arremete com força contra um governo democraticamente eleito. As lideranças nativas da trama, as mais evidentes, são playboys oriundos de famílias privilegiadas e antigos representantes dos insepultos partidos Acción Democrática (AD) e COPEI. Por quê nutrem tanto ódio? Porque foram historicamente beneficiados pelo Puntofijismo, seja por meio de empregos na sua PDVSA “privatizada” ou via contratos de empresas. Uma busca rápida a respeito dos seus antecedentes remete a informações esclarecedoras sobre a sua vinculação com a máfia de Miami, com os narcotraficantes da Colômbia e com a organização Tradição, Família e Propriedade (TFP).
Hoje, seu cálculo fácil aponta que Nicolás não teria a mesma capacidade de resistência que Chávez diante de um golpe. O plano é sangrar o governo pouco a pouco. Gerar insatisfações, constrangimentos, inflação, distúrbios e caos. Não parece exagero a preocupação venezuelana frente à possibilidade de assassinato de algum desses “líderes” golpistas, o que aprofundaria o cenário de tensão interna e de pressão internacional. As graves acusações contra Washington estão sendo documentadas.
Virão mais Chávez
A situação em 2014 não é a mesma de 2002. Ainda que fisicamente não esteja Chávez, as forças bolivarianas parecem estar muito mais consolidadas. Apesar das dificuldades e inclusive dos eventuais erros, o campo nacionalista, socialista, revolucionário ou bolivariano assumiu o controle sobre a renda petrolífera obtida por meio da PDVSA. Além disso, passou a dominar as Forças Armadas e o acesso às divisas internacionais. Também tem muito mais presença no campo produtivo, por meio de estatais, de empresas recuperadas por trabalhadores ou nacionalizadas, e dos mecanismos de comunicação social. Parece evidente que o cenário do golpe de estado de 2002 não existe mais na Venezuela.
Mas talvez o mais importante de tudo nem seja isso. O elemento principal é que nestes 12 anos o povo venezuelano ganhou muita consciência política e não parece estar disposto a permitir uma volta ao passado. Milhões de homens e mulheres que renasceram, e tiveram a sua dignidade e o seu orgulho resgatados, não admitirão o regresso da crescente exclusão social, da abismal desigualdade económica e da submissão do país ao estrangeiro.
Para concluir, considero útil fazer referência a duas frases bastante significativas. A primeira é de Chávez, de 2004. Há dez anos ele gritou do Balcón del Pueblo, comemorando a vitória no Referendo de 15 de agosto que “Venezuela cambió para siempre”. A outra frase é de Maduro. Em abril de 2013, comemorando a vitória nas eleições presidenciais, previu: “Vendrán más Chávez”. Todo apoio ao povo venezuelano e ao seu presidente.
Mais uma vez a elite venezuelana, apoiada, treinada e financiada por Washington, arremete contra um governo democraticamente eleito. As lideranças da trama na Venezuela são Henrique Capriles, Leopoldo López, María Corina e Antonio Ledezma. Três playboys e um representante do partido Ação Democrática. Seu cálculo fácil aponta que Nicolás não teria a mesma capacidade de resistência que Chávez diante de um golpe. Existe, inclusive, a preocupação de que os americanos assassinem algum desses “líderes”, aprofundando o cenário de tensão interna e de pressão internacional.
A profunda crise dos últimos anos do século XX abriu o caminho para novas tentativas de projetos autônomos para a solução dos problemas nacionais na América Latina. Em um cenário de repúdio aos programas do FMI e do Banco Mundial, em dezembro de 1998 os venezuelanos apoiaram a candidatura de Hugo Chávez.
A eleição presidencial representou nada mais do que o resultado de um processo histórico, que desde a perfuração dos primeiros poços havia beneficiado as companhias petrolíferas e a uma reduzida elite local, em detrimento da imensa maioria da população. Ressurgiu, outra vez na Venezuela, um movimento continental em defesa da independência econômica, da soberania, da autodeterminação e da integração latino-americana.
Para fazer omelete é preciso quebrar os ovos
As principais medidas do novo governo, tanto no campo econômico como no social, foram no sentido de corrigir as históricas distorções estruturais e refundar o país. Seguindo por esse caminho haveria, como efetivamente tem havido desde 1999, enfrentamentos frontais e irremediáveis com os setores e os interesses mais privilegiados. Qualquer mudança para melhor passa, obrigatoriamente, pela ruptura do injusto estado de coisas. Por esse motivo, desde a posse, o governo bolivariano tem enfrentado situações políticas e econômicas muito desfavoráveis, geradas pela resistência da aliança entre os interesses internacionais –sobretudo estadunidenses– e a oligarquia nativa.
