Por Ciro Barros e Giulia Afiune, no sítio da Pública:
Terça-feira de manhã, céu nublado, aquele “chove-não-chove” no ar. A reportagem da Pública está em Mauá, município da Grande São Paulo, para acompanhar um jogo de futebol sem torcida, estrelado pelo Grêmio Esportivo Mauaense, da Segunda Divisão do Campeonato Paulista, abaixo da Série A3. Com o objetivo de montar uma equipe para o próximo campeonato do primeiro degrau do futebol profissional, os jogadores de Mauá enfrentam um time de jogadores ainda mais frágeis: o dos desempregados, reunidos em uma equipe montada pelo Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (Sapesp) para que eles possam manter a forma enquanto não voltam a jogar profissionalmente.
Ali não há fotógrafos, jornalistas, símbolos das federações, placas de publicidade. Ninguém está nas arquibancadas para vibrar pelas jogadas no campo deteriorado, cheio de entulho. Dois cachorrinhos brincam no fundo do “campo” do Estádio Pedro Benedetti, municipal, que fica escondido atrás de um distrito da Polícia Militar.
Mas não falta emoção em um jogo em que cada um luta por um lugar ao sol, pela remota chance de realizar o sonho de se tornar, ou continuar a ser, um jogador profissional de futebol. A Pública acompanhou a partida, vencida por 3 a 2 pelo Mauaense, assistiu a ótimas jogadas e ao golaço de Jorge, o craque do time vencedor, do lugar do quarto árbitro – privilegiadíssima posição em um estádio “de verdade”- e, como faziam os jornalistas esportivos de outros tempos, desceu aos vestiários para entrevistar os jogadores.
Não estávamos ali para fazer uma crônica da partida, mas para saber como é a realidade dos jogadores da base da pirâmide do negócio futebol. Saber o que esperam aqueles que não ganham salários milionários, não saem em capas de revista, nem vendem milhões de camisas com seus nomes estampados, cuja existência era ignorada pela mídia até recentemente, quando o movimento Bom Senso F.C – formado por atletas da Série A e B do Campeonato Brasileiro – girou os holofotes dos bons gramados para iluminar a dura realidade do mercado de trabalho de futebol brasileiro em que campinhos como o de Mauá e o desemprego como os atletas da equipe da SAPESP são bem mais numerosos que as camisas do times de elite.
A maioria dos garotos que encontramos nos chuveiros têm por volta de 20, 21 anos, “velhos” para iniciar a carreira no futebol, e estão longe de obter um contrato para valer em um clube profissional. Mas não desistiram do sonho como diz o meia-atacante Eddy Rocha, um baiano de 21 anos, da equipe da SAPESP: “Me indicaram pro time do sindicato aí e eu tô aqui agora, mantendo a forma pra me empregar”, diz. Antes de chegar ali, o morador do bairro da Plataforma, na periferia de Salvador, chegou a passar pelas categorias de base pelos principais times baianos – o Vitória e o Bahia – mas não conseguiu a vaga como profissional. Foi para Pernambuco jogar no Ferroviário do Cabo, time da segunda divisão pernambucana, uma experiência que ilustra um pouco pelo que passam os aspirantes ao futebol profissional.
“A gente não tinha cozinheiro, tinha que ir um rapaz entregar marmita pra gente: feijoada, saladinha e um suco, isso quando vinha. A gente dormia num tatame. Fizeram o pedido por beliche e não veio enquanto eu tive ali. Todo mundo ganhava um salário mínimo, que chegou a atrasar uns três meses. Só consegui me manter com a ajuda de um amigo de infância, de Salvador”, relembra Eddy.
Enquanto penava no Recife, Eddy recebeu de um empresário para participar de testes de dois times da Série A2 paulista , o Audax e o Grêmio Osasco, que pretendiam disputar o sub-21. Pela idade era a última chance de Eddy jogar nesse campeonato e ele se despediu da mulher e do filho de um ano no Recife e veio a São Paulo sozinho para tentar a sorte. A história, porém, era “uma barca furada”, como diz. Quando chegou, o período de testes tinha se encerrado e Eddy ficou sem chance e passou aperto até ser acolhido por um amigo em São Paulo. Não voltou para o Recife porque acha que lá ainda vai ser mais difícil realizar seu sonho. E aceitou as desculpas do tal empresário, que ainda tenta convencê-lo a assinar um contrato com ele. “Ele disse agora que quer fazer um DVD meu pra mandar pra uns clubes, me dar uma ajuda de custo. Mas é coisa só de boca né, aí fica difícil”, diz, relutante. Se nada der certo, Eddy, que estudou até a oitava série, diz que vai virar professor de Educação Física.
A vida dura do atacante Jorge, o craque da partida
Do lado do Mauaense, a coisa não vai muito melhor. O grande destaque da partida, o atacante Jorge de Araújo, de 26 anos, fez o gol de cobertura, e deu trabalho ao time adversário, com dribles, pivôs bem feitos e belas jogadas. Mas ele não conseguiu ir além no futebol profissional e agora o que o aguarda parece ser mais uma vez a Segunda Divisão paulista, pela qual disputou o campeonato deste ano pelo Mauaense por um contrato de três meses de 800 reais mensais. Que ainda não foram integralmente pagos.
Mas Jorge não desanima: “É aquela coisa. Três meses, mas nesses três meses você tem a chance de mostrar alguma coisa no futebol. É uma coisa precária, uma divisão muito difícil, mas a gente tá aí batalhando para conquistar o melhor. Quem sabe não aparece alguma coisa, alguém me vê jogar e eu posso ir pra um clube melhor?”.
O último salário dos três prometidos para o campeonato passado está atrasado, assim como o dos colegas de clube, que ganharam ainda menos: R$ 678,00, o salário mínimo. “Temos a promessa do nosso presidente, que falou que tá vindo o dinheiro, mas a gente continua esperando”, diz Jorge.
