Por Lúcio Centeno, no blog Escrevinhador:
Justificar o injustificável. Esse é o esforço que parte da grande mídia tem feito ao nos aproximarmos do cinquentenário do Golpe civil-militar no Brasil. Aproveitando o marco dos 50 anos, o oligopólio das comunicações, ainda que envergonhadamente esboça uma tentativa de acerto de contas histórico com o povo brasileiro.
No entanto, cabe ressaltar que cada conglomerado da mídia nacional tem adotado uma tática distinta, para responder a mesma questão: como uma empresa de comunicação, que arrota aos quatro ventos o valor da democracia, justifica o apoio incontestável à uma ditadura em seu próprio país?
O Globo se antecipou aos demais e deu a largada de forma muito astuciosa. Um dia após o Levante Popular da Juventude denunciar o império midiático, jogando merda em suas sedes em vários estados, o jornal lançou um editorial reconhecendo o apoio do jornal ao Golpe, e classificando essa postura como um erro.
A tática do Globo foi a da delação premiada, assumiu a culpa de forma antecipada e delatou seus concorrentes: “O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns.” A confissão de culpa e a denúncia dos demais órgãos como cúmplices da ditadura, foi a estratégia encontrada para a atenuação do seu crime.
Ao realizar essa jogada, a Globo não tinha muito a perder. Depois de ser alvo preferencial nas manifestações de Junho (A Verdade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura!), o reconhecimento público do apoio editorial ao golpe não poderia lhe render maiores prejuízos. No entanto, esse movimento colocou as demais empresas de comunicação numa situação constrangedora. Como não se pronunciar após isso?
O Grupo RBS, através do jornal Zero Hora, diante desta sinuca, utilizou também uma tática bastante sofisticada. Em sua edição do dia 30 de Março, publicou um caderno especial, cujo eixo central é destacar o apoio civil ao Golpe Militar. Deste modo dedica cada página para um determinado segmento da sociedade civil, que deu sustentação política a ruptura da ordem democrática. Cita o papel de parcelas da intelectualidade, da Igreja, de empresários, políticos, setores estudantis eis que ao final do Caderno surge o papel da imprensa.
O raciocínio que a RBS tenta imprimir aos seus leitores é em certo sentido parecido com o que O Globo fez: Nós apoiamos, mas não o fizemos sozinhos. O diferencial é que o discurso do periódico gaúcho tenta “sociologizar” o apoio ao Golpe, ou seja, busca encontrar as condições sociais e políticas que levaram parcelas da sociedade, incluindo a imprensa, a se engajar contra a ordem democrática.
Curiosamente este apelo à complexidade da realidade, se dá neste caso em que ela é ré. Para todos os demais casos, é conveniente para a grande imprensa explicar a realidade com fórmulas simples (Manifestantes = Vândalos; Venezuela = Ditadura; estatal = ineficiente; mercado = eficiente; democratização da mídia = censura), pois assim é mais fácil produzir sentenças políticas.
No texto, ZH afirma que “praticamente todos os grandes jornais” revisaram sua posição após dezembro de 1968 – leia-se edição do AI-5 – quando o regime endureceu ainda mais. É falso, sobretudo, falso no que diz respeito ao diário da família Sirotsky. Alguém duvida?
Durante o ano de 68 o jornal publicou diversas capas divulgando apoios ao AI-5. No ano seguinte, ZH engajou-se na promoção do general Médici, o mais tirânico dos governantes ditatoriais. Em outubro de 1969, outro editorial sob o título “Nova Etapa” adianta que “o Terceiro Governo da Revolução não vem com planos demagógicos mas para dar sequência natural ao movimento de 64 institucionalizando-o definitivamente (…)”
A Folha de S. Paulo, no editorial de página inteira publicado também no dia 30 de março, monta uma argumentação semelhante a de ZH, mas é ainda mais explícita no seu objetivo de sustentar uma explicação relativista sobre o que levou a Folha a se engajar em favor do Golpe: ”Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais”. Ou seja, a responsabilidade não é inteiramente do jornal, mas das “condições bem mais adversas”.
Além de buscar a absolvição no relativismo histórico (“Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”, sim os nazistas também partiram dessa premissa), a Folha recorreu a outros recursos argumentativos: “Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país.”
O editorial atribui em certa medida aos militantes de esquerda a “precipitação do regime”. Ou seja, às vítimas do regime, aqueles que lutaram contra a Ditadura, são em certa medida responsáveis por sua própria tragédia, e mais, pelo enrijecimento do regime. Para a Folha propor reformas de interesse popular dentro da ordem constitucional é forçar “os limites da legalidade”. Se isso é forçar “os limites da legalidade”, como classificaríamos o empréstimo ao aparelho repressivo de carros de distribuição do jornal Folha da Tarde, do próprio grupo Folha, para emboscar militantes políticos?
Por fim, temos o editorial do Estado de S. Paulo, que excetuando algumas frases e o tempo verbal, poderia ser extraído de alguma edição de 64. Nem o cinquentenário do Golpe, ou o distanciamento histórico permitiram ao Estadão assumir o erro do apoio editorial aos militares. Preferiu dar destaque para a “ameaça comunista”.
Como é difícil lidar com uma verdade dura. O oligopólio da comunicação brasileira tentou omiti-la, negá-la, as vezes justificá-la, as vezes flexibilizá-la, mas nós sabemos que a Verdade é dura, a imprensa apoiou a Ditadura!
Justificar o injustificável. Esse é o esforço que parte da grande mídia tem feito ao nos aproximarmos do cinquentenário do Golpe civil-militar no Brasil. Aproveitando o marco dos 50 anos, o oligopólio das comunicações, ainda que envergonhadamente esboça uma tentativa de acerto de contas histórico com o povo brasileiro.
