Por Miguel do Rosário, no blog O Cafezinho:
Segue um relato meio jornalismo gonzo, porém bastante fiel, de como foi minha experiência no Encontro Nacional de Blogueiros, realizado em São Paulo no último fim-de-semana.
Comecemos pela sexta-feira, 16 de maio, início do evento.
Lá estou eu no Santos Dumont, passando pela fiscalização da Infraero para entrar na área de embargue, quando ouço alguém falando alto. Olho e vejo, no posto adiante do meu, um homem branco, com expressão ranzinza, berrando resmungos viralatas enquanto punha seus objetos na esteira.
“Para que isso? Esse país é tudo palhaçada!”
Sou crítico, naturalmente, dos aeroportos no Brasil. Em Congonhas, não tem internet em lugar nenhum. Os banheiros não trazem chamadas em inglês. No Rio, os aeroportos tem mil problemas. Mas naquela manhã no Santos Dumont, não havia necessidade nenhuma do sujeito estar ofendendo ou enervando os funcionários da Infraero. Não havia filas. O serviço se desenrolava com absoluta normalidade.
Geralmente, diante desse tipo de estupidez, eu fico quieto, por timidez, embora me corroendo por dentro com uma irritação sombria. Dessa vez, contudo, eu não estava com nenhuma paciência para ouvir um coxinha histérico gritando impropérios antibrasil em meus ouvidos. Não tinha dormido. Tinha ficado assistindo um show de chorinho até altas horas, na Lapa, cheguei mais tarde do que devia e tive que ir diretamente ao aeroporto. Uma ressaca braba se imiscuía rapidamente em meus neurônios.
Então reagi:
- Palhaçada porra nenhuma!
Ele se virou na minha direção, assustado, balbuciou alguma coisa com a palavra “PT”, botou o rabo entre as pernas e seguiu adiante. A funcionária da Infraero me lançou um olhar agradecido do tipo “meu herói”, que me encheu de auto-estima, e que até agora guardo em meu coração.
Nada mais falei. Sempre que eu lembro do fato, me dá vontade de ter falado muito mais, dizendo que o palhaço era ele. Bem, como não disse ao vivo, vou dizer agora:
“Palhaço é você, seu idiota!”
Cheguei em São Paulo e me dirigi ao local do evento, o Braston, um hotel antigo da Consolação, ainda com bidês nos banheiros.
Antigo porém elegante, com um excelente espaço para eventos, e estrategicamente situado ao lado da Praça Roosevelt, meu point preferido em São Paulo.
A Roosevelt sempre foi legal. Mas depois da reforma da praça propriamente dita, tornou-se um lugar ainda mais agradável. Ficou mais limpa, mais iluminada, mais segura. São meia dúzia de bares charmosos, enfileirados no mesmo lado da rua, do outro lado da praça onde jovens se divertem em skates e patins.
Neste fim de semana em que eu estive lá, a praça abrigou alguns shows da Virada Cultural, que a tornaram ainda mais atraente. Mas deixemos as boemias de lado, por enquanto (voltaremos a elas) e vamos ao evento propriamente dito.
A abertura do Encontro reuniu alguns membros da nata da blogosfera progressista, e nomes importantes da política de São Paulo, a começar por Lula, Haddad e Alexandre Padilha, nenhum dos quais precisa de apresentação.
Haddad fez um discurso surpreendente. Na prática, o prefeito de São Paulo não fez quase nada em prol de uma comunicação mais democrática. Sua política nesta área, segundo relato de meus amigos paulistas, repetiu os velhos esquemas. A prefeitura tem um assessor que dá telefonemas e manda emails para os grandes jornais, tentando influenciar ou sugerir pautas. Obviamente, o esquema se revelou um fiasco, já que a imprensa paulista é fundamentalmente anti-PT.
Apesar da imprensa às vezes se autodesmoralizar, como a tentativa grotesca da Folha de criticar um show infantil da Virada Cultural dizendo, no título, que os “bebês se decepcionam com Viradinha Cultural”, no geral ela conseguiu cumprir seu objetivo de reduzir a aprovação do prefeito, embora Haddad esteja fazendo, segundo inúmeros pontos-de-vista, uma excelente gestão: introduziu tratamento humanitário a viciados em crack, melhorou o transporte público, com a criação de faixas especiais para ônibus, deu mais atenção às periferias, etc.
O discurso de Haddad sobre a democratização da mídia, de qualquer forma, revelou um político profundamente informado sobre a questão. Diferentemente do Lula, que leu um texto escrito por Franklin Martins, Haddad falou de improviso, mas com bastante auto-confiança, e denunciou duramente a a falta de pluralidade na comunicação social brasileira. Atacou especialmente os monopólios, numa alusão óbvia à Rede Globo. Foi além e alertou para o fato de não apenas as empresas exercerem propriedade cruzada, como introduzirem uma novidade: o emprego cruzado. Ao invés de contratarem nomes novos, a mídia corporativa cultiva a “panelinha”. O fulano que escreve na Folha vira comentarista na Globonews. O colunista do Estadão publica o mesmo texto no Globo. O blogueiro da Veja se torna comentarista da CBN. O outro blogueiro da Veja se torna, paralelamente, responsável pelo principal programa de entrevistas da TV Cultura. É uma promiscuidade incestuosa inacreditável. São sempre os mesmos. A mesma curriola.
Infelizmente, o belo discurso de Haddad ainda não passa disso: um belo discurso. Na prática, como já disse, ele não faz nada para melhorar a comunicação no Brasil, nem mesmo de seu próprio governo. Não encontrei em lugar nenhum, por exemplo, um vídeo com seu discurso. A Secretaria Executiva de Comunicação da prefeitura de São Paulo, a prefeitura mais rica do país, se limitou a publicar uma nota burocrática sobre a participação do prefeito no evento. Sem fotos, sem vídeo, nada. Resultado: um post publicado há três dias tem apenas cinco curtidas. É lamentável essa preguiça crônica, doentia, da burocracia política, em relação à própria mídia pública. Os políticos vendem pedaços da alma para obter uns segundos a mais de TV, e disperdiçam solenemente os instrumentos públicos e gratuitos de que dispõem na internet. Perdoa-se essa displicência numa prefeitura provinciana, não na de São Paulo. Não em Haddad. Não após o discurso que ele fez no Encontro Nacional de Blogueiros.
