Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:
Chega a mim um artigo de JR Guzzo publicado na última Veja.
Guzzo, essencialmente, diz que este é o governo mais incompetente da história do Brasil. Ou um dos mais.
Um introito.
Guzzo é um dos maiores jornalistas do Brasil. A Veja teve dois grandes diretores, que a fizeram ser o que foi nos dias de ouro da revista: Mino Carta, na década de 70, e Guzzo, na seguinte.
Depois, veio o dilúvio.
Extraordinariamente capazes e carismáticos, tinham em comum a arte de distinguir a capa da matéria secundária e a capacidade de montar equipes que se orgulhavam de trabalhar numa revista que parecia melhor do que qualquer coisa que se fazia no jornalismo nacional.
A maior diferença entre eles residia na maneira de ver o mundo, Mino mais à esquerda e Guzzo mais à direita. Guzzo, por isso, tinha mais afinidade ideológica com o dono da Abril, Roberto Civita.
Isso contribuiu para que Guzzo, que substituiu Mino numa saída traumática, tivesse na Veja uma vida bem mais calma do que seu antecessor, pelo menos no que diz respeito às relações com RC.
Tenho por Guzzo uma mistura eterna de admiração e gratidão. Trabalhamos bem perto na Exame, ele como diretor geral, eu como diretor de redação.
Nunca tive um chefe tão capaz, e nem tão fácil de trabalhar. Como executivo, Guzzo tinha a virtude rara do bom senso, e nunca competiu com seus subordinados em torno de conquistas – que foram muitas naqueles dias na Exame.
Assumia também a responsabilidade pelos problemas. Quando alguma reportagem dava problemas, ele tomava a si a conta.
Demos, por exemplo, uma capa com um portal que competia em meados dos anos 90 com o UOL, do qual a Abril era então sócia. Foi uma decisão minha. A casa não gostou. Guzzo disse que era dele a responsabilidade.
Nunca vi chefes que fizessem isso. Nisto, e não só nisso, Guzzo foi para mim um inspirador.
Não bastasse tudo, Guzzo é uma das melhores companhias que você pode ter numa mesa de bar ou num restaurante: inteligência notável, ótimas histórias etc.
Tudo isso posto, discordo amplamente – e democraticamente — do que Guzzo escreveu na coluna que circula pela internet.
Onde está a fragilidade de seus argumentos para criticar tão asperamente Dilma?
No fato de sustentá-los no “noticiário”. Como as empresas jornalísticas escolhem o que dar e o que não dar, e como elas detestam Dilma e o PT, a predileção por escândalos e más notícias cria uma realidade manipulada do Brasil.
É mais ou menos o que ocorreu nos meses que antecederam a queda de João Goulart.
Um presidente com ampla popularidade – uma pesquisa Ibope jamais publicada mostrava que Jango era o grande favorito para as eleições presidenciais de 65 – era apresentado como um homem rejeitado por toda a sociedade.
Medidas de Jango como o 13.o salário eram classificadas como uma “calamidade”, como colocou o Globo em sua primeira página.
O que era “noticiado” era o que os donos das empresas jornalísticas queriam que chegasse às pessoas. Tudo era negativo.
No oposto, na ditadura, a “realidade” que a Globo mostrava era altamente falsa. Más notícias eram subtraídas a seu público. A Globo mostrava um Brasil falsamente harmonioso, em que não havia violência, não havia miséria, não havia desigualdade galopante, não havia corrupção.
Boa parte da nostalgia da ditadura alimentada por inocentes úteis deriva exatamente do paraíso de mentira que a Globo, fortemente ajudada pela ditadura, impunha aos brasileiros. Numa época em que não havia o contraponto da internet, era uma lavagem cerebral poderosíssima.
Quando comecei a pesquisar o Mensalão, lembro do elogiado pronunciamento de um juiz em que ele citava o “noticiário” para dizer que nunca houvera tanta corrupção.
Entendamos. Se a mídia ignora, por exemplo, que FHC se valeu de votos comprados para conseguir a emenda da reeleição, ele pode passar para a história como um Catão.
Aquele juiz era com certeza um leitor da Veja, submetido, portanto, a uma bateria incessante de “escândalos” como o da conta no exterior de Lula que a revista publicou com a cândida e histórica confissão de que não conseguira provar nada. (Sabe-se hoje que era um trôpego dossiê montado por um banqueiro sem nenhuma credibilidade.)
Considere o caso Petrobras, agora. A manipulação da mídia não se detém sequer diante de fatos concretos. A refinaria não custou 42 milhões de dólares para o comprador anterior, e nem a Petrobras pagou 1 bilhão, mas são os números que continuam a circular.
No caso específico da Veja, sequer o depoimento do presidente da Abril, Fabio Barbosa, membro do Conselho Editorial da Petrobras na época do negócio, deteve a fúria assassina da revista.
Guzzo é um mestre a quem devo muito.
Mas basear sua catilinária contra Dilma no noticiário é um erro.
Se Serra estivesse no poder, certamente o noticiário seria altamente positivo sem que isso significasse nada.
Que aconteceu com São Paulo sob Serra? Menos favelas? Menos crimes? Menor desigualdade? Menos corrupção?
E sob Kassab, invenção de Serra que a Vejinha colocou na capa às vésperas das eleições municipais dizendo que os paulistanos eram muito duros no julgamento dele?
Este o erro fundamental de Guzzo, meu professor: se fiar num “noticiário”, que é tão viciado quanto poderia ser.
Uma avaliação objetiva de Dilma, para usar uma expressão que ouvi muitas vezes de Guzzo, só pode ser feita no “hard way”: pesquisando com rigor, confrontando com serenidade e depois tirando conclusões.
