terça-feira, 4 de março de 2014

Copa e Olimpíadas para quem?

Por Luis Fernandes, no  sítio Vermelho:

Ao conquistar o direito de sediar a Copa do Mundo da Fifa, de 2014, e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, Rio/2016, o Brasil se comprometeu a realizar mais do que dois grandes eventos esportivos. Bola na rede e medalha no peito são peças de uma engrenagem maior, que vai alavancar o desenvolvimento nacional e regional, bem como melhorar a qualidade de vida do cidadão em todas as regiões do país.

O Brasil é um país em desenvolvimento de dimensões continentais, equivalente em tamanho à Europa Ocidental como um todo. Sediar em sequência os dois maiores eventos esportivos e mediáticos do planeta abre ao país uma singular e histórica janela de oportunidades para fortalecer e acelerar o seu desenvolvimento.

Enquanto os países centrais se valem de infraestrutura e serviços já montados em fases anteriores do seu desenvolvimento para servir aos grandes eventos - o papel desempenhado pelo sistema de transporte público de Londres nos Jogos Olímpicos de 2012 é um exemplo claro do caso em questão -, para o Brasil esses eventos são uma oportunidade para acelerar a montagem de infraestrutura crucial para o desenvolvimento do país, bem como fortalecer e expandir políticas públicas garantidoras de direitos de cidadania e alavancar cadeias produtivas e inovadoras, tanto no âmbito nacional quanto regional.

Visão estratégica dos legados
O reconhecimento desta oportunidade histórica nos remete para a discussão dos legados que os grandes eventos esportivos podem deixar no país. O conceito de "legados" de grandes eventos esportivos é objeto de discussão entre distintos autores e atores da área.

Alguns autores estabelecem uma distinção entre "legados" e "impactos", de modo a acomodar no segundo possíveis efeitos negativos dos megaeventos esportivos (TAVARES, 2011). Já Preuss (2007) define legados como "todas as estruturas, independentemente de seu tempo de produção e espaço, planejadas ou não, positivas ou negativas, tangíveis ou intangíveis, criadas para um evento esportivo que permaneçam por mais tempo que o evento em si mesmo".

Para Chappelet e Junot (2006), legados representam "os efeitos materiais e não-materiais produzidos direta ou indiretamente pelo evento esportivo, planejados ou não, que transformam de forma duradoura a região que o hospeda de uma maneira objetiva ou subjetiva, positiva ou negativa".

As entidades internacionais diretamente responsáveis pelos megaeventos esportivos também participam desta discussão conceitual. A Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa) define "legados" como "o conjunto de benefícios que impactam um país direta ou indiretamente, econômica ou socialmente, resultante de ações vinculadas ao futebol e seus eventos, como a Copa do Mundo". Já o Comitê Olímpico Internacional (COI), os define como "impactos positivos, com efeito de longa duração, e que influenciam na vida e na cultura de um país e de sua população".

Apesar de conter diferenças entre si, podemos identificar algumas ideias força comuns nas conceituações de "legados" apresentadas acima, relacionadas a seus benefícios e impactos, à herança que deixam e às mudanças que provocam:

* Benefícios (diretos e indiretos; econômicos e sociais; resultantes de políticas e ações; nacionais e regionais)* Impactos (positivos; de longa duração; influência na vida e na cultura);

* Herança (duradoura; positiva ou negativa; gerada pelo impacto de políticas e ações);

* Mudanças (estruturais; planejadas ou não; positivas ou negativas; tangíveis ou intangíveis; permanentes pós-evento)

Sintetizando estas ideias-força, podemos definir "legados" como "resultados produzidos, direta ou indiretamente, pela realização de grandes eventos esportivos, em nível nacional e regional, tangíveis ou intangíveis, planejados ou não, que transformam de forma positiva e duradoura a sociedade que os sedia".

Embora nem todos os legados dos megaeventos esportivos possam ser planejados ou antecipados, sua viabilização depende da implementação de políticas públicas alavancadoras pelos três níveis de governo, materializadas em projetos estruturantes em múltiplas e distintas dimensões de transformação da nossa sociedade. Mas para isto, é necessário que a oportunidade histórica fornecida pelos megaventos para a geração de legados seja reconhecida, tanto pelos dirigentes públicos quanto pela sociedade brasileira, de forma a gerar as iniciativas e ações necessárias para o seu aproveitamento. Parafraseando o célebre poeta lusitano, para que os megaeventos "valham a pena", é preciso que "a alma não seja pequena".