Então veio Lula. A seu lado, Enio Barroso Filho, um dos nomes mais queridos da blogosfera, e Conceição Lemes, seguramente a blogueira-jornalista mais competente e mais corajosa do Brasil.
Nota-se que Lula não tem familiaridade com o tema da democratização da mídia. É um universo estranho, conceitual demais, novo demais, para o ex-presidente. Mas Lula entende de política e tomou a decisão política de apoiar o debate para termos, finalmente, um marco regulatório das comunicações. Lula fez questão de mostrar que finalmente compreendeu a importância estratégica de uma comunicação mais democrática.
Ao final do evento, fui tomar umas com meu amigo Wagner Moraes, de São Paulo, e o Theo, do Barão-RJ, na praça Roosevelt. A gente ficou um tempo discutindo os motivos que levaram Lula a se engajar de maneira tão enfática na campanha pelo marco regulatório das comunicações.
Claro, tem as razões políticas, a pressão crescente de movimentos sociais, das bases partidárias. Mas uma das hipóteses que discutimos foi a de que há setores econômicos importantes de saco cheio da histeria midiática. Há segmentos empresariais que ainda guardam grandes planos para o Brasil. Não podemos esquecer que há hidrelétricas e refinarias sendo construídas, há um pre-sal ainda em fase de exploração. O Brasil é um grande canteiro de obras, e quando estas ficarem prontas abrir-se-ão extraordinárias oportunidades para o desenvolvimento nacional.
A mídia corporativa, contudo, não demonstra preocupação nenhuma, aparentemente, em mostrar as potencialidades brasileiras. Ela mostra os problemas, ótimo. Mas só isso. É como um corretor que apresentasse um apartamento a um possível comprador e só mostrasse pequenas fissuras na pintura das paredes, uma torneira pingando, um sinteco faltando, mas jamais abrisse a janela que dá para uma vista espetacular do aterro do Flamengo, do Pão de Açúcar, da ponte Rio-Niterói e a Baía de Guanabara!
No sábado, acordei com uma ressaca acumulada de dois dias, mas tomei um café da manhã reforçado e fui participar do evento. Destaco uma palestra da deputada federal Luciana Santos, do PCdoB de Pernambuco, há algum tempo uma das maiores aliadas da mídia alternativa brasileira. Santos vem trabalhado, no Congresso Nacional, na elaboração de uma projeto de lei para canalizar um percentual da publicidade institucional do governo federal para a mídia alternativa: jornais menores, rádios comunitárias, blogs, etc.
Pulo para a noite de sábado, onde aconteceu um debate com Breno Altman, do Opera Mundi, Igor Fuser, professor de relações internacionais da USP, e João Pedro Stédile, liderança do MST, sobre a Venezuela.
Altman, que esteve na Venezuela muitas vezes, explicou as ações de Chávez para democratizar a mídia em seu país. Inicialmente, ele não fez nenhuma lei. Assim como no Brasil, ele sentia que não havia correlação de forças para propor qualquer mudança na mídia venezuelana. Nem parecia ter acumulado massa crítica suficiente, em sua própria cabeça, para encabeçar um debate sobre possíveis mudanças legislativas que dessem mais pluralidade à comunicação social. Entretanto, mesmo sem fazer isso, o governo chavista tomou a iniciativa de subsidiar milhares de ações de incentivo às mídias populares. Altman explicou que essas ações escaparam ao radar das elites, porque não vinham na forma de anúncios estatais. Elas aconteciam, sobretudo, na forma de formação técnica, entrega de equipamentos, cursos de capacitação, empréstimos, etc.
Este trabalho de massa teria sido o responsável pela mobilização de milhões de pessoas nas ruas de Caracas, em 2002, frustrando um golpe de Estado que já havia recebido o reconhecimento da Casa Branca, no norte, e de todas as mídias latino-americanas, incluindo o Brasil, onde algumas revistas chegaram a circular com manchetes alegres em apoio a golpe. Um golpe cujas iniciativas, logo nas primeiras horas, foram: fechar o Congresso, o STF, estabelecer a censura nos meios de comunicação e a repressão de qualquer tipo de protesto. Para grande sorte da América Latina, o golpe foi abortado pelas multidões nas ruas e pelo baixo claro do exército, que havia se tornado, para surpresa de seus comandantes, fortemente chavista.
Após o golpe, Chávez tomou consciência do papel politicamente estratégico da mídia para consolidação de um governo de cunho popular, ou para derrubá-lo, como quase aconteceu consigo.
O golpe contra Chávez foi articulado dentro das redações, assim como o foi no Brasil, em 1964. As mídias latinas sempre estiveram ao lado do golpe, sempre contra a democracia, sempre contra o povo.
Entretanto, Altman lembra que Chávez não fechou nenhum jornal ou TV. Os meios de comunicação venezuelanos permanecem livres e operantes, e continuam fazendo oposição ao governo.
A única rede de TV que o governo fechou, a RCTV, foi por sonegação de impostos. Era a TV mais antiga do país, e tinha dívidas gigantes, que ela não quis ou não conseguiu quitar. Então não teve a sua concessão renovada. Outras TVs, que tiveram papéis ainda mais proeminentes na tentativa de golpe, permanecem funcionando.
Algumas empresas de mídia mudaram de mãos, mas continuaram sendo de oposição, embora não no tom golpista que tinham antes.
Igor Fuser também falou da Venezuela, que, segundo ele, é vítima de uma campanha organizada sistemática de desinformação e sabotagem, interna e externa. A falta de itens como “papéis higiênicos” é fruto de sabotagem simples e pura por parte de empresários ligados ao varejo, que escondem alguns itens básicos cuja ausência geraria impacto simbólico forte. Ele falou ainda nas filas para comprar alimentos em postos de distribuição do governo. É melhor, disse Fuser, ver as pessoas enfrentando uma fila para comprar alimentos, do que ver, em outros países, inclusive no Brasil, os mercados abarrotados de produtos mas as pessoas sem dinheiro para comprá-los.
Resumirei a palestra de Stédile à informação, por parte dele, e já publicada neste blog, de que os movimentos sociais farão uma manifestação, no dia 29 de maio, contra Joaquim Barbosa, presidente do STF.