Para se manter num cenário de tanta instabilidade Jorge arrumou um bico: “Hoje eu tô trabalhando numa escolinha de futebol, dando aula pras crianças. Sou técnico de um time infantil também, fiz uns cursos aí. E tem a várzea né?”, conta. “Não gostaria de jogar na várzea, mas lá é dinheiro garantido, dinheiro na mão. Termina o jogo e tá lá o seu dinheirinho dentro do envelope. Aqui no profissional às vezes o mês tem 60, 80 dias. Então a gente não pode contar com o salário do mês. Aí a gente às vezes vai pra várzea, vai pra longe, faz de tudo aí pra se manter”, explica, referindo-se aos campeonatos de futebol amador, assim apelidados em São Paulo porque começaram a ser disputados nas várzeas dos rios paulistanos.
Hoje há campeonatos de várzea bem estruturados, como a Copa Kaiser, o principal campeonato amador da capital paulista que neste ano contou com 192 equipes em jogos que foram de março a outubro. “Na várzea, eu já peguei cinco mil pra assinar e mais 250 reais por jogo. É um dinheiro bom e sempre vem conforme o combinado. No profissional, muitas vezes eles te prometem um contrato e só pagam uma parte. O que vale mais a pena?”, pergunta Jorge, que foi campeão da Copa Kaiser deste ano pelo Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, zona norte de São Paulo.
Como as premiações são pagas em dinheiro vivo, fica sempre a dúvida sobre suas origens. Mas fato é que a várzea funciona como alternativa ao vácuo de organização das divisões menores do futebol profissional. Jogadores que chegaram à Seleção Brasileira, como o atacante Leandro Damião, do Internacional, o volante Elias, atualmente no Flamengo, e o meia-atacante Denílson, este pentacampeão com o Brasil em 2002, jogaram a Copa Kaiser.
A falta de alternativas para quem busca ser profissional de futebol é tão grande para que os que ficaram fora das categorias de base dos times profissionais que alguns chegam a pagar – literalmente – para jogar, como conta Jorge, que já recebeu a indecente proposta. “Eu estava em Santa Catarina e um cara me pediu dez mil pra me colocar num time da Segunda Divisão do Catarinense. Aí eu fui pra lá, eu estava com dinheiro, mas eu vi que era uma barca furada e desisti”, diz. “Tenho amigos, por exemplo, que pagaram dez mil por um contrato de seis meses num clube. Só que aí eles vão lá, jogam, e acabam recebendo esses dez mil de volta nesses seis meses. Depois você vai embora, não é aproveitado. Fica tipo uma bagagem. Aí o cara fala: ‘Ah, eu joguei no clube tal…’ Jogou nada. Jogou porque pagou pra jogar”, afirma.
Na base da pirâmide, times sem dinheiro nem incentivo
Por sua vez, o Mauaense sofreu um fracasso retumbante na Segunda Divisão Paulista. Nos dez jogos que disputou, perdeu oito e empatou dois, ficando em último lugar do grupo 08. Em termos de arrecadação, o desempenho também foi ruim: média de 96,5 torcedores pagantes por partida em casa e renda média por partida de R$ 859,25.
“O Mauaense precisaria de uns R$ 70 mil por mês para bancar atletas, comissão técnica, médico, material esportivo, viagem essas coisas. Eu gastei R$ 20 mil, que era o que eu consegui por um empréstimo com um amigo, de última hora. Tá muito deficitário, né? Relutei esse ano para não entregar o time na mão de um empresário”, conta o presidente do Mauaense, Marco Antonio Capuano, conhecido como Quinho.
Diante da fragilidade de muitos clubes profissionais e das cifras que giram em torno do negócio-futebol, muitos investidores se aproximam dos clubes menores. “Chega um empresário com dinheiro, sonhando com uma transação milionária [de algum jogador], e começa a arcar com as despesas do clube. Às vezes vende o jogador, o clube não leva nada, e depois de um tempo vai embora, geralmente deixando dívida pro clube pagar, como já fizeram com o Mauaense, principalmente trabalhista, porque os contratos são firmados com o clube e não com ele,”, resume o dirigente.
Na opinião de Quinho, o que falta para o Mauaense é visibilidade – termo que ele repetiu pelo menos quatro vezes na entrevista. “Quando as pessoas não enxergam aquilo que você está fazendo, fica difícil. Como eu vou chegar numa empresa aqui de Mauá se eles falam: ‘ah, mas você não dá retorno’? É isso que a gente precisa: retorno. Precisa a prefeitura de Mauá nos ajudar, abraçar o time da cidade, e a mídia local e a própria federação paulista fazerem um esforço maior de divulgação do que se faz aqui na Segunda Divisão”, opina. “A falta de público é falta de iniciativa”, diz. De quem? “De todos, mas principalmente da mídia, do poder público e da federação paulista”, resume.
A Pública procurou a Federação Paulista de Futebol para falar nessa reportagem, mas não obteve retorno da assessoria de imprensa.
Quanto mais longe do centro, mais difícil o sonho
Em estados distantes dos grandes centros, os jogadores também precisam se virar ainda mais para jogar o ano inteiro. “Quando termina o campeonato paraense aqui em Belém (PA), se a gente não consegue renovar o contrato, temos que ir para Macapá (AP) e jogar os outros três meses”, conta o belenense José Romeu Tavares, de 28 anos. O campeonato paraense foi de janeiro a junho e o amapaense, de julho a outubro. “A partir de dezembro começa a pré-temporada para o paraense, aqui em Belém e [os clubes] começam a contratar. Aí os jogadores voltam para não ficarem parados.”