Frente aos atuais cenários, recordamos alguns acontecimentos ocorridos há 12 anos. Naquele momento, as ações interventoras do governo provocaram uma dura resposta da oposição, em uma batalha que durou quase dois anos. Entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2003, a Venezuela viveu sua mais complexa crise política e económica. Na vanguarda da campanha opositora estavam a alta gerência da PDVSA, a Fedecámaras, a Central de Trabalhadores da Venezuela (CTV) e os demais setores oligárquicos e conservadores comprometidos com os interesses estrangeiros. Na retaguarda, a Embaixada dos Estados Unidos em Caracas, a máfia de Miami e a instituição Igreja Católica Apostólica Romana.
Os preparativos para o golpe de Estado foram apoiados pelos grandes meios privados de comunicação, que naquele então agiam ainda mais impunimente do que hoje. No dia 11 de abril, franco-atiradores organizados pela oposição dispararam desde diversos pontos do centro da cidade sobre manifestantes que marchavam tanto em apoio como contra o governo. Os canais privados de televisão, cumprindo sua função em um show orquestrado muito antes, distorceram os fatos e acusaram o governo pelos assassinatos. Antes do desenlace dos lamentáveis acontecimentos, os militares golpistas já haviam gravado e regravado um vídeo no qual condenavam “as mortes” e declaravam a sua “desobediência”. O documentário irlandês “A Revolução não será transmitida” expõe esses acontecimentos de forma bastante clara.
De volta para o passado
Em uma cerimônia sombria no Palácio de Miraflores, o autoproclamado presidente Pedro Carmona –que entrou para a história como Pedro, O Breve– demorou poucos minutos para dissolver a Assembleia Nacional eleita pelo povo; anular as Leis de Hidrocarbonetos, de Terras e outras 47 normas jurídicas; anular a Constituição de 1999, uma das únicas do mundo aprovadas mediante Referendo Popular; suspender as exportações de petróleo para Cuba; ordenar a perseguição de ministros, deputados e autoridades de distintos poderes; eliminar o complemento “Bolivariana” do nome oficial da Venezuela; definir que o país sairia da OPEP, entre outras medidas. Este “democrata” recebeu apoio aberto dos atuais “líderes” da oposição venezuelana. Mas, como se sabe, o povo organizado e as Forças Armadas fieis ao processo de transformações garantiram o resgate e o regresso de Chávez ao Palácio.
No final de 2002, houve uma nova ofensiva golpista. Com o decidido apoio dos grandes meios de comunicação, algumas entidades convocaram paralizações nacionais e se declararam em “desobediência civil”. O movimento, que caminhou para uma “greve geral” foi impulsionado essencialmente pela classe patronal. O objetivo supremo era que Chávez renunciasse.
Não demorou muito para que a gerência da PDVSA, ideologicamente submetida aos interesses estrangeiros, assumisse o seu papel. Durante o momento mais tenso do conflito –que durou até janeiro de 2003– foram destruídos equipamentos, máquinas, computadores e estruturas físicas de plantas industriais e refinarias; sequestradas embarcações petroleiras e suspendidas as exportações; explodidos oleodutos e derramado petróleo propositalmente. O país petroleiro viveu um momento bizarro, com racionamento de combustíveis. Além disso, os cidadãos formaram quilométricas filas para comprar água, comida, gás ou gasolina.
O PIB desmoronou 8,9% em 2002. O setor industrial ficou praticamente paralisado: havia caído 13,1% em 2002 e baixou 6,8% em 2003. A atividade manufatureira vinha encolhendo desde os anos de neoliberalismo dos noventa, mas chegou ao fundo do poço em 2002 e 2003. A conspiração planificada desde Washington (ver o livro “O código Chávez”, da venezuelano-americana Eva Golinger) derrubou a produção petrolífera de três milhões de barris diários para menos de 200 mil, freando o aparato produtivo e provocando o fechamento de centenas de empresas. Parece mentira, mas à beira do colapso econômico, em janeiro de 2003, o país foi obrigado a importar petróleo. Os produtos básicos desapareceram e os preços saltaram barreiras inimagináveis. A situação de insuficiência extrema demostrou claramente a extrema dependência venezuelana da importação de diversos bens, estimulando o governo a ampliar projetos relacionados com a “soberania alimentar”, inclusive com o apoio da Embrapa. A inflação, que até então havia apresentado tendência decrescente, explodiu outra vez. O cenário para um novo golpe de Estado ia ganhando corpo.
