quarta-feira, 18 de junho de 2014

A Copa e a imprensa em seu labirinto

Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:

A frustração com o empate da seleção brasileira de futebol no jogo contra os mexicanos produz todo tipo de reflexão nas edições de quarta-feira (18/6) dos jornais. Predominam os textos ponderados, que consideram melhor enfrentar agora as possíveis deficiências da equipe do que ganhar todas as partidas da primeira fase e ter que encarar eventuais falhas nas etapas eliminatórias.

Como acontece desde a abertura da Copa, a imprensa segue impressionada com o espetáculo das torcidas, como se os jornalistas estivessem sendo apresentados agora ao espírito do futebol. O clima nas ruas contradiz frontalmente a percepção transmitida pelo noticiário sobre política e economia, onde parece predominar um estado de sombrio mau humor.

Neste período em que o Brasil mergulhou no clima da Copa, os indicadores selecionados pela mídia mostram uma economia instável, mas a avaliação dos números depende basicamente do viés de cada analista. Por exemplo, aqueles que se opõem à política econômica baseada no fortalecimento do mercado interno, com o incremento da renda do trabalho, enxergam apenas o aspecto negativo das planilhas. Para esses, tem pouco valor, por exemplo, o fato de que caiu em 61% o número de demissões nos últimos dez anos, fator que torna mais consistente o quadro composto pela maior oferta de empregos formais, associada ao aumento na renda média dos salários.

A doutrina adotada pela imprensa brasileira é orientada pela concepção de que o mercado financeiro deve regular as relações econômicas, mesmo à custa de crises que, evidentemente, acabam por punir os mais vulneráveis. Portanto, não há hipótese de conciliação entre as duas correntes e por isso a imprensa irá lutar com todas as possibilidades para tirar do poder aqueles que optaram por um modelo mais distributivista.

Um estudo conduzido pela Fundação Getúlio Vargas com o TCB – The Conference Board –, instituição de pesquisas econômicas fundada em 1916 (ver aqui), mostra que é justamente o emprego que mantém o Brasil a salvo de uma recessão. Num cenário de grande volatilidade, os demais indicadores sofrem mais influência das expectativas pessimistas amplificadas pela imprensa.

Uma questão de poder
O leitor curioso irá perguntar: mas a política de incremento da renda do trabalho não estaria beneficiando a imprensa, ao estimular o consumo e, portanto, fortalecer o mercado interno? Afinal, os jornais não tiram seu sustento da publicidade, que vive do consumo?

Essa é uma questão central na análise do noticiário.

Realmente, em muitas de suas pautas, a mídia tradicional parece estar agindo contra seus próprios interesses de negócio, o que seria até motivo de admiração, não fosse o aspecto paralelo dessa aparente contradição: o poder. Tradicionalmente, aquilo a que chamamos de imprensa sempre constituiu uma forma paralela do poder institucional, instrumentalizando aquela nuvem de suposições chamada de “opinião pública” como forma de pressão sobre os poderes republicanos. Com esse potencial de influência, as empresas de comunicação sempre terão meios para aliar o poder político ao lucro.

Sem o condão de definir os rumos da economia, a imprensa vê crescer o protagonismo dos cidadãos e se perturba com a possibilidade de o poder político passar a ser compartilhado com a sociedade. Não é por outra razão que os jornais se desesperam com o decreto que propõe organizar e dar mais eficiência aos conselhos consultivos, assim como sofrem espasmos quando se fala em regulamentação da mídia.

Os dois temas são abordados em editoriais, na quarta-feira (18/6), pelo Estado de S.Paulo e O Globo. O Sistema Nacional de Participação Social soa, nas redações, como uma aberração, embora os conselhos, criados em 1931, estejam esperando a regulamentação desde a Constituinte de 1988.

Vemos, então, a imprensa em seu labirinto: para sobreviver no ambiente que se consolida com as tecnologias digitais de informação e comunicação, seus negócios precisam se adaptar ao intenso protagonismo individual que define a sociedade contemporânea. Mas para manter sua influência sobre as antigas instituições públicas, a imprensa precisa se opor à consolidação de novas formas de participação da sociedade nas decisões coletivas.

Essas são as raízes do ódio que escorre dos jornais.

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