Isso significa que muitos jogadores não têm férias entre as temporadas. Romeu se machucou no fim de 2012 e teve que passar por uma cirurgia no joelho. Ele ficou se recuperando durante o primeiro semestre deste ano, e jogou apenas o segundo, pelo Ypiranga, de Macapá. “Graças a Deus tive ajuda de amigos, da família que me ajuda e tenho um dinheiro que eu sempre deixo guardado, porque a gente nunca sabe.” Agora já retornou para Belém para a pré-temporada.
Situações como essa são comuns no Pará. O zagueiro Bruno Oliveira de Andrade, colega de Romeu no Ypiranga, não conseguiu firmar contrato para jogar no primeiro semestre. “Temos que dar uma economizada para sobreviver esses meses. Trabalhei em várias coisas: como motorista, até ajudante de pedreiro para ganhar um dinheirinho.” Romeu conta que muitos amigos desistiram do futebol porque precisavam sustentar suas famílias. Mas Bruno não quer seguir esse caminho. “Quando você fica três, quatro meses parado, passam várias coisas na cabeça da pessoa. Já pensei várias vezes em parar por causa da esposa, do filho. Continuo porque tenho condições de chegar em um lugar melhor. No futebol, do dia para a noite podem acontecer coisas melhores, você pode ficar bem. Meu sonho é ser campeão por uma equipe grande do Rio, de São Paulo, até de fora, conseguir sair daqui do estado.”
Em 2013, o Ypiranga teve apenas 23 jogos, dos quais 3 foram amistosos 20 oficiais (14 no estadual e 6 na Série D do Campeonato Brasileiro). O time sobrevive com uma média de 8 a 10 mil reais mensais que recebe da loteria esportiva Time Mania, além de um repasse anual de R$ 50 mil do estado do Amapá.
“Muita coisa o presidente tem que tirar do bolso”, diz o diretor administrativo do clube, Claudio Celio Góes Conrado. “Se não tem campeonato, não tem como manter o time [durante o ano]. A gente monta a equipe para jogar três meses se for só o estadual, e cinco meses se tiver a série D do Brasileiro”. Como na maioria dos times pequenos, os contratos de jogadores e patrocinadores vigoram apenas durante os campeonatos. “É complicado conseguir patrocinadores pela questão da credibilidade que a gente foi perdendo ao longo dos anos”, conta o dirigente. O time, fundado em 1963, possui sete títulos do campeonato amapaense, mas não ganha desde 2004.
Franceses em Sergipe?
Na segunda divisão de Sergipe, a situação é semelhante. “Os nossos campeonatos não são rentáveis, não temos patrocínios para realizar a competição, não temos grandes públicos nos estádios. O campeonato não é atrativo em termos de jogadores, já que a média salarial é baixa. Falta credibilidade frente aos torcedores porque não tem boas equipes”, descreve Diogo Andrade, diretor do departamento técnico da Federação Sergipana de Futebol. De acordo com ele, a média de público para jogos da Primeira Divisão do campeonato estadual varia entre 800 a 1000 pagantes, enquanto na Segunda Divisão é de 150 a 200 pessoas.
Fundado há 96 anos em Maruim, no interior de Sergipe, o Maruinense teve apenas 8 jogos em 2013. Com R$ 50 mil reais de patrocínio para todo o ano, o clube tenta diversificar sua receita fazendo parcerias com times de outros estados e busca outras fora do país. “Nós estamos firmando um projeto de clube-escola, em que vamos receber jogadores franceses, treinar e mandar pra fora. Além disso, estamos negociando com amigos meus na Ponte Preta, na Portuguesa e no Palmeiras para mandarem jogadores de 20, 21 anos que não estão sendo usados nos times de base”, explica Manoel Rodrigues Neto, presidente do clube. Ele conta que o time já revelou jogadores conhecidos como o atacante Oséas, que jogou pelo Atlético Paranaense, Cruzeiro e Palmeiras, na equipe que conquistou a Libertadores, em 1999.
“Meu sonho é colocar o Maruinense na série B do Campeonato Brasileiro, em um nível mais alto”, conta o dirigente do time que hoje disputa a Segunda Divisão do campeonato sergipano. Mas, para o zagueiro Felipe Severo Santana, de 25 anos, que já jogou no São Caetano e no Atlético Paranaense, o clube precisa melhorar sua estrutura para fazer frente aos times de elite. “Nesses times tinha mais profissionais, alimentação de qualidade, já aqui é meio carente. Aqui tem que ser guerreiro”, opina o jogador, que já trabalhou até em uma loja de sapatos enquanto ficou parado no futebol. “Já pensei em desistir muitas vezes. Futebol é injusto demais”, afirma.
Para Diogo Andrade, da federação sergipana, o maior problema é a incompetência administrativa” dos clubes. “Os clubes precisam ir atrás de patrocínio e trabalhar dentro do que arrecadaram, fazendo um orçamento. Aqui, primeiro se forma a equipe, pra depois pensar em uma forma de pagar.” Para ele, os campeonatos deveriam ter menos equipes que deveriam passar por um filtro das federações “exigindo um profissionalismo, para que não acumulem dívidas com os funcionários”, diz. “Eu já vi clube lamentando porque ia para a decisão da segunda divisão campeonato porque ia ter mais 15 dias de despesas”, relata, inconformado. Ele cita como bom exemplo de administração o caso do River Plate de Sergipe, que diante da possibilidade de disputar o Campeonato Estadual, a Copa do Nordeste e a Copa do Brasil, desistiu dos campeonatos oficiais por falta de condições financeiras.