Cabe aqui ressaltar, uma vez mais, que Copa e Olimpíadas significam muito mais do que a construção e a modernização de estádios e ginásios, por si só um trabalho de vulto e de importância para a infraestrutura esportiva. A meta do governo federal é implantar um programa de desenvolvimento que transformará não apenas as 12 cidades-sede da Copa, mas o país inteiro. Por isso foi tomada a decisão de realizar jogos do Mundial nas cinco regiões do
Brasil.

Por isso o conceito de nacionalização dos grandes eventos, com a irradiação de investimentos para além do Rio de Janeiro, no caso dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, e de 12 capitais, em se tratando de Copa do Mundo. O objetivo, no campo esportivo, é alçar o Brasil ao patamar das potências olímpicas, de forma sustentável e perene. No âmbito geral, a missão é dotar a nação de musculatura social e logística que garanta o desenvolvimento sustentável de uma economia que já faz parte da lista das dez maiores do planeta.

Na dimensão urbana, as iniciativas geradoras de legado no âmbito dos megaventos esportivos visam a garantir melhores condições de vida nas cidades, com projetos estruturantes nas áreas de mobilidade (transporte público), saneamento e habitação. Na dimensão logística e de infraestrutura, elas almejam erguer, modernizar e ampliar equipamentos e serviços que criam melhor ambiente para a realização dos eventos, mas que permanecem, sobretudo, como benefícios permanentes para a sociedade após a sua realização.

Na dimensão econômica, o fomento do crescimento econômico associado à redução de desigualdades e à criação de empregos via a geração de novos negócios e de produtos e serviços inovadores.

Na dimensão esportiva, a construção e modernização das instalações que sediarão os eventos, bem como a ampliação da infraestrutura e das políticas de fomento para a atividade esportiva em todo o país.

Na dimensão social, a ampliação dos direitos de cidadania e da qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação, saúde, acessibilidade, segurança e defesa. Na dimensão sociocultural, a valorização da identidade e da autoestima nacionais e regionais, nas suas múltiplas e variadas expressões. Na dimensão ambiental, a incorporação do princípio da sustentabilidade ao conjunto de empreendimentos e iniciativas associados aos eventos. Na dimensão política, a consolidação de novo modelo de gestão integrada entre os três níveis de governo do Estado brasileiro e parceiros privados e da sociedade civil.

O legado em construção
No planejamento inicial para a Copa do Mundo, o Grupo Executivo da Copa (Gecopa) do governo federal estabeleceu um teto de R$ 33 bilhões para investimentos em infraestrutura. As arenas multiuso, fundamentais para a modernização do negócio futebol, são parte desse projeto, mas estão longe de ser a vertente principal. A mobilidade urbana, com obras de novos sistemas viários e de transporte público (BRT, VLT e metrô, entre outros), configura-se como o destaque de um plano que projeta no horizonte a transformação da qualidade de vida dos habitantes de nossas cidades. Os investimentos em mobilidade somam R$ 11,5 bilhões, num universo de 40 empreendimentos. Ao fim das obras, terão sido construídos ou aprimorados mais de 450 km, entre trilhos e corredores de transportes rodoviários.

Estudos de consultorias privadas estimam que a Copa e os Jogos Olímpicos agregarão R$183 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2019. Somente o Mundial deve atrair 3,7 milhões de turistas, nacionais e estrangeiros, que injetarão na economia aproximadamente R$ 9,4 bilhões. Da construção civil à tecnologia de informação, dos pequenos negócios à ampliação da rede hoteleira, 700 mil empregos permanentes e temporários serão gerados.

Sob os olhares do mundo inteiro, o Brasil vai consolidar a imagem de país moderno e democrático, com diversidade cultural, atrações turísticas espalhadas por um território continental e capacidade de organização. É uma oportunidade histórica que não pode ser desperdiçada. O Mundial de futebol e as Olimpíadas não têm varinha de condão para mudar o cenário da noite para o dia, mas aceleram políticas estruturantes de desenvolvimento nacional, regional e local.