“Os movimentos sociais finalmente se tornaram reacionários”, ironizou Stédile, “agora vamos defender o cumprimento da lei e da Constituição”. A manifestação é para que o STF cumpra a lei em relação a José Dirceu, permitindo que ele trabalhe fora da prisão, como vem fazendo todos os presos brasileiros, desde 1999.
Entretanto, o que mais me impressionou, no evento, foi um grupo de discussão do qual participei no sábado à tarde. Eu fiz um relato resumido da minha história como blogueiro, e contei bastidores picantes da denúncia da sonegação da Globo. Mas não é de mim que quero falar, e sim de três personagens presentes naquele grupo.
Um deles era um estudante universitário, acho que do Piauí, mas doutorando ali em São Paulo. Rapaz culto, sensível, explicou que não tinha blog, não usava Facebook, nem qualquer rede social. Também não assistia TV e tinha “nojo” da imprensa de seu estado. Mas era fã da blogosfera, que vinha sendo, há tempos, seu principal meio de informação. Disse que, em conversas com outros estudantes, ele tinha opiniões diferentes, e as pessoas o olhavam com curiosidade e respeito pelas informações que ele trazia.
Outro personagem que me chamou a atenção, por outros motivos, foi Lissandro Nascimento, presidente da Associação dos Blogueiros de Pernambuco (Ablogpe). Chamou-me a atenção pela seriedade e pelas informações que nos passou. Ele nos disse que sua associação já tinha mais de trezentos associados, uma sede própria em Recife, e desenvolvia uma série de ações para se viabilizar comercialmente. Revelou-se ainda um cidadão bem consciente e astuto politicamente, porque, procurado por pessoas do governo que queriam distribuir verbas publicitárias para os blogueiros associados, ele reagiu dizendo ao interlocutor que só aceitaria se fosse para discutir políticas permanentes de Estado. E assim foi. Pernambuco hoje debate mudanças legislativas que podem servir de exemplo para o resto do país.
Entretanto, o personagem que mais me impressionou foi um rapaz do Maranhão, Leandro Miranda, responsável pelo Blog Marrapa. Ele nos contou sobre seu blog, um dos mais visitados do estado, com picos de 200 mil visitas/dia. Um blog que se poderia dizer… perigoso, no bom sentido. Capaz de assustar governadores e derrubar candidaturas.
Ao fim da reunião, Leandro pediu novamente a palavra e disse que precisava fazer justiça a seus colegas blogueiros do estado. Disse que o Maranhão tinha quase 1.500 blogs, disseminados inclusive nas cidades mais pequenas. Ele assegurou que o Maranhão tem a maior blogosfera do país. Há cidades que não possuem nem rádio, ou a única rádio local é controlada pela clã Sarney/Lobão. Mas sempre tem blogs, quatro ou cinco no mínimo. E isso num estado quase sem internet banda larga. As pessoas acessam por conexão discada. Mas acessam.
No domingo, algumas horas antes de pegar o avião, conheci outro blogueiro do Maranhão, Frederico Luiz, do blog Direto da Aldeia. Ele confirmou as informações de Leandro e acrescentou outras. Disse que a blogosfera maranhense já superou, há alguns anos, vários dilemas que nós, do Sudeste, ainda enfrentamos. Explicou que a blogosfera do estado já recebe, normalmente, financiamento público. Quase todas as prefeituras fazem anúncios em blogs, os quais já estão profundamente integrados à dinâmica política local. Eles não apenas participam das campanhas políticas, como acompanham os mandatos, apoiando ou criticando. Fazendo política, enfim, sem essa frescurada de imparcialidade. Há blogueiros de ambos os lados dos espectros políticos engalfinhando-se democraticamente. O tempo do conforto sarneyzista, em que bastava ter o apoio de uma rádio local, ou aparecer na TV, para ganhar uma eleição, acabou. Os políticos agora têm de voltar ao campo de batalha, responder acusações e denúncias. Apareceu numa festa ao lado de uma figura suspeita? No dia seguinte, a blogosfera publica a foto.
Há blogs ligados à família Sarney, mas a grande maioria é de esquerda e se posiciona frontalmente contra o “grupo Sarney”, no qual eles incluem Lobão e seus Lobinhos. Esse grupo comanda a política do estado há muito tempo, e detêm, direta ou indiretamente, controle sobre praticamente todo o sistema midiático maranhense, inclusive os pequenos meios, como rádio comunitárias. Daí a razão dos blogs, como uma espécie de reação biológica natural de novas forças políticas e econômicas querendo nascer e disputar o poder.
Este ano, o grupo Sarney, hoje representado pelo candidato Lobão Filho, está perto de perder as eleições. Flavio Dino, do PCdoB, lidera as pesquisas com muita força. A blogosfera maranhense será a principal responsável por essa mudança.
Frederico me explicou, enquanto conversávamos num restaurante, que a figura do blogueiro tem status no Maranhão. Um sujeito se apresenta: “sou radialista”, as pessoas olham para ele, e aí outro diz “e este aqui é blogueiro”, e todos então se voltam com mais curiosidade ainda para o sujeito.
A informação sobre a blogosfera do Maranhão me fez pensar numa troca de mensagens um pouco amarga que tive com um blogueiro amigo de São Paulo, que fez insinuações maldosas contra os blogueiros, dizendo que queríamos apenas verbas da Secom para meia dúzia de blogs. Não continuei a conversa porque gosto do rapaz, mas sabia que ele estava sendo profundamente injusto. A luta pela democratização da mídia é por políticas democráticas de cunho universal e republicano, que contemplem a totalidade da blogosfera nacional, de norte a sul; e não apenas blogs, como rádios comunitárias, jornais locais, revistas de opinião, e todo o tipo de imprensa alternativa no país. É a luta pela materialização de um princípio constitucional: a pluralidade. Conspurcar essa luta com ressentimentos ou invejinhas, porque tal blog é mais comentado que o meu é uma manifestação de egoísmo e mesquinhez com a qual não podemos pactuar.