Em termos financeiros, explica Diogo, vale mais a pena disputar o campeonato sergipano do que o nacional. “O estadual dá vaga para duas competições nacionais: Copa do Nordeste e do Brasil. Jogando dentro do estado a despesa é menor, por isso o lucro é maior do que no Brasileiro. E você tem certeza que o campeonato dura de janeiro a maio, pode contratar um atleta sabendo que vai cobrir todas as etapas do contrato do jogador. Já no brasileiro, a primeira fase tem dois meses. Você contrata um jogador por três meses [mínimo exigido pela lei]. Neste mês extra os atletas querem receber, mas o clube está inativo .”
Para ele, compensaria aumentar o número de times na série D ou criar uma série E do Campeonato Brasileiro se a CBF colaborasse. “Nós temos equipes com condições de ingressar em competição nacional, desde que a CBF se comprometesse a cobrir as despesas da competição – transporte, alimentação e hospedagem. Sem isso não há grande vantagem”, diz.
Ele também defende os campeonatos estaduais e regionais e elogia a Copa do Nordeste, bancada pela CBF, em que os 16 clubes recebem uma cota fixa em torno de 345 mil pela participação, mais a renda das partidas: “Um clube de Sergipe não ganha menos do que 500 mil reais em uma competição como essa. Ela serve para engrandecer os times da região”, diz, lembrando ainda que o campeão da Copa do Nordeste tem vaga garantida na Copa Sul-Americana. “É um caminho curto para uma equipe de menor porte chegar a uma competição internacional”, diz.
De acordo com o site Esporte Nordeste, o campeão receberá cerca de R$ 1,5 milhões, incluindo a cota de participação, a classificação até a final e a premiação.Em 28 de novembro, a CBF divulgou a tabela da Copa Verde, que será disputada por 6 clubes das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. O vencedor da competição, que acontece entre fevereiro e abril de 2014, também ganhará vaga na Copa Sul-Americana.
A CBF foi procurada pela reportagem da Pública, mas disse que não iria se manifestar.
Paulo André sabe o que é sofrer no futebol
Casos como esses mostram a necessidade de mudanças urgentes no futebol brasileiro, defendidas pelo Bom Senso FC, entre elas duas de interesse direto dos personagens desta reportagem: o aumento de jogos para os clubes pequenos (estendendo o calendário de atividade desses jogadores) e a instituição de um fair play financeiro, com a inclusão de leis mais severas para clubes que descumprirem suas obrigações contratuais. Só assim, seria possível mudar a história da grande maioria dos jogadores brasileiros, que alguns líderes do Bom Senso, como o jogador Paulo André, zagueiro do Corinthians, não esquecem.
“Eu morava num sítio que ficava quatro quilômetros da cidade, dormia num galpão com mais 30 outros sonhadores, aspirantes a jogadores de futebol. A nossa alimentação era precária: arroz, feijão e salsicha todo dia. A estrutura de treino era qualquer pedaço de grama que tinha na cidade. Nas viagens longas que se faziam pelo interior do estado, o ônibus quebrava e a gente chegava em cima da hora, atrasado pra jogar. Eu ganhava um salário mínimo, que era de 180 reais, e atrasava”.
A realidade vivida pelo craque 11 anos atrás, quando defendia as cores do Águas de Lindoia Esporte Clube, não mudou para os clubes menores, que ainda sofrem com esse vácuo de atuação de quem organiza o futebol brasileiro, como ele diz. “Isso não é fomentar futebol e sua prática, isso é expor trabalhadores a condições de risco. Isso é vender uma ilusão de ser jogador de futebol a milhares de pessoas, milhares de atletas, que vivem como verdadeiros bóias-frias do futebol. Vivendo do futebol três, quatro vezes no ano e depois tendo que encontrar outra divisão”, reflete.
“Queremos a redução de jogos dos times da Série A e aumento do número de jogos de todos os outros times brasileiros”, explica Paulo André, que vê os jogadores dos grandes times sobrecarregados de jogos e os dos pequenos sem-calendário. “A gente acredita que os clubes têm que jogar no mínimo 36 partidas e no máximo 72 partidas no ano. Qualquer modelo que consiga inserir essas duas premissas já é muito melhor do que o que está aí”, diz. “O que tem feito a CBF e as Federações sim, é um assassinato contra os clubes do interior.”
“Não há necessidade de que para que o pequeno exista, ele deva jogar contra o grande”, destaca. “Essa é uma grande mentira que tem emperrado o desenvolvimento dos pequenos. Hoje, no estado de São Paulo, que é o estado mais importante do país no futebol, a gente conta com 105 clubes. Desses 105, 85 não jogam contra os grandes porque fazem parte da Série A2, da Série A3 e da Série B do Paulista. E eles continuam sobrevivendo. Assim como os 7 clubes que jogam a Série A1 e não disputam competições nacionais. O que a gente pergunta para essas pessoas que defendem esse modelo é: qual é a diferença estrutural e financeira dos sete clubes que jogam a A1 para os 85 clubes que não jogam a A1? Não existe diferença. Todos eles estão se matando para tentar sobreviver”, conclui.
Por meio do Bom Senso FC, Paulo André e outros jogadores da “elite” também aproveitam sua visibilidade para denunciar os baixos salários e o atraso nos pagamentos que atingem a maior parte dos atletas. De acordo com dados da CBF, em 2010, 60% dos atletas profissionais registrados ganhavam até um salário mínimo, na época, R$ 510. Apenas 4,3% ganhava acima de 20 salários mínimos. Na lista dos 20 jogadores mais bem pagos no Brasil, feita pela Pluri Consultoria a pedido da revista Época Negócios, pelo menos oito fazem parte do Bom Senso FC. Enquanto D’Alessandro (Internacional), recebe o melhor salário entre eles, cerca de R$ 7,5 milhões por ano, os jogadores do Mauaense ganham o correspondente a 0,1% desse valor – R$ 8.136 por ano, um salário mínimo por mês.