No Rio de Janeiro, sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, o projeto Porto Maravilha visa a recuperar e adensar o centro histórico da cidade, constituindo nova área marcada tanto pela beleza quanto pela funcionalidade, ao mesmo tempo residencial e comercial, doméstica e turística. Outro exemplo carioca pode ser conferido em Deodoro. Legado dos Jogos Pan-Americanos de 2007, o centro esportivo foi alçado à condição de Parque Olímpico - complementar ao complexo principal, na Barra da Tijuca - e já é responsável pela descoberta de talentos em modalidades há pouco tempo ainda desconhecidas no Brasil, como o hóquei sobre a grama, o tiro esportivo e o pentatlo moderno. O desenvolvimento do parque esportivo alavancará a região como um todo, detentora até aqui dos mais baixos indicadores de desenvolvimento humano da cidade. A comunidade de Deodoro colherá os frutos e agradecerá aos Jogos Olímpicos.

Na maior cidade da América do Sul, a bola da vez é Itaquera. O bairro paulistano com os mais baixos índices de desenvolvimento social será palco da abertura da Copa do Mundo. A nova arena impulsiona um rol de investimentos que dotará a área de universidade, conjuntos residenciais e infraestrutura urbana renovada. Pernambuco segue o mesmo caminho, ao erguer o estádio do Mundial em São Lourenço da Mata, município vizinho a Recife, com o objetivo de espalhar o crescimento econômico para além da capital. No mesmo sentido, a Copa e as Olimpíadas têm o poder de catalisar ações e projetos que já integravam o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e encontraram nos grandes eventos esportivos o ambiente ideal para sair da prancheta.

Dentro da visão estratégica do governo federal, projetos estruturantes vêm modernizando setores da economia brasileira. Os aeroportos, por exemplo, com demanda crescente graças à ascensão social de camadas beneficiadas pelo crescimento econômico e pela redução da desigualdade no país, necessitavam de ampliação e aprimoramento da gestão, independentemente da realização dos grandes eventos esportivos. O processo de concessões à iniciativa privada, que contemplou numa primeira fase os aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília, tem se revelado caminho certo para aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços. O mesmo ocorre com os portos, que ganham espaço e estrutura para receber cruzeiros internacionais e intensificar o turismo interno.

Nas telecomunicações, a aceleração do Programa Nacional de Banda Larga, com investimentos em infraestrutura e na aquisição de conhecimento tecnológico, mostrou resultados já na Copa das Confederações, realizada no último mês de junho. Todas as seis cidades-sede do torneio ofereceram a tecnologia 4G aos usuários de smartphones. No Mundial do ano que vem as 12 sedes serão abarcadas. Mais do que agregar confiabilidade às ligações telefônicas e velocidade aos aplicativos e down-loads executados pelos celulares, fala-se aqui em estruturar uma base tecnológica para abrir portas ao desenvolvimento econômico. O plano de banda larga diminui as distâncias físicas, amplia a oferta de oportunidades de negócio e, como consequência, atua como vetor para reduzir as desigualdades regionais. Tudo isso num cenário que apresenta importantes investimentos da iniciativa privada.

O ambiente de Copa e Olimpíadas joga luzes também sobre a base do esporte. Não se constrói uma potência olímpica - nem se democratiza o conceito de que a atividade física é primordial para a saúde e o desenvolvimento social - sem investimento no esporte educacional. E o Brasil tem uma dívida com suas escolas, em grande parte desprovidas de infraestrutura mínima para a prática esportiva. É nessa perspectiva de resgate que o governo federal está construindo 6 mil ginásios e cobrindo 4 mil quadras em escolas públicas. Parcerias do Ministério do Esporte com o MEC e as Forças Armadas - programas Segundo Tempo, Mais Educação e Forças no Esporte – podem beneficiar 7 milhões de estudantes em 2014. A valorização do professor de educação física, que passa necessariamente pelo reconhecimento da disciplina como componente curricular obrigatório, é ponto importante nesse processo de reestruturação.

O fortalecimento da escola, aliado à construção de Centros de Iniciação ao Esporte (CIEs) em todo o país, cria as condições para a revelação de talentos que serão direcionados ao alto rendimento. O ciclo esportivo se completa, da base ao topo da pirâmide. O conceito de democratização da atividade física para a construção de uma sociedade saudável chega ao nível de refinamento, com a integração de centros esportivos regionais e a consolidação de uma Rede Nacional de Treinamento. O desfile de ídolos internacionais das duas maiores competições do mundo nos próximos anos só aumenta o interesse da juventude pelas atividades esportivas. Na outra ponta, o próprio Parque Olímpico da Barra da Tijuca sediará, após o evento, a primeira Universidade do Esporte do país, agregando em rede o que há de mais avançado na produção científica e tecnológica nacional para apoiar o esporte de alto rendimento brasileiro.