É evidente que sempre haverá diferenças abissais entre os diferentes blogs, mas novamente é do Maranhão que tiro a lição. Frederico, do blog Direto da Aldeia, explica que os blogueiros maranhenses já superaram algumas diferenças políticas e mesmo partidárias e tem feito reuniões em que todos estão unidos. Um é mais esquerda que o outro, aquele é mais petista, outro é mais comunista. O único ponto em comum entre eles é serem de esquerda e lutarem contra a oligarquia Sarney. Apesar do PT nacional apoiar Lobão Filho (candidato do Sarney), os blogueiros petistas locais, gozando de sua liberdade de expressão, continuam fazendo o embate contra Sarney.
Frederico me contou de uma cidadezinha minúscula do Maranhão, chamada Mata Roma, com 12 mil habitantes, onde há quatro blogs importantes. Um deles, de uma moça, tem tantos anúncios comerciais, que o blog demora um tempão para carregar. Acho que é esse.
As pessoas foram indo embora e eu permaneci à mesa, matando o tempo antes de ir ao aeroporto. Não estava bebendo álcool, porque me recuperava de duas noites viradas (ou três se contar com a noite na Lapa) bebendo com blogueiros do Brasil inteiro, incluindo aí um sujeito incrível do Pará sobre o qual falarei em outra oportunidade. Outro que merecerá alguns comentários no futuro é o blogueiro Rodrigo Pilha, de Brasília, um rapaz talentoso cuja história vai muito além de ter sido xingado pelo senador Aloysio Nunes.
Ficamos alguns poucos na mesa. Eu, um internauta filósofo cheio de teorias malucas (mas inteligentes) de conspiração, um sujeito do Paraná que abandonou o ônibus que o levaria de volta apenas para conversar um pouco mais com a gente, uma professora blogueira cheia de opinião, e o nobilíssimo Enio Barroso Filho, piloto do blog Estação do PTrem das 13. E aí eu explico o título desse post.
Enio, que abriu o evento ao lado de Lula, tem distrofia muscular, uma doença bastante grave que limita a maior parte de seus movimentos. Locomove-se numa cadeira automatizada. Entretanto, mesmo com esse “pequeno” problema, é uma pessoa dotada de um otimismo e um amor pela vida insuperáveis. Sentei-me a seu lado e tivemos uma longa conversa sobre política, blogosfera e vida.
Já tínhamos passado uma longa noite juntos, na sexta-feira, quando alguns pinguços organizamos um sarau de fim de noite, em seu quarto de hotel. Neste domingo, porém, sem álcool, tivemos um papo sério. Ênio observou que teríamos uma eleição extremamente dura este ano, possivelmente até com assassinatos de militantes de esquerda no interior do Brasil. Mas venceríamos. Concordamos que o governo estava sob pressão violentíssima, mas que, se vencesse o pleito, as coisas mudariam da água para o vinho, porque as grandes obras estão começando a ficar prontas. O que acontecerá quando as gigantescas refinarias de Abreu Lima e Comperj ficarem prontas? Quando todas as hidrelétricas em construção estiverem operando a todo vapor? Quando a transposição do São Francisco estiver completa? Quando o pré-sal estiver jorrando bilhões de dólares por dia e o dinheiro abastecendo programas educacionais?
É evidente que tudo irá mudar. E ainda teremos Lula novamente em 2018!
Por isso a direita se desespera para vencer agora, nesta eleição, aproveitando-se de circunstâncias especiais. A Petrobrás é um bom exemplo. A estatal encontra-se sob grande pressão porque teve que canalizar quase toda sua capacidade financeira para a exploração do pré-sal.
Esse “stress” de Petrobrás é o mesmo do governo em geral. Todas as energias encontram-se focadas em grandes obras, em grandes programas sociais. Só que toda essa pressão, que a mídia tem manipulado ao máximo para catalizar seus efeitos colaterais, voltará com um sentido invertido. A angústia gerada com o barulho das obras se converterá em entusiasmo em contemplar um país transformado.
Daí Enio me contou uma história curiosa. Às vezes, quando ele move sua cabeça para trás, o problema da sua distrofia não lhe permite mexê-la de volta. Então ele tem de mover sua cadeira para trás, até uma parede, para tentar empurrá-la para frente. Acontece de não haver parede e ele chama sua esposa: “amor, minha cabeça caiu”.
Houve um dia, porém, que sua esposa tinha saído e ele encontrava-se sozinho em casa, na varanda. Sua cabeça caiu, e ele não tinha nada a fazer senão esperar, olhando para cima, contemplando as estrelas que persistiam em brilhar no céu de São Paulo.
Ficou durante algumas horas meditando sobre as estrelas, e concluiu, num raciocínio caetânico (que devemos lhe perdoar, em virtude das circunstâncias forçadas em que se deu), que todos somos estrelas. Ele me falou isso pensando nos blogueiros, que devem entender que dependem, de certa forma, uns dos outros. Há uma relação cósmica, gravitacional, entre todos nós. Todos dão forças uns aos outros. É um pensamento bonito, filosófico, holístico, que aquele blogueiro ressentido que me atazanou no twitter, deveria assimilar.
Algumas estrelas às vezes, após brilharem muito, explodem e desaparecem. De vez em quando nascem outras, supernovas de luz concentrada, poderosas e iluminadas.
É com este pensamento que termino esse post, pensando em meus novos amigos do Pará, Pernambuco, Maranhão, Paraná, Minas, Amapá, Rio Grande do Sul, do Brasil inteiro. Todos estrelas cuja gravidade me mantém seguro em meu lugar, nesse cosmos cheio de perigos e emoção em que vivem os blogs.
Estamos juntos, camaradas blogueiros de todo Brasil! Enfrentamos os mesmos adversários em toda parte, esse conservadorismo arraigado ao longo dos séculos, que não respeita as pessoas simples, que não tem solidariedade pelos pobres, e que hoje retira seu poder, principalmente, dos grandes meios de comunicação.
Um dia, quiçá não tão distante, teremos nossa vitória. Aprovaremos uma lei que proíba a concentração da mídia e incentive a pluralidade. A alegria louca com que comemoraremos essa lei será a maior prova de nosso amor profundo pela democracia, pela liberdade de expressão e – como acrescentaria nosso querido Enio, empunhando um copo – por uma boa cachaça!
Comecemos pela sexta-feira, 16 de maio, início do evento.