Terça-feira de manhã, céu nublado, aquele “chove-não-chove” no ar. A reportagem da Pública está em Mauá, município da Grande São Paulo, para acompanhar um jogo de futebol sem torcida, estrelado pelo Grêmio Esportivo Mauaense, da Segunda Divisão do Campeonato Paulista, abaixo da Série A3. Com o objetivo de montar uma equipe para o próximo campeonato do primeiro degrau do futebol profissional, os jogadores de Mauá enfrentam um time de jogadores ainda mais frágeis: o dos desempregados, reunidos em uma equipe montada pelo Sindicato de Atletas Profissionais do Estado de São Paulo (Sapesp) para que eles possam manter a forma enquanto não voltam a jogar profissionalmente.
Ali não há fotógrafos, jornalistas, símbolos das federações, placas de publicidade. Ninguém está nas arquibancadas para vibrar pelas jogadas no campo deteriorado, cheio de entulho. Dois cachorrinhos brincam no fundo do “campo” do Estádio Pedro Benedetti, municipal, que fica escondido atrás de um distrito da Polícia Militar.
Mas não falta emoção em um jogo em que cada um luta por um lugar ao sol, pela remota chance de realizar o sonho de se tornar, ou continuar a ser, um jogador profissional de futebol. A Pública acompanhou a partida, vencida por 3 a 2 pelo Mauaense, assistiu a ótimas jogadas e ao golaço de Jorge, o craque do time vencedor, do lugar do quarto árbitro – privilegiadíssima posição em um estádio “de verdade”- e, como faziam os jornalistas esportivos de outros tempos, desceu aos vestiários para entrevistar os jogadores.
Não estávamos ali para fazer uma crônica da partida, mas para saber como é a realidade dos jogadores da base da pirâmide do negócio futebol. Saber o que esperam aqueles que não ganham salários milionários, não saem em capas de revista, nem vendem milhões de camisas com seus nomes estampados, cuja existência era ignorada pela mídia até recentemente, quando o movimento Bom Senso F.C – formado por atletas da Série A e B do Campeonato Brasileiro – girou os holofotes dos bons gramados para iluminar a dura realidade do mercado de trabalho de futebol brasileiro em que campinhos como o de Mauá e o desemprego como os atletas da equipe da SAPESP são bem mais numerosos que as camisas do times de elite.
A maioria dos garotos que encontramos nos chuveiros têm por volta de 20, 21 anos, “velhos” para iniciar a carreira no futebol, e estão longe de obter um contrato para valer em um clube profissional. Mas não desistiram do sonho como diz o meia-atacante Eddy Rocha, um baiano de 21 anos, da equipe da SAPESP: “Me indicaram pro time do sindicato aí e eu tô aqui agora, mantendo a forma pra me empregar”, diz. Antes de chegar ali, o morador do bairro da Plataforma, na periferia de Salvador, chegou a passar pelas categorias de base pelos principais times baianos – o Vitória e o Bahia – mas não conseguiu a vaga como profissional. Foi para Pernambuco jogar no Ferroviário do Cabo, time da segunda divisão pernambucana, uma experiência que ilustra um pouco pelo que passam os aspirantes ao futebol profissional.
“A gente não tinha cozinheiro, tinha que ir um rapaz entregar marmita pra gente: feijoada, saladinha e um suco, isso quando vinha. A gente dormia num tatame. Fizeram o pedido por beliche e não veio enquanto eu tive ali. Todo mundo ganhava um salário mínimo, que chegou a atrasar uns três meses. Só consegui me manter com a ajuda de um amigo de infância, de Salvador”, relembra Eddy.
Enquanto penava no Recife, Eddy recebeu de um empresário para participar de testes de dois times da Série A2 paulista , o Audax e o Grêmio Osasco, que pretendiam disputar o sub-21. Pela idade era a última chance de Eddy jogar nesse campeonato e ele se despediu da mulher e do filho de um ano no Recife e veio a São Paulo sozinho para tentar a sorte. A história, porém, era “uma barca furada”, como diz. Quando chegou, o período de testes tinha se encerrado e Eddy ficou sem chance e passou aperto até ser acolhido por um amigo em São Paulo. Não voltou para o Recife porque acha que lá ainda vai ser mais difícil realizar seu sonho. E aceitou as desculpas do tal empresário, que ainda tenta convencê-lo a assinar um contrato com ele. “Ele disse agora que quer fazer um DVD meu pra mandar pra uns clubes, me dar uma ajuda de custo. Mas é coisa só de boca né, aí fica difícil”, diz, relutante. Se nada der certo, Eddy, que estudou até a oitava série, diz que vai virar professor de Educação Física.
A vida dura do atacante Jorge, o craque da partida
Do lado do Mauaense, a coisa não vai muito melhor. O grande destaque da partida, o atacante Jorge de Araújo, de 26 anos, fez o gol de cobertura, e deu trabalho ao time adversário, com dribles, pivôs bem feitos e belas jogadas. Mas ele não conseguiu ir além no futebol profissional e agora o que o aguarda parece ser mais uma vez a Segunda Divisão paulista, pela qual disputou o campeonato deste ano pelo Mauaense por um contrato de três meses de 800 reais mensais. Que ainda não foram integralmente pagos.
Mas Jorge não desanima: “É aquela coisa. Três meses, mas nesses três meses você tem a chance de mostrar alguma coisa no futebol. É uma coisa precária, uma divisão muito difícil, mas a gente tá aí batalhando para conquistar o melhor. Quem sabe não aparece alguma coisa, alguém me vê jogar e eu posso ir pra um clube melhor?”.
O último salário dos três prometidos para o campeonato passado está atrasado, assim como o dos colegas de clube, que ganharam ainda menos: R$ 678,00, o salário mínimo. “Temos a promessa do nosso presidente, que falou que tá vindo o dinheiro, mas a gente continua esperando”, diz Jorge.