O legado de gestão pública já é realidade na segurança e na saúde. Esses setores experimentam inovações administrativas em que os grandes eventos esportivos aparecem na tela como elementos de um cenário maior. Os Centros Integrados de Comando e Controle, com aparelhagem de última geração, transcendem a tecnologia ao estabelecer como conceito a integração das variadas forças de segurança, e destas com as Forças Armadas. O Novo Marco Regulatório da Saúde em Eventos de Massa, conduzido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), também aproveita a Copa e os Jogos Olímpicos para desenvolver uma política pública estruturante e duradoura.

Na área ambiental, projetos como a Copa Orgânica e Sustentável, de alavancagem da produção de alimentos orgânicos, e Parques da Copa, de modernização administrativa e renovação de equipamentos dos parques e reservas nacionais, são capítulos do mesmo livro. Na cultura, o Projeto de Infraestrutura Cultural e Legados dos Museus segue essa trilha.

Megaventos esportivos e desenvolvimento nacional
Os exemplos apresentados acima, entre milhares de outros, mostram como é equivocada a visão que supõe existir um antagonismo entre sediar os megaventos esportivos no Brasil e ampliar os investimentos em saúde e educação no país. Ao contrário, partindo de uma visão ampla dos legados que esses eventos podem deixar no país, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 nos propiciam uma oportunidade histórica para ampliar os investimentos em saúde, educação e outros serviços públicos e direitos de cidadania, alavancando o esforço contínuo empreendido pelo Brasil para superar a secular e pesada dívida social que marca a nossa sociedade.

Em junho de 2013, enquanto era disputada no Brasil a Copa das Confederações - importante teste para os megaeventos esportivos de 2014 e 2016 – centenas de milhares de brasileiros foram às ruas para reivindicar um país melhor. Transporte, segurança, saúde e educação se destacaram como temas de faixas e cartazes, numa clara demonstração de que a sociedade brasileira está cada vez mais atuante e consciente. A mensagem transmitida ao Estado é de que os indubitáveis avanços econômicos e sociais conquistados pelo Brasil nos últimos dez anos precisam ser acompanhados por melhorias na infraestrutura urbana e nos serviços oferecidos à população.

As manifestações incluíram críticas de alguns setores apontando que os investimentos associados aos grandes eventos esportivos estariam absorvendo recursos que deveriam ser investidos em setores mais importantes, teoricamente relegados a segundo plano. Tal visão, pelo que já foi exposto, é equivocada. Mais do que isso, ela tolhe a conquista das melhorias reclamadas pelos próprios manifestantes. O legado construído por todos os entes públicos e privados envolvidos no planejamento da Copa e das Olimpíadas contempla, justamente, os anseios da população brasileira ecoados pelos manifestantes. Integram este legado o rigoroso controle e fiscalização dos empreendimentos associados a esses eventos, para evitar e combater gastos excessivos, bem como o mau uso de recursos públicos.

O planejamento estratégico que orienta a ação dos poderes públicos na preparação dos megaeventos esportivos busca potencializar os resultados extracampo da Copa e dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. Os gols da Seleção na Copa e as medalhas verde-amarelas nos Jogos Rio/2016 certamente emocionarão e inspirarão toda a torcida brasileira. Esperamos que o Brasil que emergir dos megaeventos esportivos possa fazer nossa torcida vibrar e se orgulhar, nas ruas e nas arquibancadas, não só pelo que o seu país realizou, mas, sobretudo, pelas bases que lançou para um futuro com mais bem-estar e justiça social para o seu povo.

*Luis Fernandes é secretário executivo do Ministério do Esporte e coordenador dos Grupos Executivos da Copa e das Olimpíadas do governo federal

Um comentário:

  1. Perguntem aos Patrioteiros de Plantão para quem eles vão torcer; porque os EUA vem aí e os Mainardi's da vida já deveriam estar fazendo abaixo assinado para perdermos a Copa. Se ganharmos como vai ficar o negócio?!

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