Lá estou eu no Santos Dumont, passando pela fiscalização da Infraero para entrar na área de embargue, quando ouço alguém falando alto. Olho e vejo, no posto adiante do meu, um homem branco, com expressão ranzinza, berrando resmungos viralatas enquanto punha seus objetos na esteira.
“Para que isso? Esse país é tudo palhaçada!”
Sou crítico, naturalmente, dos aeroportos no Brasil. Em Congonhas, não tem internet em lugar nenhum. Os banheiros não trazem chamadas em inglês. No Rio, os aeroportos tem mil problemas. Mas naquela manhã no Santos Dumont, não havia necessidade nenhuma do sujeito estar ofendendo ou enervando os funcionários da Infraero. Não havia filas. O serviço se desenrolava com absoluta normalidade.
Geralmente, diante desse tipo de estupidez, eu fico quieto, por timidez, embora me corroendo por dentro com uma irritação sombria. Dessa vez, contudo, eu não estava com nenhuma paciência para ouvir um coxinha histérico gritando impropérios antibrasil em meus ouvidos. Não tinha dormido. Tinha ficado assistindo um show de chorinho até altas horas, na Lapa, cheguei mais tarde do que devia e tive que ir diretamente ao aeroporto. Uma ressaca braba se imiscuía rapidamente em meus neurônios.
Então reagi:
- Palhaçada porra nenhuma!
Ele se virou na minha direção, assustado, balbuciou alguma coisa com a palavra “PT”, botou o rabo entre as pernas e seguiu adiante. A funcionária da Infraero me lançou um olhar agradecido do tipo “meu herói”, que me encheu de auto-estima, e que até agora guardo em meu coração.
Nada mais falei. Sempre que eu lembro do fato, me dá vontade de ter falado muito mais, dizendo que o palhaço era ele. Bem, como não disse ao vivo, vou dizer agora:
“Palhaço é você, seu idiota!”
Cheguei em São Paulo e me dirigi ao local do evento, o Braston, um hotel antigo da Consolação, ainda com bidês nos banheiros.
Antigo porém elegante, com um excelente espaço para eventos, e estrategicamente situado ao lado da Praça Roosevelt, meu point preferido em São Paulo.
A Roosevelt sempre foi legal. Mas depois da reforma da praça propriamente dita, tornou-se um lugar ainda mais agradável. Ficou mais limpa, mais iluminada, mais segura. São meia dúzia de bares charmosos, enfileirados no mesmo lado da rua, do outro lado da praça onde jovens se divertem em skates e patins.
Neste fim de semana em que eu estive lá, a praça abrigou alguns shows da Virada Cultural, que a tornaram ainda mais atraente. Mas deixemos as boemias de lado, por enquanto (voltaremos a elas) e vamos ao evento propriamente dito.
A abertura do Encontro reuniu alguns membros da nata da blogosfera progressista, e nomes importantes da política de São Paulo, a começar por Lula, Haddad e Alexandre Padilha, nenhum dos quais precisa de apresentação.
Haddad fez um discurso surpreendente. Na prática, o prefeito de São Paulo não fez quase nada em prol de uma comunicação mais democrática. Sua política nesta área, segundo relato de meus amigos paulistas, repetiu os velhos esquemas. A prefeitura tem um assessor que dá telefonemas e manda emails para os grandes jornais, tentando influenciar ou sugerir pautas. Obviamente, o esquema se revelou um fiasco, já que a imprensa paulista é fundamentalmente anti-PT.
Apesar da imprensa às vezes se autodesmoralizar, como a tentativa grotesca da Folha de criticar um show infantil da Virada Cultural dizendo, no título, que os “bebês se decepcionam com Viradinha Cultural”, no geral ela conseguiu cumprir seu objetivo de reduzir a aprovação do prefeito, embora Haddad esteja fazendo, segundo inúmeros pontos-de-vista, uma excelente gestão: introduziu tratamento humanitário a viciados em crack, melhorou o transporte público, com a criação de faixas especiais para ônibus, deu mais atenção às periferias, etc.
O discurso de Haddad sobre a democratização da mídia, de qualquer forma, revelou um político profundamente informado sobre a questão. Diferentemente do Lula, que leu um texto escrito por Franklin Martins, Haddad falou de improviso, mas com bastante auto-confiança, e denunciou duramente a a falta de pluralidade na comunicação social brasileira. Atacou especialmente os monopólios, numa alusão óbvia à Rede Globo. Foi além e alertou para o fato de não apenas as empresas exercerem propriedade cruzada, como introduzirem uma novidade: o emprego cruzado. Ao invés de contratarem nomes novos, a mídia corporativa cultiva a “panelinha”. O fulano que escreve na Folha vira comentarista na Globonews. O colunista do Estadão publica o mesmo texto no Globo. O blogueiro da Veja se torna comentarista da CBN. O outro blogueiro da Veja se torna, paralelamente, responsável pelo principal programa de entrevistas da TV Cultura. É uma promiscuidade incestuosa inacreditável. São sempre os mesmos. A mesma curriola.
Infelizmente, o belo discurso de Haddad ainda não passa disso: um belo discurso. Na prática, como já disse, ele não faz nada para melhorar a comunicação no Brasil, nem mesmo de seu próprio governo. Não encontrei em lugar nenhum, por exemplo, um vídeo com seu discurso. A Secretaria Executiva de Comunicação da prefeitura de São Paulo, a prefeitura mais rica do país, se limitou a publicar uma nota burocrática sobre a participação do prefeito no evento. Sem fotos, sem vídeo, nada. Resultado: um post publicado há três dias tem apenas cinco curtidas. É lamentável essa preguiça crônica, doentia, da burocracia política, em relação à própria mídia pública. Os políticos vendem pedaços da alma para obter uns segundos a mais de TV, e disperdiçam solenemente os instrumentos públicos e gratuitos de que dispõem na internet. Perdoa-se essa displicência numa prefeitura provinciana, não na de São Paulo. Não em Haddad. Não após o discurso que ele fez no Encontro Nacional de Blogueiros.
Então veio Lula. A seu lado, Enio Barroso Filho, um dos nomes mais queridos da blogosfera, e Conceição Lemes, seguramente a blogueira-jornalista mais competente e mais corajosa do Brasil.
