quarta-feira, 9 de abril de 2014

Segurança pública precisa de mudanças

Editorial do site Vermelho:

Os números frios das estatísticas escondem o destrutivo fenômeno da violência em nosso país, da qual o povo e, sobretudo, os pobres, jovens e negros são as principais vítimas. Cinquenta mil homicídios por ano, mais de 1.500 roubos por dia. Na outra ponta, o Brasil possui a quarta maior população carcerária do planeta: 515 mil presos, fato que leva a refletir que o aprisionamento e a repressão, isoladamente, não representam a solução para assegurar o direito das pessoas a viver em paz e em segurança.


O aumento da criminalidade nas regiões metropolitanas exige, no médio prazo, a adoção de uma nova política nacional de segurança fundada na integração entre União, estados e municípios, constituindo um Sistema Único de Segurança Pública que tenha a participação solidária e o controle da sociedade. As ações preventivas devem ser prioridade e as de repressão à violência criminal não podem continuar seguindo a lógica do preconceito que tem vitimado sobretudo a juventude negra.

O importante combate ao crime organizado e ao narcotráfico deve-se somar ao combate sem trégua à violência policial e aos abusos de autoridade. Casos rumorosos ocorridos recentemente no Rio de Janeiro são apenas a ponta de um iceberg de barbaridades cometidas pela polícia não só no Rio de Janeiro mas em todas as regiões do país. Diante desta realidade, merecem apoio as propostas em debate no Congresso Nacional e na sociedade como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51, que promove a unificação das polícias, sua desmilitarização e maior aproximação com as esferas do Judiciário. E o Projeto de Lei 4471/2012, que propõe o fim dos autos de resistência. O desarmamento radical da população, a reforma do sistema carcerário, o combate à impunidade, a reforma do Judiciário e a modernização progressista da legislação penal são outros desafios que precisam ser perseguidos.

Infelizmente, o debate mais amplo sobre políticas de segurança pública tem ocorrido em espasmos. Geralmente ganha fôlego depois de alguma tragédia, abrindo espaço para que emoções se sobreponham à razão. Há casos, raros, em que isso acaba sendo positivo. Em 1996, um massacre ocorrido numa escola primária da Escócia gerou uma campanha popular que culminou, um ano depois, na proibição total das armas de fogo em toda a Grã-Bretanha. De lá pra cá, o número de mortos por armas de fogo naquele país passou a ser um dos menores do mundo. Já no Brasil, sempre que um caso rumoroso de violência acontece, inflama-se o discurso do ódio e ganha espaço nas mentes e corações da maior parte da população as ideias nefastas de setores que defendem que a violência deve ser combatida com mais violência. Pregar a redução da maioridade penal e defender a “justiça com as próprias mãos” são apenas dois dos inúmeros elementos que integram o rol do discurso que opta pela barbárie.

Como afirma o professor Ignacio Cano, do Laboratório de Análise da Violência (LAV), “o poder público que, em geral, abandona as vítimas de violência a um desamparo quase total, toma emprestado delas o discurso punitivo. Se é natural que as vítimas diretas da violência apresentem uma reação emocional, é grave que o Estado aja como se dele se esperasse uma resposta quase instintiva, fadada a cair na precipitação, no casuísmo ou na vingança”.

As raízes do grave problema da violência no Brasil se vinculam à dinâmica da enorme desigualdade social que vem de uma história de 400 anos de escravidão e passa por um capitalismo de exclusão social e à existência de um Estado conservador, concebido para oprimir, penalizar e, sempre que necessário, reprimir violentamente as lutas do povo. Neste momento em que o Brasil rememora os 50 anos do golpe de 1964, é imprescindível debater o legado da herança nefasta da ditadura em nosso sistema de segurança pública e agir, desde já, para superá-lo.

No Brasil do século 21 a política de segurança pública precisa de mudanças, no discurso e na prática. Segurança para garantir o direito à paz e à vida. Para tal, impõe-se uma reforma das polícias que eleve a sua capacidade de apurar e punir os responsáveis por todo tipo de crime, reprimir os bandos que atacam o povo, sem que isto seja sinônimo de truculência e arbitrariedades das quais, como já foi dito, os mais pobres são as principais vítimas.

Por outro lado, é preciso crescentemente distribuir renda, assegurar os direitos sociais, enfim, dar pleno curso ao avanço de tipo desenvolvimento que a um só tempo aumente a produção de riquezas e promova a valorização do trabalho e a inclusão social.

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