No entanto, cabe ressaltar que cada conglomerado da mídia nacional tem adotado uma tática distinta, para responder a mesma questão: como uma empresa de comunicação, que arrota aos quatro ventos o valor da democracia, justifica o apoio incontestável à uma ditadura em seu próprio país?
O Globo se antecipou aos demais e deu a largada de forma muito astuciosa. Um dia após o Levante Popular da Juventude denunciar o império midiático, jogando merda em suas sedes em vários estados, o jornal lançou um editorial reconhecendo o apoio do jornal ao Golpe, e classificando essa postura como um erro.
A tática do Globo foi a da delação premiada, assumiu a culpa de forma antecipada e delatou seus concorrentes: “O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns.” A confissão de culpa e a denúncia dos demais órgãos como cúmplices da ditadura, foi a estratégia encontrada para a atenuação do seu crime.
Ao realizar essa jogada, a Globo não tinha muito a perder. Depois de ser alvo preferencial nas manifestações de Junho (A Verdade é dura, a Rede Globo apoiou a Ditadura!), o reconhecimento público do apoio editorial ao golpe não poderia lhe render maiores prejuízos. No entanto, esse movimento colocou as demais empresas de comunicação numa situação constrangedora. Como não se pronunciar após isso?
O Grupo RBS, através do jornal Zero Hora, diante desta sinuca, utilizou também uma tática bastante sofisticada. Em sua edição do dia 30 de Março, publicou um caderno especial, cujo eixo central é destacar o apoio civil ao Golpe Militar. Deste modo dedica cada página para um determinado segmento da sociedade civil, que deu sustentação política a ruptura da ordem democrática. Cita o papel de parcelas da intelectualidade, da Igreja, de empresários, políticos, setores estudantis eis que ao final do Caderno surge o papel da imprensa.
O raciocínio que a RBS tenta imprimir aos seus leitores é em certo sentido parecido com o que O Globo fez: Nós apoiamos, mas não o fizemos sozinhos. O diferencial é que o discurso do periódico gaúcho tenta “sociologizar” o apoio ao Golpe, ou seja, busca encontrar as condições sociais e políticas que levaram parcelas da sociedade, incluindo a imprensa, a se engajar contra a ordem democrática.
Curiosamente este apelo à complexidade da realidade, se dá neste caso em que ela é ré. Para todos os demais casos, é conveniente para a grande imprensa explicar a realidade com fórmulas simples (Manifestantes = Vândalos; Venezuela = Ditadura; estatal = ineficiente; mercado = eficiente; democratização da mídia = censura), pois assim é mais fácil produzir sentenças políticas.
No texto, ZH afirma que “praticamente todos os grandes jornais” revisaram sua posição após dezembro de 1968 – leia-se edição do AI-5 – quando o regime endureceu ainda mais. É falso, sobretudo, falso no que diz respeito ao diário da família Sirotsky. Alguém duvida?
Durante o ano de 68 o jornal publicou diversas capas divulgando apoios ao AI-5. No ano seguinte, ZH engajou-se na promoção do general Médici, o mais tirânico dos governantes ditatoriais. Em outubro de 1969, outro editorial sob o título “Nova Etapa” adianta que “o Terceiro Governo da Revolução não vem com planos demagógicos mas para dar sequência natural ao movimento de 64 institucionalizando-o definitivamente (…)”
A Folha de S. Paulo, no editorial de página inteira publicado também no dia 30 de março, monta uma argumentação semelhante a de ZH, mas é ainda mais explícita no seu objetivo de sustentar uma explicação relativista sobre o que levou a Folha a se engajar em favor do Golpe: ”Aos olhos de hoje, apoiar a ditadura militar foi um erro, mas as opções de então se deram em condições bem mais adversas que as atuais”. Ou seja, a responsabilidade não é inteiramente do jornal, mas das “condições bem mais adversas”.
Além de buscar a absolvição no relativismo histórico (“Agiram como lhes pareceu melhor ou inevitável naquelas circunstâncias”, sim os nazistas também partiram dessa premissa), a Folha recorreu a outros recursos argumentativos: “Parte da esquerda forçou os limites da legalidade na urgência de realizar, no começo dos anos 60, reformas que tinham muito de demagógico. Logo após 1964, quando a ditadura ainda se continha em certas balizas, grupos militarizados desencadearam uma luta armada dedicada a instalar, precisamente como eram acusados pelos adversários, uma ditadura comunista no país.”
O editorial atribui em certa medida aos militantes de esquerda a “precipitação do regime”. Ou seja, às vítimas do regime, aqueles que lutaram contra a Ditadura, são em certa medida responsáveis por sua própria tragédia, e mais, pelo enrijecimento do regime. Para a Folha propor reformas de interesse popular dentro da ordem constitucional é forçar “os limites da legalidade”. Se isso é forçar “os limites da legalidade”, como classificaríamos o empréstimo ao aparelho repressivo de carros de distribuição do jornal Folha da Tarde, do próprio grupo Folha, para emboscar militantes políticos?
Por fim, temos o editorial do Estado de S. Paulo, que excetuando algumas frases e o tempo verbal, poderia ser extraído de alguma edição de 64. Nem o cinquentenário do Golpe, ou o distanciamento histórico permitiram ao Estadão assumir o erro do apoio editorial aos militares. Preferiu dar destaque para a “ameaça comunista”.
Como é difícil lidar com uma verdade dura. O oligopólio da comunicação brasileira tentou omiti-la, negá-la, as vezes justificá-la, as vezes flexibilizá-la, mas nós sabemos que a Verdade é dura, a imprensa apoiou a Ditadura!
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