Para se manter num cenário de tanta instabilidade Jorge arrumou um bico: “Hoje eu tô trabalhando numa escolinha de futebol, dando aula pras crianças. Sou técnico de um time infantil também, fiz uns cursos aí. E tem a várzea né?”, conta. “Não gostaria de jogar na várzea, mas lá é dinheiro garantido, dinheiro na mão. Termina o jogo e tá lá o seu dinheirinho dentro do envelope. Aqui no profissional às vezes o mês tem 60, 80 dias. Então a gente não pode contar com o salário do mês. Aí a gente às vezes vai pra várzea, vai pra longe, faz de tudo aí pra se manter”, explica, referindo-se aos campeonatos de futebol amador, assim apelidados em São Paulo porque começaram a ser disputados nas várzeas dos rios paulistanos.
Hoje há campeonatos de várzea bem estruturados, como a Copa Kaiser, o principal campeonato amador da capital paulista que neste ano contou com 192 equipes em jogos que foram de março a outubro. “Na várzea, eu já peguei cinco mil pra assinar e mais 250 reais por jogo. É um dinheiro bom e sempre vem conforme o combinado. No profissional, muitas vezes eles te prometem um contrato e só pagam uma parte. O que vale mais a pena?”, pergunta Jorge, que foi campeão da Copa Kaiser deste ano pelo Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, zona norte de São Paulo.
Como as premiações são pagas em dinheiro vivo, fica sempre a dúvida sobre suas origens. Mas fato é que a várzea funciona como alternativa ao vácuo de organização das divisões menores do futebol profissional. Jogadores que chegaram à Seleção Brasileira, como o atacante Leandro Damião, do Internacional, o volante Elias, atualmente no Flamengo, e o meia-atacante Denílson, este pentacampeão com o Brasil em 2002, jogaram a Copa Kaiser.
A falta de alternativas para quem busca ser profissional de futebol é tão grande para que os que ficaram fora das categorias de base dos times profissionais que alguns chegam a pagar – literalmente – para jogar, como conta Jorge, que já recebeu a indecente proposta. “Eu estava em Santa Catarina e um cara me pediu dez mil pra me colocar num time da Segunda Divisão do Catarinense. Aí eu fui pra lá, eu estava com dinheiro, mas eu vi que era uma barca furada e desisti”, diz. “Tenho amigos, por exemplo, que pagaram dez mil por um contrato de seis meses num clube. Só que aí eles vão lá, jogam, e acabam recebendo esses dez mil de volta nesses seis meses. Depois você vai embora, não é aproveitado. Fica tipo uma bagagem. Aí o cara fala: ‘Ah, eu joguei no clube tal…’ Jogou nada. Jogou porque pagou pra jogar”, afirma.
Na base da pirâmide, times sem dinheiro nem incentivo
Por sua vez, o Mauaense sofreu um fracasso retumbante na Segunda Divisão Paulista. Nos dez jogos que disputou, perdeu oito e empatou dois, ficando em último lugar do grupo 08. Em termos de arrecadação, o desempenho também foi ruim: média de 96,5 torcedores pagantes por partida em casa e renda média por partida de R$ 859,25.
“O Mauaense precisaria de uns R$ 70 mil por mês para bancar atletas, comissão técnica, médico, material esportivo, viagem essas coisas. Eu gastei R$ 20 mil, que era o que eu consegui por um empréstimo com um amigo, de última hora. Tá muito deficitário, né? Relutei esse ano para não entregar o time na mão de um empresário”, conta o presidente do Mauaense, Marco Antonio Capuano, conhecido como Quinho.
Diante da fragilidade de muitos clubes profissionais e das cifras que giram em torno do negócio-futebol, muitos investidores se aproximam dos clubes menores. “Chega um empresário com dinheiro, sonhando com uma transação milionária [de algum jogador], e começa a arcar com as despesas do clube. Às vezes vende o jogador, o clube não leva nada, e depois de um tempo vai embora, geralmente deixando dívida pro clube pagar, como já fizeram com o Mauaense, principalmente trabalhista, porque os contratos são firmados com o clube e não com ele,”, resume o dirigente.
Na opinião de Quinho, o que falta para o Mauaense é visibilidade – termo que ele repetiu pelo menos quatro vezes na entrevista. “Quando as pessoas não enxergam aquilo que você está fazendo, fica difícil. Como eu vou chegar numa empresa aqui de Mauá se eles falam: ‘ah, mas você não dá retorno’? É isso que a gente precisa: retorno. Precisa a prefeitura de Mauá nos ajudar, abraçar o time da cidade, e a mídia local e a própria federação paulista fazerem um esforço maior de divulgação do que se faz aqui na Segunda Divisão”, opina. “A falta de público é falta de iniciativa”, diz. De quem? “De todos, mas principalmente da mídia, do poder público e da federação paulista”, resume.
A Pública procurou a Federação Paulista de Futebol para falar nessa reportagem, mas não obteve retorno da assessoria de imprensa.
Quanto mais longe do centro, mais difícil o sonho
Em estados distantes dos grandes centros, os jogadores também precisam se virar ainda mais para jogar o ano inteiro. “Quando termina o campeonato paraense aqui em Belém (PA), se a gente não consegue renovar o contrato, temos que ir para Macapá (AP) e jogar os outros três meses”, conta o belenense José Romeu Tavares, de 28 anos. O campeonato paraense foi de janeiro a junho e o amapaense, de julho a outubro. “A partir de dezembro começa a pré-temporada para o paraense, aqui em Belém e [os clubes] começam a contratar. Aí os jogadores voltam para não ficarem parados.”