Os números do Banco Central da Venezuela (BCV) demonstram que durante o primeiro e o segundo trimestres de 2003, o PIB caiu impressionantes 15,8% e 26,7%, respectivamente. No mesmo período, o PIB petroleiro despencou 25,9% e 39,5%. No total, foram sete trimestres consecutivos de retração da economia, quase dois anos de graves consequências geradas pelo golpismo. O PIB per capta, as reservas internacionais e a taxa de investimento como proporção do PIB caíram bruscamente. Ampliou-se o desemprego, a inflação e as taxas de juros. A queda da economia em 2003 foi de 7,7%. Naquele ano, em termos reais, tocou um nível abaixo de 1991. Essa “guerra econômica” foi parte da estratégia para derrubar Chávez.
Tendo olhos, não vedes?
Uma das deformações herdadas do período neoliberal é o desprezo pelo processo histórico. A visão de curto prazo, a razão dos modelinhos micro-econômicos e do sistema financeiro: virtual, atemporal, indiferente à realidade, fictícia. Essa poderia ser uma das explicações para que alguns “analistas” se prestem ao vexame de depositar a responsabilidade daquele desastre no governo. Segundo estes mestres da análise da política e da economia, o fechamento de empresas, o crescimento do desemprego, a queda da renta, o aumento da inflação e os resultados negativos da economia entre 1999 e 2003 não seriam resultado das ações golpistas de uma parcela da oposição.
Frente a isso, é bem oportuno recordar que Chávez ganhou as eleições presidenciais de 1998 porque a Venezuela enfrentava a sua mais catastrófica crise econômica, política, social, institucional e moral, depois de quarenta anos de Pacto de Punto Fijo. O país literalmente agonizava como reflexo da submissão plena da Nação às transnacionais e à oligarquia. O assalto estrangeiro sobre a economia nacional era custodiado internamente pela nata da alta sociedade venezuelana, que gozada a vida afogada em uma permanente festa oligárquico-petroleira. Os clubes de golfe, os imensos casarões e os condomínios de alto padrão de Caracas são testemunhos desta infeliz constatação. Fora da capital, ainda praticamente intocados, estão os paraísos privados do Caribe e as imensas extensões de terras no estilo da fazenda El Miedo, do romance Dona Bárbara.
Uma análise séria –seja acadêmico ou informativa– pode constatar que, apesar dos eventuais problemas e de todas as dificuldades que surgem ao longo do processo de transição ao socialismo via edificação de um Capitalismo de Estado, o atual governo não é o criador dos complexos problemas estruturais da Venezuela. Pelo contrário, o governo tem se esforçado exatamente para corrigir essas distorções geradas durante as últimas décadas. Enfim, essa parece ser a interpretação da maioria dos venezuelanos que votam seguidamente pela continuidade da Revolução Bolivariana.
Nunca parece demais afirmar que a Venezuela é um país profundamente democrático. Além de realizar eleições transparentes com alta participação popular –em pleitos reconhecidos pelo mundo inteiro, exceto pelo governo dos Estados Unidos–, o país é um dos que mais avança em políticas sociais inclusivas. Muito mais do que realizar eleições, o governo venezuelano combate a pobreza e a desigualdade social, obtendo conquistas impressionantes nos últimos 15 anos. Os dados são públicos e estão divulgados nos sites de diversas instituições, como a CEPAL, e de órgãos da ONU, como a UNICEF e a FAO.
Piratas voltam à carga
Depois de perder as eleições para presidente e para governadores em 2012 e para presidente e para prefeitos em 2013, uma parcela da oposição assumiu uma postura desesperada. O centro do faniquito reside especialmente nas figuras de Leopoldo López e Maria Corina Machado (a mesma que em 2005 foi à Casa Branca encontrar-se com George W. Bush). Ambos teriam rompido com uma denominada “agenda democrática” de Henrique Capriles Radonski. É preciso continuar acompanhando esta suposta ruptura dentro do bloco opositor. Parece muito precipitado e simplista considerar que houve uma divisão entre uma oposição democrática e outra golpista. Inclusive porque faz poucos meses o próprio Capriles se negou a reconhecer a vitória eleitoral de Maduro, promovendo manifestações de vandalismo que resultaram no falecimento de mais de 10 pessoas. Apenas para lembrar, o jovem “democrata” também apoiou o golpe de 2002 e participou ativamente do assédio à Embaixada de Cuba em Caracas (registrado em um bom documentário disponível na internet).