Chega a mim um artigo de JR Guzzo publicado na última Veja.
Guzzo, essencialmente, diz que este é o governo mais incompetente da história do Brasil. Ou um dos mais.
Um introito.
Guzzo é um dos maiores jornalistas do Brasil. A Veja teve dois grandes diretores, que a fizeram ser o que foi nos dias de ouro da revista: Mino Carta, na década de 70, e Guzzo, na seguinte.
Depois, veio o dilúvio.
Extraordinariamente capazes e carismáticos, tinham em comum a arte de distinguir a capa da matéria secundária e a capacidade de montar equipes que se orgulhavam de trabalhar numa revista que parecia melhor do que qualquer coisa que se fazia no jornalismo nacional.
A maior diferença entre eles residia na maneira de ver o mundo, Mino mais à esquerda e Guzzo mais à direita. Guzzo, por isso, tinha mais afinidade ideológica com o dono da Abril, Roberto Civita.
Isso contribuiu para que Guzzo, que substituiu Mino numa saída traumática, tivesse na Veja uma vida bem mais calma do que seu antecessor, pelo menos no que diz respeito às relações com RC.
Tenho por Guzzo uma mistura eterna de admiração e gratidão. Trabalhamos bem perto na Exame, ele como diretor geral, eu como diretor de redação.
Nunca tive um chefe tão capaz, e nem tão fácil de trabalhar. Como executivo, Guzzo tinha a virtude rara do bom senso, e nunca competiu com seus subordinados em torno de conquistas – que foram muitas naqueles dias na Exame.
Assumia também a responsabilidade pelos problemas. Quando alguma reportagem dava problemas, ele tomava a si a conta.
Demos, por exemplo, uma capa com um portal que competia em meados dos anos 90 com o UOL, do qual a Abril era então sócia. Foi uma decisão minha. A casa não gostou. Guzzo disse que era dele a responsabilidade.
Nunca vi chefes que fizessem isso. Nisto, e não só nisso, Guzzo foi para mim um inspirador.
Não bastasse tudo, Guzzo é uma das melhores companhias que você pode ter numa mesa de bar ou num restaurante: inteligência notável, ótimas histórias etc.
Tudo isso posto, discordo amplamente – e democraticamente — do que Guzzo escreveu na coluna que circula pela internet.
Onde está a fragilidade de seus argumentos para criticar tão asperamente Dilma?
No fato de sustentá-los no “noticiário”. Como as empresas jornalísticas escolhem o que dar e o que não dar, e como elas detestam Dilma e o PT, a predileção por escândalos e más notícias cria uma realidade manipulada do Brasil.
É mais ou menos o que ocorreu nos meses que antecederam a queda de João Goulart.
Um presidente com ampla popularidade – uma pesquisa Ibope jamais publicada mostrava que Jango era o grande favorito para as eleições presidenciais de 65 – era apresentado como um homem rejeitado por toda a sociedade.
Medidas de Jango como o 13.o salário eram classificadas como uma “calamidade”, como colocou o Globo em sua primeira página.
O que era “noticiado” era o que os donos das empresas jornalísticas queriam que chegasse às pessoas. Tudo era negativo.
No oposto, na ditadura, a “realidade” que a Globo mostrava era altamente falsa. Más notícias eram subtraídas a seu público. A Globo mostrava um Brasil falsamente harmonioso, em que não havia violência, não havia miséria, não havia desigualdade galopante, não havia corrupção.
Boa parte da nostalgia da ditadura alimentada por inocentes úteis deriva exatamente do paraíso de mentira que a Globo, fortemente ajudada pela ditadura, impunha aos brasileiros. Numa época em que não havia o contraponto da internet, era uma lavagem cerebral poderosíssima.
Quando comecei a pesquisar o Mensalão, lembro do elogiado pronunciamento de um juiz em que ele citava o “noticiário” para dizer que nunca houvera tanta corrupção.
Entendamos. Se a mídia ignora, por exemplo, que FHC se valeu de votos comprados para conseguir a emenda da reeleição, ele pode passar para a história como um Catão.
Aquele juiz era com certeza um leitor da Veja, submetido, portanto, a uma bateria incessante de “escândalos” como o da conta no exterior de Lula que a revista publicou com a cândida e histórica confissão de que não conseguira provar nada. (Sabe-se hoje que era um trôpego dossiê montado por um banqueiro sem nenhuma credibilidade.)
Considere o caso Petrobras, agora. A manipulação da mídia não se detém sequer diante de fatos concretos. A refinaria não custou 42 milhões de dólares para o comprador anterior, e nem a Petrobras pagou 1 bilhão, mas são os números que continuam a circular.
No caso específico da Veja, sequer o depoimento do presidente da Abril, Fabio Barbosa, membro do Conselho Editorial da Petrobras na época do negócio, deteve a fúria assassina da revista.
Guzzo é um mestre a quem devo muito.
Mas basear sua catilinária contra Dilma no noticiário é um erro.
Se Serra estivesse no poder, certamente o noticiário seria altamente positivo sem que isso significasse nada.
Que aconteceu com São Paulo sob Serra? Menos favelas? Menos crimes? Menor desigualdade? Menos corrupção?
E sob Kassab, invenção de Serra que a Vejinha colocou na capa às vésperas das eleições municipais dizendo que os paulistanos eram muito duros no julgamento dele?
Este o erro fundamental de Guzzo, meu professor: se fiar num “noticiário”, que é tão viciado quanto poderia ser.
Uma avaliação objetiva de Dilma, para usar uma expressão que ouvi muitas vezes de Guzzo, só pode ser feita no “hard way”: pesquisando com rigor, confrontando com serenidade e depois tirando conclusões.
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