Nota-se que Lula não tem familiaridade com o tema da democratização da mídia. É um universo estranho, conceitual demais, novo demais, para o ex-presidente. Mas Lula entende de política e tomou a decisão política de apoiar o debate para termos, finalmente, um marco regulatório das comunicações. Lula fez questão de mostrar que finalmente compreendeu a importância estratégica de uma comunicação mais democrática.
Ao final do evento, fui tomar umas com meu amigo Wagner Moraes, de São Paulo, e o Theo, do Barão-RJ, na praça Roosevelt. A gente ficou um tempo discutindo os motivos que levaram Lula a se engajar de maneira tão enfática na campanha pelo marco regulatório das comunicações.
Claro, tem as razões políticas, a pressão crescente de movimentos sociais, das bases partidárias. Mas uma das hipóteses que discutimos foi a de que há setores econômicos importantes de saco cheio da histeria midiática. Há segmentos empresariais que ainda guardam grandes planos para o Brasil. Não podemos esquecer que há hidrelétricas e refinarias sendo construídas, há um pre-sal ainda em fase de exploração. O Brasil é um grande canteiro de obras, e quando estas ficarem prontas abrir-se-ão extraordinárias oportunidades para o desenvolvimento nacional.
A mídia corporativa, contudo, não demonstra preocupação nenhuma, aparentemente, em mostrar as potencialidades brasileiras. Ela mostra os problemas, ótimo. Mas só isso. É como um corretor que apresentasse um apartamento a um possível comprador e só mostrasse pequenas fissuras na pintura das paredes, uma torneira pingando, um sinteco faltando, mas jamais abrisse a janela que dá para uma vista espetacular do aterro do Flamengo, do Pão de Açúcar, da ponte Rio-Niterói e a Baía de Guanabara!
No sábado, acordei com uma ressaca acumulada de dois dias, mas tomei um café da manhã reforçado e fui participar do evento. Destaco uma palestra da deputada federal Luciana Santos, do PCdoB de Pernambuco, há algum tempo uma das maiores aliadas da mídia alternativa brasileira. Santos vem trabalhado, no Congresso Nacional, na elaboração de uma projeto de lei para canalizar um percentual da publicidade institucional do governo federal para a mídia alternativa: jornais menores, rádios comunitárias, blogs, etc.
Pulo para a noite de sábado, onde aconteceu um debate com Breno Altman, do Opera Mundi, Igor Fuser, professor de relações internacionais da USP, e João Pedro Stédile, liderança do MST, sobre a Venezuela.
Altman, que esteve na Venezuela muitas vezes, explicou as ações de Chávez para democratizar a mídia em seu país. Inicialmente, ele não fez nenhuma lei. Assim como no Brasil, ele sentia que não havia correlação de forças para propor qualquer mudança na mídia venezuelana. Nem parecia ter acumulado massa crítica suficiente, em sua própria cabeça, para encabeçar um debate sobre possíveis mudanças legislativas que dessem mais pluralidade à comunicação social. Entretanto, mesmo sem fazer isso, o governo chavista tomou a iniciativa de subsidiar milhares de ações de incentivo às mídias populares. Altman explicou que essas ações escaparam ao radar das elites, porque não vinham na forma de anúncios estatais. Elas aconteciam, sobretudo, na forma de formação técnica, entrega de equipamentos, cursos de capacitação, empréstimos, etc.
Este trabalho de massa teria sido o responsável pela mobilização de milhões de pessoas nas ruas de Caracas, em 2002, frustrando um golpe de Estado que já havia recebido o reconhecimento da Casa Branca, no norte, e de todas as mídias latino-americanas, incluindo o Brasil, onde algumas revistas chegaram a circular com manchetes alegres em apoio a golpe. Um golpe cujas iniciativas, logo nas primeiras horas, foram: fechar o Congresso, o STF, estabelecer a censura nos meios de comunicação e a repressão de qualquer tipo de protesto. Para grande sorte da América Latina, o golpe foi abortado pelas multidões nas ruas e pelo baixo claro do exército, que havia se tornado, para surpresa de seus comandantes, fortemente chavista.
Após o golpe, Chávez tomou consciência do papel politicamente estratégico da mídia para consolidação de um governo de cunho popular, ou para derrubá-lo, como quase aconteceu consigo.
O golpe contra Chávez foi articulado dentro das redações, assim como o foi no Brasil, em 1964. As mídias latinas sempre estiveram ao lado do golpe, sempre contra a democracia, sempre contra o povo.
Entretanto, Altman lembra que Chávez não fechou nenhum jornal ou TV. Os meios de comunicação venezuelanos permanecem livres e operantes, e continuam fazendo oposição ao governo.
A única rede de TV que o governo fechou, a RCTV, foi por sonegação de impostos. Era a TV mais antiga do país, e tinha dívidas gigantes, que ela não quis ou não conseguiu quitar. Então não teve a sua concessão renovada. Outras TVs, que tiveram papéis ainda mais proeminentes na tentativa de golpe, permanecem funcionando.
Algumas empresas de mídia mudaram de mãos, mas continuaram sendo de oposição, embora não no tom golpista que tinham antes.
Igor Fuser também falou da Venezuela, que, segundo ele, é vítima de uma campanha organizada sistemática de desinformação e sabotagem, interna e externa. A falta de itens como “papéis higiênicos” é fruto de sabotagem simples e pura por parte de empresários ligados ao varejo, que escondem alguns itens básicos cuja ausência geraria impacto simbólico forte. Ele falou ainda nas filas para comprar alimentos em postos de distribuição do governo. É melhor, disse Fuser, ver as pessoas enfrentando uma fila para comprar alimentos, do que ver, em outros países, inclusive no Brasil, os mercados abarrotados de produtos mas as pessoas sem dinheiro para comprá-los.
Resumirei a palestra de Stédile à informação, por parte dele, e já publicada neste blog, de que os movimentos sociais farão uma manifestação, no dia 29 de maio, contra Joaquim Barbosa, presidente do STF.
“Os movimentos sociais finalmente se tornaram reacionários”, ironizou Stédile, “agora vamos defender o cumprimento da lei e da Constituição”. A manifestação é para que o STF cumpra a lei em relação a José Dirceu, permitindo que ele trabalhe fora da prisão, como vem fazendo todos os presos brasileiros, desde 1999.