Novamente os golpistas investem na desestabilização política, com atos de vandalismo e quebra-quebra. Mas os seus meios de comunicação, que ainda controlam a maioria das tevês, rádios, jornais e revistas da Venezuela, denunciam uma “repressão feita pelo governo”. As redes sociais estão repletas de supostas fotografias de manifestantes venezuelanos sendo agredidos nas ruas. No entanto, como está sendo formalmente denunciado pelas autoridades do país, se tratam de imagens colhidas de protestos realizados nos mais diversos lugares do planeta. Mostram repressão por parte da polícia grega, turca, alemã… Não é a polícia venezuelana.
Ao mesmo tempo, há meses, os golpistas apostam no sumiço de bens de primeira necessidade. Escondem e desaparecem com os produtos para gerar insatisfação e a explosão dos preços. Mas os seus meios de comunicação, muito bem pagos pelas grandes corporações, denunciam “a inflação mais alta da América Latina”. Mesmo que seja repetitivo, é preciso dizer que adotam a mesma “fórmula para o caos” que derrubou Allende, tratando de desestabilizar a economia e a sociedade com atentados, especulação e terror. É bastante perigoso que a grande mídia privada venezuelana continue disfrutando de total impunidade para mentir, falsificar os fatos e estimular a derrubada do governo. A “liberdade de expressão” não pode ser um mero esconderijo para camuflar a libertinagem e o golpismo.
Neste momento, mais uma vez a elite da Venezuela, apoiada, treinada e financiada por Washington e pela Embaixada americana em Caracas, arremete com força contra um governo democraticamente eleito. As lideranças nativas da trama, as mais evidentes, são playboys oriundos de famílias privilegiadas e antigos representantes dos insepultos partidos Acción Democrática (AD) e COPEI. Por quê nutrem tanto ódio? Porque foram historicamente beneficiados pelo Puntofijismo, seja por meio de empregos na sua PDVSA “privatizada” ou via contratos de empresas. Uma busca rápida a respeito dos seus antecedentes remete a informações esclarecedoras sobre a sua vinculação com a máfia de Miami, com os narcotraficantes da Colômbia e com a organização Tradição, Família e Propriedade (TFP).
Hoje, seu cálculo fácil aponta que Nicolás não teria a mesma capacidade de resistência que Chávez diante de um golpe. O plano é sangrar o governo pouco a pouco. Gerar insatisfações, constrangimentos, inflação, distúrbios e caos. Não parece exagero a preocupação venezuelana frente à possibilidade de assassinato de algum desses “líderes” golpistas, o que aprofundaria o cenário de tensão interna e de pressão internacional. As graves acusações contra Washington estão sendo documentadas.
Virão mais Chávez
A situação em 2014 não é a mesma de 2002. Ainda que fisicamente não esteja Chávez, as forças bolivarianas parecem estar muito mais consolidadas. Apesar das dificuldades e inclusive dos eventuais erros, o campo nacionalista, socialista, revolucionário ou bolivariano assumiu o controle sobre a renda petrolífera obtida por meio da PDVSA. Além disso, passou a dominar as Forças Armadas e o acesso às divisas internacionais. Também tem muito mais presença no campo produtivo, por meio de estatais, de empresas recuperadas por trabalhadores ou nacionalizadas, e dos mecanismos de comunicação social. Parece evidente que o cenário do golpe de estado de 2002 não existe mais na Venezuela.
Mas talvez o mais importante de tudo nem seja isso. O elemento principal é que nestes 12 anos o povo venezuelano ganhou muita consciência política e não parece estar disposto a permitir uma volta ao passado. Milhões de homens e mulheres que renasceram, e tiveram a sua dignidade e o seu orgulho resgatados, não admitirão o regresso da crescente exclusão social, da abismal desigualdade económica e da submissão do país ao estrangeiro.
Para concluir, considero útil fazer referência a duas frases bastante significativas. A primeira é de Chávez, de 2004. Há dez anos ele gritou do Balcón del Pueblo, comemorando a vitória no Referendo de 15 de agosto que “Venezuela cambió para siempre”. A outra frase é de Maduro. Em abril de 2013, comemorando a vitória nas eleições presidenciais, previu: “Vendrán más Chávez”. Todo apoio ao povo venezuelano e ao seu presidente.
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