As denúncias não cessam sobre a hipocrisia ocidental no respaldo a um governo de formações neofascistas e de ultradireita na Ucrânia, após um golpe orquestrado com a evidente ingerência estrangeira, na vizinhança da Rússia. A União Europeia e os Estados Unidos, interessados diretos na “mudança de regime”, este conceito retrógrado, continuam se outorgando a autoridade para definir que movimentos e governos são “legítimos” ou não.
Entre seus próprios interesses na questão está a sobrevivência da sua aliança militar, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), objetivo responsável pela invenção dos mais criativos e destrutivos pretextos para o belicismo, o expansionismo e o constante rufar dos tambores pela guerra. Embora tenha sofrido algumas derrotas no cenário internacional na promoção da agressão, como no caso da Síria, a Otan segue empenhada no retorno à Guerra Fria, com exércitos munidos de balas e “estudos”, ou seja, formados por “especialistas” empenhados na justificação da política de guerra constante.
Enquanto porções consideráveis da Ucrânia recusam-se a reconhecer a legitimidade das novas autoridades instaladas no poder através do golpe, suas ações são desclassificadas e taxadas pelo governo interino de “terrorismo”, recurso frequente usado para justificar uma operação militar já lançada e mantida contra civis. A situação conta também com gangues fascistas e neonazistas cuja presença nas ruas já foi admitida até pela própria mídia internacional, que insiste em dividir a população entre “pró-russos” e “pró-Europa” (em referência àqueles revoltosos que saíram às ruas, no fim do ano passado e início deste, em defesa da adesão à UE). Parece não ser necessário, nesses meios, escrever as palavras que conferem legitimidade aos “pró-Europa”.
Neste sentido, as notícias sobre a movimentação de tropas, aviões de combate, navios e outros instrumentos de guerra da Otan pela vizinhança russa também são publicadas como um desenrolar natural da “provocação” da Rússia, que insiste em rechaçar a ingerência ocidental no país vizinho e a sua retórica agressiva, ainda propondo, com ênfase, a diplomacia. Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da Otan que se empenha, desde o início do seu mandato, em conferir papel “humanitário” à aliança (e, assim, justificar a sua sobrevivência e expansão), também explica o reforço ao seu arsenal com a suposta “ameaça imediata da Rússia”.
A resposta russa segue sendo o apelo à diplomacia. Os EUA e a União Europeia continuam bradando sozinhos pela Guerra Fria. Moscou chegou a instar a aliança atlântica a formar um sistema regional de segurança e desistir de instalar o escudo antimísseis estadunidense em uma região que abarca a península ibérica até a Polônia e a República Tcheca, mas não teve resposta positiva. Os EUA convocaram a Europa em crise a aumentar seus gastos militares, na contramão dos apelos de uma sociedade civil afogada nas políticas de arrocho, e Rasmussen endossou o apelo ao rearmamento.
Embora o secretário-geral da Otan tenha negado qualquer mudança no acordo assinado com a Rússia, em 1997, sobre a proibição da instalação de armas nucleares no Leste europeu, a imprensa belga destacou que entre os caças F-16 enviados pela aliança à região estão alguns com capacidade para o transporte de armas de destruição em massa. Ainda assim, é a Rússia a acusada de agir de forma provocativa.
Alexander Grushkó, embaixador russo para a organização militar, reiterou a urgência de uma reunião do Conselho Rússia-Otan ante a recente deterioração da crise na Ucrânia, onde as tropas de Kiev mantêm uma operação militar com armas pesadas e tanques contra os civis, o que Grushkó classificou de “criminoso”.
Rasmussen também disse que havia convocado uma reunião, mas que a Rússia não respondera. Ainda em abril, a Otan havia decidido interromper a cooperação securitária com Moscou, congelando o Conselho, surgido de um acordo que garante que o bloco e a Rússia não são adversários, com o objetivo de garantir a eliminação da época de confrontação e rivalidade para consolidar a confiança mútua.
Assim como seus conceitos estratégicos, os princípios das relações da Otan com a Rússia estão em reformulação também para manter a aliança ativa, a maquinaria bélica ligada e a política de guerra em movimento, ainda que isso signifique a violação de um acordo escrito e uma medida tácita de redução da retórica de confronto e promoção da estabilidade mundial. Para não mencionar a manutenção da projeção imperialista e belicosa a todos os cantos do mundo, inclusive na vizinhança russa.
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