Entretanto, o que mais me impressionou, no evento, foi um grupo de discussão do qual participei no sábado à tarde. Eu fiz um relato resumido da minha história como blogueiro, e contei bastidores picantes da denúncia da sonegação da Globo. Mas não é de mim que quero falar, e sim de três personagens presentes naquele grupo.
Um deles era um estudante universitário, acho que do Piauí, mas doutorando ali em São Paulo. Rapaz culto, sensível, explicou que não tinha blog, não usava Facebook, nem qualquer rede social. Também não assistia TV e tinha “nojo” da imprensa de seu estado. Mas era fã da blogosfera, que vinha sendo, há tempos, seu principal meio de informação. Disse que, em conversas com outros estudantes, ele tinha opiniões diferentes, e as pessoas o olhavam com curiosidade e respeito pelas informações que ele trazia.
Outro personagem que me chamou a atenção, por outros motivos, foi Lissandro Nascimento, presidente da Associação dos Blogueiros de Pernambuco (Ablogpe). Chamou-me a atenção pela seriedade e pelas informações que nos passou. Ele nos disse que sua associação já tinha mais de trezentos associados, uma sede própria em Recife, e desenvolvia uma série de ações para se viabilizar comercialmente. Revelou-se ainda um cidadão bem consciente e astuto politicamente, porque, procurado por pessoas do governo que queriam distribuir verbas publicitárias para os blogueiros associados, ele reagiu dizendo ao interlocutor que só aceitaria se fosse para discutir políticas permanentes de Estado. E assim foi. Pernambuco hoje debate mudanças legislativas que podem servir de exemplo para o resto do país.
Entretanto, o personagem que mais me impressionou foi um rapaz do Maranhão, Leandro Miranda, responsável pelo Blog Marrapa. Ele nos contou sobre seu blog, um dos mais visitados do estado, com picos de 200 mil visitas/dia. Um blog que se poderia dizer… perigoso, no bom sentido. Capaz de assustar governadores e derrubar candidaturas.
Ao fim da reunião, Leandro pediu novamente a palavra e disse que precisava fazer justiça a seus colegas blogueiros do estado. Disse que o Maranhão tinha quase 1.500 blogs, disseminados inclusive nas cidades mais pequenas. Ele assegurou que o Maranhão tem a maior blogosfera do país. Há cidades que não possuem nem rádio, ou a única rádio local é controlada pela clã Sarney/Lobão. Mas sempre tem blogs, quatro ou cinco no mínimo. E isso num estado quase sem internet banda larga. As pessoas acessam por conexão discada. Mas acessam.
No domingo, algumas horas antes de pegar o avião, conheci outro blogueiro do Maranhão, Frederico Luiz, do blog Direto da Aldeia. Ele confirmou as informações de Leandro e acrescentou outras. Disse que a blogosfera maranhense já superou, há alguns anos, vários dilemas que nós, do Sudeste, ainda enfrentamos. Explicou que a blogosfera do estado já recebe, normalmente, financiamento público. Quase todas as prefeituras fazem anúncios em blogs, os quais já estão profundamente integrados à dinâmica política local. Eles não apenas participam das campanhas políticas, como acompanham os mandatos, apoiando ou criticando. Fazendo política, enfim, sem essa frescurada de imparcialidade. Há blogueiros de ambos os lados dos espectros políticos engalfinhando-se democraticamente. O tempo do conforto sarneyzista, em que bastava ter o apoio de uma rádio local, ou aparecer na TV, para ganhar uma eleição, acabou. Os políticos agora têm de voltar ao campo de batalha, responder acusações e denúncias. Apareceu numa festa ao lado de uma figura suspeita? No dia seguinte, a blogosfera publica a foto.
Há blogs ligados à família Sarney, mas a grande maioria é de esquerda e se posiciona frontalmente contra o “grupo Sarney”, no qual eles incluem Lobão e seus Lobinhos. Esse grupo comanda a política do estado há muito tempo, e detêm, direta ou indiretamente, controle sobre praticamente todo o sistema midiático maranhense, inclusive os pequenos meios, como rádio comunitárias. Daí a razão dos blogs, como uma espécie de reação biológica natural de novas forças políticas e econômicas querendo nascer e disputar o poder.
Este ano, o grupo Sarney, hoje representado pelo candidato Lobão Filho, está perto de perder as eleições. Flavio Dino, do PCdoB, lidera as pesquisas com muita força. A blogosfera maranhense será a principal responsável por essa mudança.
Frederico me explicou, enquanto conversávamos num restaurante, que a figura do blogueiro tem status no Maranhão. Um sujeito se apresenta: “sou radialista”, as pessoas olham para ele, e aí outro diz “e este aqui é blogueiro”, e todos então se voltam com mais curiosidade ainda para o sujeito.
A informação sobre a blogosfera do Maranhão me fez pensar numa troca de mensagens um pouco amarga que tive com um blogueiro amigo de São Paulo, que fez insinuações maldosas contra os blogueiros, dizendo que queríamos apenas verbas da Secom para meia dúzia de blogs. Não continuei a conversa porque gosto do rapaz, mas sabia que ele estava sendo profundamente injusto. A luta pela democratização da mídia é por políticas democráticas de cunho universal e republicano, que contemplem a totalidade da blogosfera nacional, de norte a sul; e não apenas blogs, como rádios comunitárias, jornais locais, revistas de opinião, e todo o tipo de imprensa alternativa no país. É a luta pela materialização de um princípio constitucional: a pluralidade. Conspurcar essa luta com ressentimentos ou invejinhas, porque tal blog é mais comentado que o meu é uma manifestação de egoísmo e mesquinhez com a qual não podemos pactuar.
É evidente que sempre haverá diferenças abissais entre os diferentes blogs, mas novamente é do Maranhão que tiro a lição. Frederico, do blog Direto da Aldeia, explica que os blogueiros maranhenses já superaram algumas diferenças políticas e mesmo partidárias e tem feito reuniões em que todos estão unidos. Um é mais esquerda que o outro, aquele é mais petista, outro é mais comunista. O único ponto em comum entre eles é serem de esquerda e lutarem contra a oligarquia Sarney. Apesar do PT nacional apoiar Lobão Filho (candidato do Sarney), os blogueiros petistas locais, gozando de sua liberdade de expressão, continuam fazendo o embate contra Sarney.