Isso significa que muitos jogadores não têm férias entre as temporadas. Romeu se machucou no fim de 2012 e teve que passar por uma cirurgia no joelho. Ele ficou se recuperando durante o primeiro semestre deste ano, e jogou apenas o segundo, pelo Ypiranga, de Macapá. “Graças a Deus tive ajuda de amigos, da família que me ajuda e tenho um dinheiro que eu sempre deixo guardado, porque a gente nunca sabe.” Agora já retornou para Belém para a pré-temporada.
Situações como essa são comuns no Pará. O zagueiro Bruno Oliveira de Andrade, colega de Romeu no Ypiranga, não conseguiu firmar contrato para jogar no primeiro semestre. “Temos que dar uma economizada para sobreviver esses meses. Trabalhei em várias coisas: como motorista, até ajudante de pedreiro para ganhar um dinheirinho.” Romeu conta que muitos amigos desistiram do futebol porque precisavam sustentar suas famílias. Mas Bruno não quer seguir esse caminho. “Quando você fica três, quatro meses parado, passam várias coisas na cabeça da pessoa. Já pensei várias vezes em parar por causa da esposa, do filho. Continuo porque tenho condições de chegar em um lugar melhor. No futebol, do dia para a noite podem acontecer coisas melhores, você pode ficar bem. Meu sonho é ser campeão por uma equipe grande do Rio, de São Paulo, até de fora, conseguir sair daqui do estado.”
Em 2013, o Ypiranga teve apenas 23 jogos, dos quais 3 foram amistosos 20 oficiais (14 no estadual e 6 na Série D do Campeonato Brasileiro). O time sobrevive com uma média de 8 a 10 mil reais mensais que recebe da loteria esportiva Time Mania, além de um repasse anual de R$ 50 mil do estado do Amapá.
“Muita coisa o presidente tem que tirar do bolso”, diz o diretor administrativo do clube, Claudio Celio Góes Conrado. “Se não tem campeonato, não tem como manter o time [durante o ano]. A gente monta a equipe para jogar três meses se for só o estadual, e cinco meses se tiver a série D do Brasileiro”. Como na maioria dos times pequenos, os contratos de jogadores e patrocinadores vigoram apenas durante os campeonatos. “É complicado conseguir patrocinadores pela questão da credibilidade que a gente foi perdendo ao longo dos anos”, conta o dirigente. O time, fundado em 1963, possui sete títulos do campeonato amapaense, mas não ganha desde 2004.
Franceses em Sergipe?
Na segunda divisão de Sergipe, a situação é semelhante. “Os nossos campeonatos não são rentáveis, não temos patrocínios para realizar a competição, não temos grandes públicos nos estádios. O campeonato não é atrativo em termos de jogadores, já que a média salarial é baixa. Falta credibilidade frente aos torcedores porque não tem boas equipes”, descreve Diogo Andrade, diretor do departamento técnico da Federação Sergipana de Futebol. De acordo com ele, a média de público para jogos da Primeira Divisão do campeonato estadual varia entre 800 a 1000 pagantes, enquanto na Segunda Divisão é de 150 a 200 pessoas.
Fundado há 96 anos em Maruim, no interior de Sergipe, o Maruinense teve apenas 8 jogos em 2013. Com R$ 50 mil reais de patrocínio para todo o ano, o clube tenta diversificar sua receita fazendo parcerias com times de outros estados e busca outras fora do país. “Nós estamos firmando um projeto de clube-escola, em que vamos receber jogadores franceses, treinar e mandar pra fora. Além disso, estamos negociando com amigos meus na Ponte Preta, na Portuguesa e no Palmeiras para mandarem jogadores de 20, 21 anos que não estão sendo usados nos times de base”, explica Manoel Rodrigues Neto, presidente do clube. Ele conta que o time já revelou jogadores conhecidos como o atacante Oséas, que jogou pelo Atlético Paranaense, Cruzeiro e Palmeiras, na equipe que conquistou a Libertadores, em 1999.
“Meu sonho é colocar o Maruinense na série B do Campeonato Brasileiro, em um nível mais alto”, conta o dirigente do time que hoje disputa a Segunda Divisão do campeonato sergipano. Mas, para o zagueiro Felipe Severo Santana, de 25 anos, que já jogou no São Caetano e no Atlético Paranaense, o clube precisa melhorar sua estrutura para fazer frente aos times de elite. “Nesses times tinha mais profissionais, alimentação de qualidade, já aqui é meio carente. Aqui tem que ser guerreiro”, opina o jogador, que já trabalhou até em uma loja de sapatos enquanto ficou parado no futebol. “Já pensei em desistir muitas vezes. Futebol é injusto demais”, afirma.
Para Diogo Andrade, da federação sergipana, o maior problema é a incompetência administrativa” dos clubes. “Os clubes precisam ir atrás de patrocínio e trabalhar dentro do que arrecadaram, fazendo um orçamento. Aqui, primeiro se forma a equipe, pra depois pensar em uma forma de pagar.” Para ele, os campeonatos deveriam ter menos equipes que deveriam passar por um filtro das federações “exigindo um profissionalismo, para que não acumulem dívidas com os funcionários”, diz. “Eu já vi clube lamentando porque ia para a decisão da segunda divisão campeonato porque ia ter mais 15 dias de despesas”, relata, inconformado. Ele cita como bom exemplo de administração o caso do River Plate de Sergipe, que diante da possibilidade de disputar o Campeonato Estadual, a Copa do Nordeste e a Copa do Brasil, desistiu dos campeonatos oficiais por falta de condições financeiras.
