Mais do que a legitimação – a comemoração – com que Aécio Neves comentou publicamente em São João Del Rei, do solar da casa de seu avô, a agressão a Dilma Rousseff não deve ser banalizada nem esquecida. “Talvez a forma não tenha sido a melhor para expressar esse mau humor, essa discordância. Mas o fato é que vale o ditado. Acho que ela colheu um pouco aquilo que plantou nos últimos anos. Alguém que governa com mau humor permanente, com enorme arrogância, sem dialogar com a sociedade brasileira, achando que por ter a caneta na mão pode tudo.”
A declaração inaceitável para um homem público poderia gerar vários comentários. O primeiro deles é que a mentira extrema parece ser o modo típico de Aécio Neves mentir. Como opera sempre, na linha de uma certa publicidade, como a Coca Cola enche sempre a sua propaganda de saúde e de vida. Pois o partido de Aécio Neves, junto com o DEM e o PPS, está justamente tentando derrubar no Congresso Nacional uma lei que institucionaliza a participação popular no governo federal.
O segundo comentário é que seu avô – certamente ao contrário do neto – repudiaria a agressão inominável e pública a uma presidente brasileira democraticamente eleita. Isto não fazia parte da melhor tradição liberal conservadora do PSD mineiro.
Uma terceira observação é que a expressão “colheu o que plantou” apareceu simultaneamente na boca de Eduardo Campos, falando em campanha para a rádio CBN. Tanta coincidência parece combinada. Mas aqui vale o reiterado sempre por Lula: o neto de Arraes está hoje descentrado, não sabe hoje bem o que é e o que não é em seu trânsito incerto em busca de um personagem que talvez nem exista.
Mas Aécio, não: ele bem colheu o que tanto plantou. O discurso do ódio ao PT, à Lula e à Dilma, é tão orgânico a sua candidatura como a Rede Globo ou o Banco Itau. Este ódio, a princípio, não tem limites como todo fenômeno extremo na política. Na cena da abertura da Copa, ele veio à tona.
Os que agrediram Dilma de forma tão machista são os mesmos que na escravidão e depois dela , sem trabalhar, insultavam e insultam os negros de preguiçosos e vadios. É a mesma voz dos que alertam que o salário-mínimo está alto demais e que algo precisa ser feito antes que seja tarde, como disse Armínio Fraga, principal consultor econômico de Aécio Neves. Ou que proclama que o Brasil não é capaz nem deve realizar uma Copa do Mundo.
Ressentimento do mundo
Há na cultura política brasileira o hábito de transigir, perdoar e esquecer. No país em que a presidente foi torturada durante uma ditadura militar, ainda não prevalece o direito internacional de que os crimes contra a humanidade não prescrevem.
Não devemos transigir, perdoar ou esquecer o gesto público de Aécio Neves ao legitimar e até comemorar o inominável. Fazer isso é permitir que um sentimento extremo da barbárie continue a crescer na cena pública da democracia brasileira. Pois se até isso é permitido, legitimado e comemorado pelo candidato oficial da oposição neoliberal, o que virá depois?
É o oposto o que devemos agora fazer. Como uma cena que surrealisticamente escapa às manchetes dos jornais, das revistas, das tevês e das rádios, as ruas estão vivas e pulsando um sentimento genuíno de alegria verde e amarela. Quando o nacional se faz popular à contra-discurso, este sentimento, mais do que nunca, é esquerdo.
Assim, quanto mais extrema a barbárie, mais alta, cívica, republicana, popular e socialista democrática deve ser a nossa atitude.
Por esta razão, nenhum mineiro digno pode consentir que Aécio fale ao Brasil em nome de todos os que nasceram em Minas e são filhos de sua tradição de liberdade. Se a vida de Dilma Rousseff encarna uma vera inconfidência – a sua memória, hoje pública, logo assimilou a agressão verbal inominável à tortura que sofreu nos cárceres da ditadura - , o sentimento de Aécio se parece ao de seus algozes.
Não há aí nenhum sentimento do mundo, na linha humanista radical de Drummond. Mas só o ressentimento, este “oceano sem água”, dos que temem perder os privilégios.
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