Frederico me contou de uma cidadezinha minúscula do Maranhão, chamada Mata Roma, com 12 mil habitantes, onde há quatro blogs importantes. Um deles, de uma moça, tem tantos anúncios comerciais, que o blog demora um tempão para carregar. Acho que é esse.
As pessoas foram indo embora e eu permaneci à mesa, matando o tempo antes de ir ao aeroporto. Não estava bebendo álcool, porque me recuperava de duas noites viradas (ou três se contar com a noite na Lapa) bebendo com blogueiros do Brasil inteiro, incluindo aí um sujeito incrível do Pará sobre o qual falarei em outra oportunidade. Outro que merecerá alguns comentários no futuro é o blogueiro Rodrigo Pilha, de Brasília, um rapaz talentoso cuja história vai muito além de ter sido xingado pelo senador Aloysio Nunes.
Ficamos alguns poucos na mesa. Eu, um internauta filósofo cheio de teorias malucas (mas inteligentes) de conspiração, um sujeito do Paraná que abandonou o ônibus que o levaria de volta apenas para conversar um pouco mais com a gente, uma professora blogueira cheia de opinião, e o nobilíssimo Enio Barroso Filho, piloto do blog Estação do PTrem das 13. E aí eu explico o título desse post.
Enio, que abriu o evento ao lado de Lula, tem distrofia muscular, uma doença bastante grave que limita a maior parte de seus movimentos. Locomove-se numa cadeira automatizada. Entretanto, mesmo com esse “pequeno” problema, é uma pessoa dotada de um otimismo e um amor pela vida insuperáveis. Sentei-me a seu lado e tivemos uma longa conversa sobre política, blogosfera e vida.
Já tínhamos passado uma longa noite juntos, na sexta-feira, quando alguns pinguços organizamos um sarau de fim de noite, em seu quarto de hotel. Neste domingo, porém, sem álcool, tivemos um papo sério. Ênio observou que teríamos uma eleição extremamente dura este ano, possivelmente até com assassinatos de militantes de esquerda no interior do Brasil. Mas venceríamos. Concordamos que o governo estava sob pressão violentíssima, mas que, se vencesse o pleito, as coisas mudariam da água para o vinho, porque as grandes obras estão começando a ficar prontas. O que acontecerá quando as gigantescas refinarias de Abreu Lima e Comperj ficarem prontas? Quando todas as hidrelétricas em construção estiverem operando a todo vapor? Quando a transposição do São Francisco estiver completa? Quando o pré-sal estiver jorrando bilhões de dólares por dia e o dinheiro abastecendo programas educacionais?
É evidente que tudo irá mudar. E ainda teremos Lula novamente em 2018!
Por isso a direita se desespera para vencer agora, nesta eleição, aproveitando-se de circunstâncias especiais. A Petrobrás é um bom exemplo. A estatal encontra-se sob grande pressão porque teve que canalizar quase toda sua capacidade financeira para a exploração do pré-sal.
Esse “stress” de Petrobrás é o mesmo do governo em geral. Todas as energias encontram-se focadas em grandes obras, em grandes programas sociais. Só que toda essa pressão, que a mídia tem manipulado ao máximo para catalizar seus efeitos colaterais, voltará com um sentido invertido. A angústia gerada com o barulho das obras se converterá em entusiasmo em contemplar um país transformado.
Daí Enio me contou uma história curiosa. Às vezes, quando ele move sua cabeça para trás, o problema da sua distrofia não lhe permite mexê-la de volta. Então ele tem de mover sua cadeira para trás, até uma parede, para tentar empurrá-la para frente. Acontece de não haver parede e ele chama sua esposa: “amor, minha cabeça caiu”.
Houve um dia, porém, que sua esposa tinha saído e ele encontrava-se sozinho em casa, na varanda. Sua cabeça caiu, e ele não tinha nada a fazer senão esperar, olhando para cima, contemplando as estrelas que persistiam em brilhar no céu de São Paulo.
Ficou durante algumas horas meditando sobre as estrelas, e concluiu, num raciocínio caetânico (que devemos lhe perdoar, em virtude das circunstâncias forçadas em que se deu), que todos somos estrelas. Ele me falou isso pensando nos blogueiros, que devem entender que dependem, de certa forma, uns dos outros. Há uma relação cósmica, gravitacional, entre todos nós. Todos dão forças uns aos outros. É um pensamento bonito, filosófico, holístico, que aquele blogueiro ressentido que me atazanou no twitter, deveria assimilar.
Algumas estrelas às vezes, após brilharem muito, explodem e desaparecem. De vez em quando nascem outras, supernovas de luz concentrada, poderosas e iluminadas.
É com este pensamento que termino esse post, pensando em meus novos amigos do Pará, Pernambuco, Maranhão, Paraná, Minas, Amapá, Rio Grande do Sul, do Brasil inteiro. Todos estrelas cuja gravidade me mantém seguro em meu lugar, nesse cosmos cheio de perigos e emoção em que vivem os blogs.
Estamos juntos, camaradas blogueiros de todo Brasil! Enfrentamos os mesmos adversários em toda parte, esse conservadorismo arraigado ao longo dos séculos, que não respeita as pessoas simples, que não tem solidariedade pelos pobres, e que hoje retira seu poder, principalmente, dos grandes meios de comunicação.
Um dia, quiçá não tão distante, teremos nossa vitória. Aprovaremos uma lei que proíba a concentração da mídia e incentive a pluralidade. A alegria louca com que comemoraremos essa lei será a maior prova de nosso amor profundo pela democracia, pela liberdade de expressão e – como acrescentaria nosso querido Enio, empunhando um copo – por uma boa cachaça!
Sou muito grato pela condição de poder lê artigo tão FANTÁSTICO. Um belo depoimento de um gigante na Blogosfera brasileira. Me considero um "blogueiro sujo" e suas consequências políticas e pessoais. Tenho o PRAZER imenso de postar SEU artigo no meu RAPADURA - O BLOG DO MINGAS(claro, informando a fonte)logo após este comentário. UM BELO E BONITO ARTIGO "HUMANO". Os blogueiros citados serão seguidos por mim a partir deste MOMENTO.
ResponderExcluirAbraços fieis e fraternos deste alagoano residente na cidade de Arapiraca.