Em termos financeiros, explica Diogo, vale mais a pena disputar o campeonato sergipano do que o nacional. “O estadual dá vaga para duas competições nacionais: Copa do Nordeste e do Brasil. Jogando dentro do estado a despesa é menor, por isso o lucro é maior do que no Brasileiro. E você tem certeza que o campeonato dura de janeiro a maio, pode contratar um atleta sabendo que vai cobrir todas as etapas do contrato do jogador. Já no brasileiro, a primeira fase tem dois meses. Você contrata um jogador por três meses [mínimo exigido pela lei]. Neste mês extra os atletas querem receber, mas o clube está inativo .”
Para ele, compensaria aumentar o número de times na série D ou criar uma série E do Campeonato Brasileiro se a CBF colaborasse. “Nós temos equipes com condições de ingressar em competição nacional, desde que a CBF se comprometesse a cobrir as despesas da competição – transporte, alimentação e hospedagem. Sem isso não há grande vantagem”, diz.
Ele também defende os campeonatos estaduais e regionais e elogia a Copa do Nordeste, bancada pela CBF, em que os 16 clubes recebem uma cota fixa em torno de 345 mil pela participação, mais a renda das partidas: “Um clube de Sergipe não ganha menos do que 500 mil reais em uma competição como essa. Ela serve para engrandecer os times da região”, diz, lembrando ainda que o campeão da Copa do Nordeste tem vaga garantida na Copa Sul-Americana. “É um caminho curto para uma equipe de menor porte chegar a uma competição internacional”, diz.
De acordo com o site Esporte Nordeste, o campeão receberá cerca de R$ 1,5 milhões, incluindo a cota de participação, a classificação até a final e a premiação.Em 28 de novembro, a CBF divulgou a tabela da Copa Verde, que será disputada por 6 clubes das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste. O vencedor da competição, que acontece entre fevereiro e abril de 2014, também ganhará vaga na Copa Sul-Americana.
A CBF foi procurada pela reportagem da Pública, mas disse que não iria se manifestar.
Paulo André sabe o que é sofrer no futebol
Casos como esses mostram a necessidade de mudanças urgentes no futebol brasileiro, defendidas pelo Bom Senso FC, entre elas duas de interesse direto dos personagens desta reportagem: o aumento de jogos para os clubes pequenos (estendendo o calendário de atividade desses jogadores) e a instituição de um fair play financeiro, com a inclusão de leis mais severas para clubes que descumprirem suas obrigações contratuais. Só assim, seria possível mudar a história da grande maioria dos jogadores brasileiros, que alguns líderes do Bom Senso, como o jogador Paulo André, zagueiro do Corinthians, não esquecem.
“Eu morava num sítio que ficava quatro quilômetros da cidade, dormia num galpão com mais 30 outros sonhadores, aspirantes a jogadores de futebol. A nossa alimentação era precária: arroz, feijão e salsicha todo dia. A estrutura de treino era qualquer pedaço de grama que tinha na cidade. Nas viagens longas que se faziam pelo interior do estado, o ônibus quebrava e a gente chegava em cima da hora, atrasado pra jogar. Eu ganhava um salário mínimo, que era de 180 reais, e atrasava”.
A realidade vivida pelo craque 11 anos atrás, quando defendia as cores do Águas de Lindoia Esporte Clube, não mudou para os clubes menores, que ainda sofrem com esse vácuo de atuação de quem organiza o futebol brasileiro, como ele diz. “Isso não é fomentar futebol e sua prática, isso é expor trabalhadores a condições de risco. Isso é vender uma ilusão de ser jogador de futebol a milhares de pessoas, milhares de atletas, que vivem como verdadeiros bóias-frias do futebol. Vivendo do futebol três, quatro vezes no ano e depois tendo que encontrar outra divisão”, reflete.
“Queremos a redução de jogos dos times da Série A e aumento do número de jogos de todos os outros times brasileiros”, explica Paulo André, que vê os jogadores dos grandes times sobrecarregados de jogos e os dos pequenos sem-calendário. “A gente acredita que os clubes têm que jogar no mínimo 36 partidas e no máximo 72 partidas no ano. Qualquer modelo que consiga inserir essas duas premissas já é muito melhor do que o que está aí”, diz. “O que tem feito a CBF e as Federações sim, é um assassinato contra os clubes do interior.”
“Não há necessidade de que para que o pequeno exista, ele deva jogar contra o grande”, destaca. “Essa é uma grande mentira que tem emperrado o desenvolvimento dos pequenos. Hoje, no estado de São Paulo, que é o estado mais importante do país no futebol, a gente conta com 105 clubes. Desses 105, 85 não jogam contra os grandes porque fazem parte da Série A2, da Série A3 e da Série B do Paulista. E eles continuam sobrevivendo. Assim como os 7 clubes que jogam a Série A1 e não disputam competições nacionais. O que a gente pergunta para essas pessoas que defendem esse modelo é: qual é a diferença estrutural e financeira dos sete clubes que jogam a A1 para os 85 clubes que não jogam a A1? Não existe diferença. Todos eles estão se matando para tentar sobreviver”, conclui.
Por meio do Bom Senso FC, Paulo André e outros jogadores da “elite” também aproveitam sua visibilidade para denunciar os baixos salários e o atraso nos pagamentos que atingem a maior parte dos atletas. De acordo com dados da CBF, em 2010, 60% dos atletas profissionais registrados ganhavam até um salário mínimo, na época, R$ 510. Apenas 4,3% ganhava acima de 20 salários mínimos. Na lista dos 20 jogadores mais bem pagos no Brasil, feita pela Pluri Consultoria a pedido da revista Época Negócios, pelo menos oito fazem parte do Bom Senso FC. Enquanto D’Alessandro (Internacional), recebe o melhor salário entre eles, cerca de R$ 7,5 milhões por ano, os jogadores do Mauaense ganham o correspondente a 0,1% desse valor – R$ 8.136 por ano, um salário mínimo por mês.
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